Depois de uma longa pausa, voltaremos a comentar questões de concurso público. Desse vez, analisaremos itens que abordam os princípios do direito adquirido e do ato jurídico perfeito na jurisprudência do STF. A questão foi extraída da prova de Analista do Seguro Social – Direito (CESPE – UNB).
Questão: Em relação aos institutos do direito adquirido, da coisa julgada e do ato jurídico perfeito, julgue os itens a seguir, de acordo com o entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal (STF).
Item 71. O princípio constitucional segundo o qual a lei nova não prejudicará o ato jurídico perfeito não se aplica às normas infraconstitucionais de ordem pública.
Comentário: A assertiva está errada. Segundo o STF, mesmo as leis de ordem pública sujeitam-se ao princípio do ato jurídico perfeito em face de leis posteriores. Precedente: “[…] a incidência imediata da nova lei sobre os efeitos futuros de um contrato preexistente, precisamente por afetar a própria causa geradora do ajuste negocial, reveste-se de caráter retroativo (retroatividade injusta de grau mínimo), achando-se desautorizada pela cláusula constitucional que tutela a intangibilidade das situações definitivamente consolidadas.” (STF, Agravo de Instrumento nº 292.979-RS, Relator: Min. Celso de Mello, Julgamento: 19/11/2002).
Item 72. As leis interpretativas que geram gravames são aplicáveis a fatos ocorridos a partir de sua entrada em vigor, mas não a situações sujeitas ao domínio temporal exclusivo das normas interpretadas, sob pena de violação ao ato jurídico perfeito.
Comentário. A alternativa encontra-se correta. O precedente que embasa a questão é a ADI 605-DF, que tratava das leis de caráter interpretativo. Nesse julgado, o STF entendeu viável as leis de caráter interpretativo retroativas, desde que não violem certos limites constitucionais. Segundo o Relator Celso de Mello, “o princípio da irretroatividade somente condiciona a atividade jurídica do Estado nas hipóteses expressamente previstas pela Constituição, em ordem a inibir a ação do Poder Público eventualmente configuradora de restrição gravosa (a) ao ‘status libertatis’ da pessoa (CF, art. 5. XL), (b) ao ‘status subjectionais’ do contribuinte em matéria tributária (CF, art. 150, III, “a”) e (c) à segurança jurídica no domínio das relações sociais (CF, art. 5., XXXVI). – Na medida em que a retroprojeção normativa da lei não gere e nem produza os gravames referidos, nada impede que o Estado edite e prescreva atos normativos com efeito retroativo.”
Item 73. O direito à aposentadoria é regido pela lei vigente ao tempo da reunião dos requisitos da inatividade, inclusive quanto à carga tributária incidente sobre os proventos.
Comentário: A questão encontra-se errada, em virtude da afirmação contida na parte final do enunciado (… inclusive quanto à carga tributária incidente sobre os proventos). Com efeito, segundo o STF é viável modificação dos critérios de tributação de proventos, sendo o grande precedente dessa matéria a ADI 3.105-DF, que tratou da polêmica contribuição instituída sobre proventos dos servidores públicos aposentados antes da EC nº 41/2003. Conforme a corrente majoritária, “[…] não há, em nosso ordenamento, nenhuma norma jurídica válida que, como feito específico do fato jurídico da aposentadoria, lhe imunize os proventos e as pensões, de modo absoluto, à tributação de ordem constitucional, qualquer que seja a modalidade do tributo eleito, donde não haver, a respeito, direito adquirido com o aposentamento. (STF, ADI 3.105-DF, Relato para o acórdão: Min. Cesár Peluso, Informativo nº 376)
Item 74. Os servidores públicos de autarquias que promovem intervenção no domínio econômico têm direito adquirido a regime jurídico.
Comentário. A alternativa é errada, pois não há direito adquirido a regime jurídico, sendo irrelevante o fato de o servidor público pertencer ao quadro de pessoal de uma autarquia ou da administração direta. A seguinte decisão ilustra bem a situação: “SERVIDORES DO EXTINTO IAPI. ADICIONAL BIENAL. DIREITO ADQUIRIDO. INEXISTÊNCIA. 1. Reclassificação dos cargos públicos introduzida pelo Decreto-lei nº 1.341/74. Absorção do adicional bienal pelo adicional por tempo de serviço. 2. Não cabe alegar direito adquirido contra mudança de regime jurídico se o patrimônio consolidado do servidor não se alterou. 3. Hipótese em que o acréscimo bienal foi mantido durante um certo tempo após a reclassificação dos cargos. Nenhum direito decorre de situações inconstitucionais. Incidência da Súmula 473-STF. Precedentes. Recurso ordinário a que se nega provimento.” (STF, RMS 23365/DF, Rel. para o Acórdão: Min. Maurício Correa, Informativo nº 331)
Item 75. As normas constitucionais originárias podem alcançar fatos consumados no passado, se expressamente assim dispuserem, não podendo ser oposta coisa julgada, nem ato jurídico perfeito.
Comentário. A questão está correta. O poder constituinte originário caracteriza-se por ser inicial, ilimitado e incondicionado juridicamente, razão pela qual as amarras normativas da ordem jurídica pretérita não o vinculam. Por isso, a sua obra (as normas constitucionais originárias) não se submetem à coisa julgado, ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito. Precedente: “A supremacia jurídica das normas inscritas na Carta Federal não permite, ressalvadas as eventuais exceções proclamadas no próprio texto constitucional, que contra elas seja invocado o direito adquirido.” (STF, ADI 248-RJ, Relator: Min. Celso de Mello, Julgamento: 18/11/1993).
Item 76. As normas que alteram padrão monetário e, devido a essa alteração, estabelecem critérios de conversão de valores se aplicam de imediato, não podendo a existência de ato jurídico perfeito se opor a elas.
Comentário. A assertiva está correta. Com efeito, o STF, no julgamento de ação de Recurso Extraordinário envolvendo o Plano Cruzado (Decreto-Lei nº 2.290/86 e Decreto nº 92.592/86), posicionou-se no sentido de que não existe direito adquirido a padrão monetário. Como bem ressaltou o Ministro Moreira Alves, “[…] as normas que alteram o padrão monetário e estabelecem os critérios para a conversão dos valores em face dessa alteração se aplicam de imediato, alcançando os contratos em curso de execução, uma vez que elas tratam de regime legal de moeda, não se lhes aplicando, por incabíveis, as limitações do direito adquirido e do ato jurídico perfeito a que se refere o § 3º do artigo 153 da Emenda Constitucional nº 1/69.” (STF, RE 114982/RS, Julgamento: 30/10/1990)