Caso Escher e outros vs. Brasil (2009)

5 de julho de 2013

CIDH

No presente post, será feito um resumo da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos no Caso Esher e outros vs. Brasil. O contexto fático do litígio ocorre nos conflitos sociais em prol da reforma agrária no Estado do Paraná. Na decisão da CIDH, analisa-se, sobretudo, o conteúdo do direito à privacidade (no art. 11 do Pacto de São José da Costa Rica), o qual, na espécie, foi violado por decisão judicial brasileira.

O caso perante à República Federativa do Brasil

Arlei José Escher, Dalton Luciano de Vargas, Delfino José Becker, Pedro Alves Cabral e Celso Aghinoni eram membros da Associação Comunitária de Trabalhadores Rurais – ADECON e da Cooperativa Agrícola de Conciliação Avante Ltda – COANA, as quais mantinham relações com o Movimento dos Trabalhadores sem Terra, no Estado do Paraná.

No dia 5 de maio de 1999, a Polícia Militar do Paraná requereu ao Juízo de Direito da Comarca de Loanda interceptação e monitoramento de linha telefônica, instalada na sede da COANA. Alegou-se que essa entidade estaria sendo utilizada “pela liderança do MST para práticas delituosas”, tais como o desvio de recursos de financiamentos rurais. Ademais, reputou-se necessária a quebra do sigilo telefônico para a investigação de homicídio.

No mesmo dia, a juíza Elisabeth Khater autorizou a interceptação telefônica, mediante simples despacho à mão “na margem da petição, na qual escreveu ‘R[ecebido] e A[nalisado]. Defiro. Oficie-se. Em 05.05.99′”. O Ministério Público não foi notificado. Novamente, a polícia militar, sem qualquer fundamentação, pediu a interceptação de outra linha telefônica da COANA e de linha da ADECON. Da mesma forma, a decisão de deferimento foi lacônica e o parquet, ignorado.

As gravações vazaram para a Rede Globo e acabaram expostas no Jornal Nacional, na noite de 07/06/1999. No dia seguinte, o Secretário de Segurança Pública do Paraná fez coletiva com a imprensa e expôs parte do conteúdo de algumas conversas.

Um ano depois, os autos foram enviados ao Ministério Público estadual, o qual emitiu parecer com as seguintes conclusões: a) os policiais militares requerentes, além de não terem vínculos com a Comarca, não presidiam qualquer investigação, sendo partes ilegítimas; b) o pedido foi requerido sem qualquer conexão com inquérito ou processo em curso; c) o segundo pedido de interceptação não foi motivado; d) o procedimento de quebra não foi anexado a qualquer processo; e) as decisões judiciais não foram fundamentadas. Ao final, o Ministério Público concluiu que as interceptações tiveram fim exclusivamente político, “em total desrespeito ao direito constitucional a intimidade, a vida privada e a livre associação”.

Assim, a pedido dos movimentos sociais, o MP enviou notitia criminis ao Tribunal de Justiça em face do ex-secretário, da magistrada e dos militares envolvidos. A investigação criminal foi arquivada por decisão da Corte Especial, a qual ordenou apenas a remessa dos autos ao primeiro grau a fim de se analisar a conduta do ex-secretário, em razão da suposta divulgação ilícita dos diálogos interceptados. Concluída a investigação, foi apresentada denúncia contra a referida autoridade, havendo condenação em primeira instância; contudo, o Tribunal de Justiça a absolveu, sob o fundamento de que não houve quebra, pois os “dados que já haviam sido divulgados no dia anterior em rede de televisão.”

Em relação à juíza, o procedimento administrativo para apurar falta funcional foi arquivado pela Corregedoria do Tribunal de Justiça. Em seguida, após recomendação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República enviou o caso ao Conselho Nacional de Justiça – CNJ. O procedimento foi igualmente arquivado, sob a justificativa de que a rejeição da ação penal foi exaustiva, não deixando margem para qualquer processo administrativo.

O caso perante o Sistema Interamericano de Direito Humanos

Inconformadas com o grampo, as organizações Rede Nacional de Advogados Populares e a Justiça Global, em nome dos membros das CONAE e da ADECON, peticionaram, em 26/12/2000, à Comissão Interamaricana de Direitos Humanos, alegando que interceptação telefônica feita pelo Juízo de Direito da Comarca de Loanda violou o direito à privacidade e o Estado Brasileiro não tomou medidas adequadas e efetivas para reparar os danos decorrentes.

Em 20/12/2007, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos apresentou demanda à CIDH, aduzindo que, em razão dos fatos antes descritos, o Brasil violou os seguintes artigos do Pacto de São José da Costa Rica): 8.1 (Garantias Judiciais), 11 (Proteção da Honra e da Dignidade), 16 (Liberdade de Associação) e 25 (Proteção Judicial).

Na Corte, foram apresentadas petições pelas partes e ouvidas diversas testemunhas. A fim de analisar a interceptação telefônica à luz do direito brasileiro, emitiram laudos, como peritos, Luiz Flávio Gomes, o qual foi indicado pela Comissão Interamericana, e Maria Thereza Rocha de Assis Moura, indicada pelo Brasil.

O conteúdo da sentença da CIDH

Em 10 de junho de 2009, foi prolatada a sentença pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.  No mérito, a Corte assentou que “o artigo 11 da Convenção proíbe toda ingerência arbitrária ou abusiva na vida privada das pessoas, enunciando diversos âmbitos da mesma como a vida privada de suas famílias, seus domicílios e suas correspondências.”

Em relação ao art. 11, consta, na sentença, que esse dispositivo convencional “protege as conversas realizadas através das linhas telefônicas instaladas nas residências particulares ou nos escritórios, seja seu conteúdo relacionado a assuntos privados do interlocutor, seja com o negócio ou a atividade profissional que desenvolva”. Estariam albergadas pela proteção à vida privada “qualquer outro elemento do processo comunicativo, como, por exemplo, o destino das chamadas que saem ou a origem daquelas que ingressam; a identidade dos interlocutores; a frequência, hora e duração das chamadas; ou aspectos que podem ser constatados sem necessidade de registrar o conteúdo da chamada através da gravação das conversas.”

Quanto à interceptação telefônica, a CIDH afirmou que essa medida somente se legitima em face da Convenção Americana se cumprir os seguintes requisitos: “a) estar prevista em lei, b) perseguir um fim legítimo; c) ser idônea, necessária e proporcional.” Assim, em verdadeiro controle de convencionalidade, entendeu-se que a Lei n. 9.296/96 está em conformidade com a Convenção. Por conseguinte, considerando que a interceptação realizada em detrimento das vítimas não observou os requisitos do direito interno previstos em tal diploma legal (eis os vícios: ilegitimidade da polícia militar para requerer, ausência de fundamentação na decisão, falta de notificação do MP e ausência de transcrição das fitas), houve violação do Pacto de São José da Costa Rica.

Entendeu-se igualmente que a persecução penal ilegítima violou o princípio da liberdade de associação. Da mesma forma, foi considerada ilegítima, por falta de fundamentação,a decisão em sede administrativa relativa à conduta funcional da juíza que autorizou a interceptação telefônica.”

Ao final, ordenou-se ao Brasil a obrigação de indenizar Arlei J. Escher, Dalton L. de Vargas, Delfino J. Becker, Pedro Alves Cabral e Celso Aghinoni. Fixou-se também a obrigação de divulgar a sentença e de investigar os fatos relacionados ao caso.


Caso Apitz Barbera y otros (“Corte Primera de lo Contencioso Administrativo”) vs.Venezuela

2 de julho de 2013

O caso Apitz Barbera y otros vs.Venezuela releva um importante precedente da Corte Interamericana de Direitos Humanos, no qual se debateu amplamente o princípio da independência do Poder Judiciário. O pano de fundo diz respeito ao polêmico regime jurídico constitucional bolivariano, o qual tem sido constantemente acusado de agir em desconformidade com o princípio da separação dos poderes.

O caso perante à República Bolivariana da Venezuela

María Ruggeri Cova, Perkins Rocha Contreras e Juan Carlos Apitz Barbera eram juízes da Corte Primera de lo Contencioso Administrativo, na Venezuela. A jurisdição de tal órgão diz respeito ao controle de atos do poder administrativo público, com exceção daqueles que emanam do Presidente da República e seus Ministros. As sentenças da Corte Primeira são passíveis de recurso apenas ao Supremo Tribunal.

A nomeação dos citados magistrados deu-se em caráter provisório no dia 12 de setembro de 2000, mediante ato do Plenário do Supremo Tribunal, que fixou como condição resolutiva a realização de concurso.

Ocorre que, em junho de 2002, os juízes da Primeira Corte do Contencioso Administrativo, ao julgar cautelar de amparo, emitiram sentença invalidando ato administrativo emitido pelo “Registrador Subalterno del Primer Circuito de Registro Público” do Município de Baruta, o qual se negara a registrar uma propriedade. A sentença teria sido altamente criticada pelos altos escalões do Governo.

Em razão dessa sentença, os magistrados passaram por investigação na Inspetoria Geral dos Tribunais – IGT pelo cometimento de suposto “erro inescusável”. Ao final, foram denunciados ao CFRSJ, que é um órgão  judicial criado provisoriamente pela Assembléia Constituinte para proceder ao exame da disciplina dos juízes, enquanto não forem instalados os Tribunais Disciplinares previstos na Constituição Bolivariana da Venezuela, de 15 de dezembro de 1999.

Na denúncia, os juízes foram acusados de ter cometido “erro judicial inescusável”. Em 30 de outubro de 2003, com base nesse fundamento, foi decretada a destituição. Inconformados, recorreram administrativamente e apresentaram pedido de amparo junto ao contencioso administrativo, o qual acabou sendo rejeitado. O recurso administrativo não foi julgado.

O caso perante o Sistema Interamericano de Direito Humanos

A destituição dos magistrados foi objeto de queixa perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a qual, por sua vez, demandou a República Bolivariana da Venezuela na Corte Interamericana, imputando-lhe violação aos direitos consagrados nos artigos 8 (Garantias Judiciais) e 25 (Proteção Judicial) da Convenção Americana.

Ao apreciar a demanda, a CIDH assentou que a independência dos juízes deve ser garantida pelo Estado, tanto em seu aspecto institucional, isto é, em relação ao sistema judicial como um todo, e também em relação à pessoa do juiz específico. O objetivo da proteção é evitar que o sistema judicial, em geral, e seus membros, em particular, sejam submetidos a restrições indevidas no exercício de suas funções por parte de órgãos estranhos ao Poder Judicial ou mesmo por parte dos magistrados de tribunais superiores. No caso concreto, entendeu-se que punir magistrados por atos no exercício da jurisdição constitui atentado à independência funcional.

Ademais, observou-se que a CFRSJ não é um órgão dotado de imparcialidade, pois seus membros poderiam ser livremente exonerados pela Suprema Corte. Inclusive, as exceções de impedimento opostas pelos juízes sindicados não foram respondidas. Por fim, concluiu-se que a destituição não foi devidamente fundamentada, pois a decisão teve teor meramente remissivo. Segundo a CIDH, a argumentação da sentença deve mostrar que foram devidamente apreciadas as alegações das partes as provas dos autos, permitindo a possibilidade de crítica e recurso.

Ao final, em sentença de 05 de agosto de 2008, a Venezuela foi condenada a pagar indenização às vítimas e reintegrá-las ao Poder Judiciário, com direito aos salários, benefícios sociais e classificação equivalentes àqueles que corresponderiam ao dia de hoje, se não tivessem sido demitidos.


O caso Atala Riffo y Niñas Vs. Chile (2012)

1 de julho de 2013

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A finalidade deste post é tratar de recente julgado da Corte Interamericana de Direitos Humanos, o qual versa sobre orientação sexual e direito de guarda de crianças. Juridicamente, o pano de fundo da controvérsia aborda a responsabilidade internacional do Estado por tratamento discriminatório e interferência arbitrária na vida privada e familiar. É o caso Atala Riffo y Niñas Vs. Chile, julgado em 2012, o qual representa um julgado riquíssimo.

O processo judicial perante o Poder Judiciário do Chile

 Karen Atala Riffo e Ricardo Jaime López Allendes casaram-se em 29 de março de 1993. Dessa relação, vieram à luz as meninas M., V. e R., nascidas, respectivamente, em 1994, 1998 e 1999. Em 2002, os consortes separam-se de fato, sendo estabelecido o acordo no sentido de que a senhora Atala ficaria com a custódia e cuidados das três meninas na cidade Villarrica, com regime de visita semanal a casa do pai em Temuco.

Ocorre que Atala Riffo iniciou relação homoafetiva com Emma de Ramón. Em novembro de 2002, elas passaram a morar juntas na casa de Atala. Inconformado com essa situação, o pai das meninas ingressou com demanda de custódia no Juizado de Menores de Villarrica, alegando que, por conta do lesbianismo materno, o ambiente familiar se tornara prejudicial ao desenvolvimento emocional das crianças.

Em 2 de maio de 2003, o juizado concedeu a custódia provisória ao pai, regulando as visitas maternas. Contudo, na sentença, que fora proferida por outro juiz, julgou-se improcedente o pedido, sob o fundamento de que a homossexualidade não é doença e que a orientação sexual da ré não representa impedimento para desenvolver a maternidade responsável.

Inconformado, em novembro de 2003, o pai de das meninas interpôs recurso de apelação, alegando que a sentença promoveu uma mudança radical na vida das menores. A Corte de Apelações de Temuco, em 30 de março de 2004, confirmou a sentença por seus próprios fundamentos.

Então, o pai das meninas interpôs queixa junto à Suprema Corte de Justiça do Chile. Ao apreciar o pedido, a quarta turma do órgão judicial máximo chileno proveu, em 31 de maio de 2004, o recurso para dar a custódia definitiva ao recorrente. Assentou o tribunal que a regra segundo a qual os filhos devem ficar sob a guarda da mãe não é absoluta, comportando relativização no caso concreto. Por isso, considerando o fato de que a orientação sexual materna poderia expor as filhas à discriminação e lhes causar confusão psicológica, a melhor solução seria mantê-las sob os cuidados paternos, no âmbito de uma família tradicional.

O processo perante o Sistema Interamericano

Ao julgar o caso,  a Corte entendeu que a decisão da justiça chilena violou diversas normas do Pacto de São José da Costa Rica.

De início, constatou-se que foram transgredidos os princípios da igualdade e da não discriminação previstos no artigo 1.1 do Pacto de São José da Costa Rica, os quais, por conta da expressão “outra condição social”, protegem a orientação sexual e a identidade de gênero. Nessa senda, a corte internacional assentou que a presunção de tratamento social discriminatório não poderia ser utilizada como fundamento para a restrição de direitos. Se a sociedade é intolerante, não cabe ao Estado sê-lo, razão por que só lhe resta adotar medidas para combater o preconceito em razão da orientação sexual.

Quanto à presunção de dano psicológico às crianças, entendeu a CIDH que a Suprema Corte chilena adotou uma análise in abstracto do suposto impacto da orientação sexual da mãe no desenvolvimento das meninas, não tendo sido apresentadas provas concretas de dano real e imediato. Por fim, entendeu-se que o Pacto de São José da Costa Rica não adota um conceito fechado e tradicional de família fundada no matrimônio. Inclusive, rechaçaram-se excertos da sentença da Suprema Corte do Chile, os quais estariam a albergar um conceito limitado e estereotipado de família (“família estruturada normalmente e respeitada na sociedade”).

Outro princípio fundamental vulnerado pela decisão judicial chilena foi o da proteção da vida privada dos indivíduos (art. 11 do Pacto). O tribunal internacional observou que a vida privada é um conceito amplo que não pode ser definido de forma exaustiva. Seu âmbito de proteção inclui a vida sexual e o direito de estabelecer e desenvolver relações com outros seres humanos.

Também não passou desapercebida pela corte uma violação às garantias processuais. Com efeito, na visão da CIDH, a sentença da Corte Suprema de Justiça não deu às crianças o direito de serem ouvidas consagrado no artigo 8.1, combinado com  os artigos 19 e 1.1 da Convenção Americana.

Na conclusão da sentença, a Corte Interamericana não agiu como quarta instância a fim de reformar a decisão da justiça chilena. A sentença foi puramente reparatória, estabelecendo um conjunto de obrigações a serem cumpridas pelo Chile: i) prestar assistência médica e acesso psicológico ou psiquiátrico e imediata, adequada e eficaz, através de suas instituições especializadas públicas de saúde às vítimas que o solicitem; ii) publicar o resumo do julgamento, por uma vez, no Diário Oficial e em jornal de circulação nacional, divulgando o inteiro teor no site oficial; iii) realizar ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional para os fatos do presente caso; iv) continuar a implementar, dentro de um prazo razoável, programas permanentes e cursos de educação e formação para os funcionários públicos regionais e nacional e, particularmente, para servidores de todas as áreas e escalões do Judiciário; v) pagar determinadas quantias a título de compensação por danos materiais e morais e reembolso de custos e despesas, conforme o caso.


Duplo grau de jurisdição: precedentes da Corte Interamericana de Direitos Humanos

30 de junho de 2013

A Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) prevê, em seu Artigo 8º, um vasto rol de garantias judiciais.  No item II, alínea “h”, desse dispositivo convencional encontra-se previsto o princípio do duplo grau de jurisdição, nos seguintes termos:

“2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: direito de recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior”.

 O exame de casos relacionados ao duplo grau de jurisdição não ocorre por acaso. A razão de ser é mostrar que as práticas judiciais e ensinamentos doutrinários majoritários do Brasil encontram-se na contramão do entendimento da Corte Interamericana.

 Em relação ao duplo grau de jurisdição, importantes precedentes foram produzidos pela Corte, destacando-se as sentenças proferidas nos seguintes casos: a) Herrara Ulloa versus Costa Rica; b) Mohamed versus Argentina.

 Herrara Ulloa versus Costa Rica (2004)

 Em 12 de novembro de 1999, o Tribunal Penal do Primeiro Circuito Judicial de São José (Costa Rica) condenou o jornalista Mauricio Herrera Ulloa pelo crime de difamação, em razão de artigos publicados no periódico “La Nación”, os quais teriam ofendido a honra do diplomata Félix Prezedborski, que era representante daquele país na Organização de Energia Atômica da Áustria. Os artigos supostamente ofensivos de Ulloa foram escritos com base em notícias divulgadas na Bélgica acerca de escândalo, envolvendo Prezedborski. Contudo, a justiça da Costa Rica ordenou Ulloa ao pagamento de indenização. Como efeito secundário, o nome do jornalista foi lançado no registro judicial de delinqüentes.

 O caso foi denunciado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que, por sua vez, encaminhou demanda à Corte em janeiro de 2003, alegando que o Estado da Costa Rica, por meio da referida decisão judicial, violou o artigo 13 do Pacto de São José da Costa Rica, o qual prevê o direito à liberdade de pensamento e expressão, bem como o artigo 8º, que trata das garantias judiciais.

 Ao julgar a demanda em 2004, a Corte assentou que, de fato, a Costa Rica violou a liberdade e pensamento e expressão, a qual representa o direito de expressar o próprio pensamento e a liberdade de buscar, receber e difundir o pensamento, sobretudo, envolvendo fatos relacionados a funcionário no exercício da função pública. Ademais, entendeu-se que, como o julgamento fora realizado em instância única, violou-se o duplo grau de jurisdição. Nesse ponto, entendeu-se que é direito de todo condenado recorrer a um tribunal superior formado por juízes imparciais, em que seja possível a ampla revisão dos fundamentos fáticos e jurídicos que embasam a condenação.

 Ao final, a sentença da Corte impôs as seguintes disposições contra a Costa Rica: a) tornar sem efeito a sentença prolatada em 12 de novembro de 1999; b) adequar o ordenamento interno ao disposto no artigo 8.2.h da Convenção Americana (duplo grau de jurisdição); c) Pagar a Mauricio Herrera Ulloa, a título de dano moral, US$ 20.000,00 (vinte mil dólares dos Estados Unidos de América).

 Caso Mohamed versus Argentina(2012)

 Em razão de atropelamento ocorrido em março de 1992, a promotoria argentina (Fiscal Nacional de Primera Instancia) ofereceu denúncia em face do motorista profissional Oscar Alberto Mohamed, dando-o como incurso nas penas do crime de homicídio culposo. Ao final, o juízo de primeiro grau, em 30 de agosto de 1994, absolveu o réu. Ocorre que o caso foi levado a segunda instância (Cámara Nacional de Apelaciones en lo Criminal y Correccional), a qual decidiu reformar a sentença, condenando o réu. Em face dessa decisão somente seria possível um recurso de natureza extraordinária (recurso extraodinario federal), cuja natureza não permite que as partes suscitem ao tribunal superior a nova valoração das provas e das questões de fato. O réu ainda recorreu extraordinariamente; porém, o recurso foi considerado inadmissível.

O caso foi encaminhado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a qual, em 13 de abril de 2011, demandou a República Argentina por violação ao artigo 8.2.h do Pacto de São José da Costa Rica. Aduziu-se que o direito processo penal argentino não permitiu que a condenação em segundo grau de jurisdição fosse revista, de forma ampla e aprofundada, pelo tribunal superior.

Ao final, o argumento de violação ao artigo 8.2.h foi integralmente acolhido.  Entendeu-se que o art. 8.2.h refere-se a um recurso ordinário acessível e eficaz, que deve ser garantido antes que a sentença penal condenatória transite em julgado. Impõe-se à República Argentina a obrigação de adotar as medidas necessárias para garantir a Oscar Alberto Mohamed o direito de recorrer da condenação emitida pela Sala Primera de la Cámara Nacional de Apelaciones en lo Criminal y Correccional de 22 de fevereiro de 1995, em conformidade com os parâmetros convencionais do Articulo 8.2.h da Convenção Americana.


Curso sobre Controle de Convencionalidade e Jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos – CIDH.

29 de junho de 2013

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Entre os dias 25 a 29 de junho de 2013, foi realizado em João Pessoa, Paraíba, curso sobre Controle de Convencionalidade e Jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos – CIDH. O evento decorreu de parceria entre o Ministério da Justiça e a Corte Interamericana, com apoio de órgãos públicos e entidades ligadas à proteção dos direitos humanos.

A finalidade precípua do curso foi divulgar, no Brasil, a jurisprudência da Corte Interamericana, mediante palestras de juristas nacionais e internacionais especializados no assunto, com vistas à capacitação sobre o Sistema Interamericano de Direito Humanos.

Temas como garantias processuais, proteção judicial, reparações, povos indígenas, migração e refúgio, justiça de transição, entre outros, foram tratados com profundidade para uma platéia formada por juízes, advogados, defensores públicos, membros do Ministério Público, professores e estudantes.

Para a maioria dos brasileiros que participaram do evento, ficou evidente que a Corte Interamericana de Direitos Humanos possui riquíssima jurisprudência, formada a partir de casos paradigmáticos dos mais diversos países do continente.

Desafortunadamente, esses precedentes são completamente desconhecidos para a maioria dos operadores jurídicos pátrios, o que se confirma pela escassez de decisões e petições que citem dispositivos da Convenção Interamericana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) e sentenças da Corte. Em terras tupiniquins, as decisões do Tribunal Constitucional alemão ou da Suprema Corte norte-americana são mais populares que os arestos da CIDH, o que demonstra uma tendência, enraizada na cultura jurídica pátria, de esquecimento do rico universo jurídico da América Latina.

A estrutura do curso foi a mesma utilizada para a capacitação dos Defensores Públicos Interamericanos. Desde 2009, o Regulamento da CIDH permite, após a admissão da demanda, que as supostas vítimas ou representantes credenciados apresentem petições, argumentos e provas durante todo o processo. Sendo pessoas socialmente vulneráveis, as supostas vítimas poderão valer-se do corpo de 15 Defensores Públicos Interamericanos, disponibilizados em razão de convênio celebrado entre a Corte Interamericana de Direitos e a Associação Interamericana de Direitos Humanos – AIDEF.

Na próxima postagem, serão apresentados alguns casos levados à CIDH e discutidos no curso de que trata este post. Desde já, fica o incentivo para que todos passem a ter um novo olhar em relação à jurisprudência da Corte Interamericana.