Código de Ética da Magistratura Nacional

28 de setembro de 2008

           As pessoas que leram o Informativo STF nº 520 devem ter percebido que o Conselho Nacional de Justiça elaborou um Código de Ética para os juízes brasileiros. Trata-se de instrumento essencial para os magistrados balizarem seus comportamentos de acordo com princípios morais essenciais para que a sociedade deposite nessas autoridades a devida confiança.

            Em última análise, o Código de Ética visa, tal como consta em sua justificativa, à “excelência na prestação do serviço público de distribuir Justiça” e ao fortalecimento na “legitimidade do Poder Judiciário”. Ao todo, o Código de Ética possui 42 artigos que versam sobre temas de grande relevância, tais como a independência, a imparcialidade, o conhecimento, a cortesia, a transparência, o segredo profissional, a integridade profissional e pessoal, entre outras coisas. A leitura desse Código é altamente recomendável.

             Várias normas éticas merecem especial destaque, tais como a que define a finalidade da atividade judicial como sendo a garantia e fomento da “[…] dignidade da pessoa humana, objetivando assegurar e promover a solidariedade e a justiça na relação entre as pessoas” (art. 3º). Da mesma forma, é oportuna a regra que exige dos magistrados “[…] evitar comportamentos que impliquem a busca injustificada e desmesurada por reconhecimento social, mormente a autopromoção em publicação de qualquer natureza.” (art. 13).

             Por fim, o Código determina que “o magistrado tem o dever de cortesia para com os colegas, os membros do Ministério Público, os advogados, os servidores, as partes, as testemunhas e todos quantos se relacionem com a administração da Justiça”, exigindo também uma “linguagem escorreita, polida, respeitosa e compreensível” (art. 22).

              Mais uma vez o CNJ mostrando serviço à sociedade.


Casos interessantes envolvendo indenizações por danos morais

27 de setembro de 2008
           Nos sites de alguns tribunais, podem ser colhidas notícias interessantes dando conta de julgamentos envolvendo o tema dos danos morais.
            Na última quarta-feira (25/09), o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em grau de apelação, condenou o Sindicato Médico do Rio Grande do Sul – SIMER a pagar indenização de 20 mil reais em favor do Conselho Regional de Enfermagem COREN. No caso concreto, o sindicato dos médicos veiculou anúncios publicitários, em hospital, com mensagens contrárias à realização de partos por enfermeiros obstetras. Para o Tribunal Regional Federal, a postura do sindicato mostrou-se ilícita, pois ofendeu a reputação dos enfermeiros e contribuiu para gerar dúvidas na população, pois, nos termos expressos da lei, o enfermeiro pode fazer parto.
          A outra decisão a ser destacada vem do Superior Tribunal de Justiça. Na espécie, entendeu-se que mensagens difamatórias no Orkut podem gerar indenização por danos morais. O caso que gerou o precedente envolveu empresário cujo negócio de criação de avestruzes foi objeto de mensagens vexatórias naquele site de relacionamentos, em razão de dívida contraída por seu filho.
          Por fim, o Tribunal Superior do Trabalho entendeu que comentários indevidos por parte de chefe de vendas de loja da C&A sobre aspectos físicos de empregada gera danos morais. Entre outras coisas, provou-se no processo que a reclamante fora demitida por ter a idade de 38 anos e não ter mais o “padrão de beleza C&A”. Assim, o TST manteve a condenação da empresa ao pagamento de 30 mil reais a ex-empregada.

Inconstitucionalidade superveniente ou revogação?

23 de setembro de 2008

1.         Após alguns dias sem postar, tentaremos responder a seguinte indagação: o Direito Constitucional brasileiro acolhe a tese da inconstitucionalidade superveniente?

            Como todos sabem, inúmeras leis e atos normativos são promulgados sob a vigência de uma determinada constituição. Nesse contexto, nada impede que o Poder Constituinte originário entre em ação, derrubando a ordem anterior, por meio da promulgação de uma nova Constituição.

             Nessa situação, é pacífico que as leis anteriores válidas e materialmente compatíveis com a nova Constituição são por ela recepcionadas, permanecendo em vigor. Contudo, na hipótese de as leis antigas serem materialmente incompatíveis, verifica-se uma divergência: para uns, ter-se-ia a chamada “inconstitucionalidade superveniente”; para outros, seria o caso de simples revogação.

 2.           Na jurisprudência do STF (cf. ADI nº 04, Rel.: Min. Paulo Brossard), prevalece o entendimento de que eventual incompatibilidade da legislação pré-constitucional em face de uma nova Constituição acarreta tão somente a revogação. Segundo o STF, quando uma lei anterior é materialmente incompatível com uma Constituição, não há um juízo de inconstitucionalidade, mas uma mera aplicação das regras de direito intertemporal, especialmente, o critério segundo o qual a norma posterior revoga a anterior com ela incompatível. Assim, a norma incompatível com a nova ordem constitucional não se torna inconstitucional por superveniência, mas revogada ou simplesmente não-recepcionada.

3.         A polêmica “inconstitucionalidade superveniente” versus “revogação” não é uma controvérsia meramente teórica, eis que possui importantes conseqüências práticas. A primeira delas consiste na impossibilidade de as leis pré-constitucionais serem objeto de Ação Direita de Inconstitucionalidade – ADI, exatamente em razão da circunstância de que a questão circunscreve-se no âmbito da revogação. Ademais, no sistema difuso, a declaração da incompatibilidade da lei velha em face da nova ordem pode ser feita pelos Tribunais sem a observância do quorum especial, previsto no art. 97 da Constituição (“reserva de plenário”). 

            Registre-se que esse entendimento é plenamente aplicável não apenas nos casos de incompatibilidade da Constituição com a lei a ela anterior, mas também entre Emenda Constitucional e leis que tenham sido promulgadas antes de sua vigência. Nesse último caso, igualmente tem sido rechaçada a chamada “inconstitucionalidade superveniente”, prevalecendo a idéia de simples revogação, o que atrai as conseqüências práticas acima mencionadas. 

4.         Por força da Lei nº. 9.882/99, que disciplina a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, estabeleceu-se, de forma expressa, a viabilidade do exame abstrato e concentrado da compatibilidade entre leis pré-constitucionais e a Constituição Federal, o que acabou por fechar uma lacuna no controle de constitucionalidade brasileiro.

            Da mesma forma, nada impede que, em sede de ADPF, discuta-se a compatibilidade de um direito pós-constitucional em face de Emenda Constitucional que lhe seja posterior, com vistas à verificação da ocorrência ou não de revogação. Contudo, mesmo nessas hipóteses, lembra Gilmar Mendes que os dispositivos dos acórdãos permanecem fiéis à velha jurisprudência, assentando que as leis anteriores impugnadas pela via da ADPF foram revogadas ou recebidas pela nova ordem constitucional ou pela Emenda respectiva.

5.         Assim, a título de conclusão, pode-se afirmar que a tese da inconstitucionalidade superveniente não tem sido admitida no Direito Constitucional pátrio. Porém, sob o ângulo estritamente doutrinário e de forma minoritária, já se defende a possibilidade de existência de inconstitucionalidade superveniente nas hipóteses de mutação constitucional. Realmente, em determinadas casos, certos dispositivos constitucionais sofrem uma radical mudança na interpretação que lhes é dada pelo STF, o que implica em verdadeira inconstitucionalidade do direito anterior à mutação (cf. Gilmar Mendes, Curso de Direito Constitucional, 2ª ed., p. 1.024).

 


Licença maternidade: Primeiras impressões sobre a Lei nº 11.770/2008

18 de setembro de 2008

            Finalmente foi publicada no Diário Oficial da União (10/09) a Lei nº 11.770, de 09 de setembro de 2008, que trata da prorrogação da licença maternidade.

            Mais uma vez a cobertura da imprensa nacional sobre o conteúdo dessa lei deixou muito a desejar, pois se fez muito sensacionalismo para nada. Na realidade, o alcance dessa lei é restrito, o que já podia ser esperado, afinal, em matéria de direitos sociais, vivemos um período sombrio, no qual pouco ou quase nada tem sido obtido pelos trabalhadores no plano legislativo. Aliás, a tendência é a perda de direitos.

            Primeiro aspecto a ser ressaltado: a aludida lei não ampliou o prazo de 120 dias referente ao benefício previdenciário da licença maternidade, eis que os dispositivos que a positivam (art. 7º, inciso XVIII, da CF e art. 71 da lei nº 8.213/91) permaneceram intactos.

            Na realidade, o que a lei criou foi um programa denominado “empresa cidadã”, por meio do qual as empresas que a ele aderirem ficam obrigadas a prorrogar por 60 dias o prazo da licença maternidade (120+60). Durante o período prorrogado, quem pagará o benefício não será a previdência pública, mas a própria empresa, que, em contra-partida, terá o direito de deduzir o valor respectivo do imposto de renda.

            Segundo aspecto a ser observado: na prática, a Lei nº 11.770/2008 destina-se às empregadas das grandes empresas, pois o programa parece ser restrito às empresas que seguem a tributação pelo lucro real.

            Terceiro aspecto relevante: existe a possibilidade de o programa instituído pela lei em comento ser adotado no âmbito da Administração Pública (art. 2º) em favor das servidoras estatutárias. Veja-se que igualmente não houve a ampliação do benefício, o qual continua, sendo de 120 dias.

            Assim, como bem ressaltou o Ministério da Previdência na Nota Explicativa nº 01/2008, “não há obrigatoriedade por parte dos Entes Federativos em conceder a prorrogação da Licença-Maternidade por 60 dias”. Contudo, se a União, Estados, Distrito Federal e Municípios desejarem instituir algo similar a esse programa deverão “custear com recursos do Tesouro o pagamento da remuneração integral durante a prorrogação da licença à gestante” e não com recursos previdenciários. 

           À vista do exposto, pode-se afirmar que da Lei nº 11.770/2008 não surgem direitos subjetivos à vantagem nela prevista, a qual fica condicionada à adesão ao programa “empresa cidadã”.


Jurisprudência selecionada nº 07 – Direito Administrativo

15 de setembro de 2008

           Duas notícias ligadas ao Direito Administrativo, mais precisamente ao universo dos servidores públicos, chamam a atenção no Informativo STF nº 518.

            A primeira delas envolveu a temática da acumulação de cargos, regulada pelo art. 37, XVI, c, da CF. Decidiu-se que a autorização para acumular dois cargos de médico  não engloba os cargos destinados à área da medicina veterinária. O caso concreto envolveu a acumulação do cargo de médico da secretaria de saúde com o de perito da polícia civil, especialidade veterinária (RE 248.248-RJ).

            A outra notícia diz respeito aos requisitos para o ingresso nas carreiras da área policial. O STF entendeu que “não tem capacitação moral para o exercício da atividade policial o candidato que está subordinado ao cumprimento das exigências decorrentes da suspensão condicional do processo (Lei 9.099/95, art. 89)”. Para o relator do recurso, o Min. Menezes Direito, “[…] tal medida impede a livre circulação do recorrido, incluída a sua freqüência a certos lugares e a vedação de ausentar-se da comarca, além da obrigação de comparecer pessoalmente ao juízo para justificar suas atividades”, o que afasta ofensa ao princípio da presunção de inocência. (RE 568.030-RN). Eis o inteiro teor das ementas respectivas:

 

Acumulação de cargos. Médico e perito criminal na especialidade de médico veterinário. Art. 37, XVI, “c”, da Constituição Federal. 1. O art. 37, XVI, “c”, da Constituição Federal autoriza a acumulação de dois cargos de médico, não sendo compatível interpretação ampliativa para abrigar no conceito o cargo de perita criminal com especialidade em medicina veterinária, como ocorre neste mandado de segurança. A especialidade médica não pode ser confundida sequer com a especialidade veterinária. Cada qual guarda característica própria que as separam para efeito da acumulação vedada pela Constituição da República. 2. Recurso extraordinário conhecido e provido.

(STF, RE 248248 / RJ, Relator:  Min. Menezes Direito, Julgamento:  02/09/2008, Órgão Julgador:  Primeira Turma, Publicação: DJe-216  Divulg 13-11-2008  Public 14-11-2008)

 

Concurso público. Policial civil. Idoneidade moral. Suspensão condicional da pena. Art. 89 da Lei nº 9.099/1995. 1. Não tem capacitação moral para o exercício da atividade policial o candidato que está subordinado ao cumprimento de exigências decorrentes da suspensão condicional da pena prevista no art. 89 da Lei nº 9.099/95 que impedem a sua livre circulação, incluída a freqüência a certos lugares e a vedação de ausentar-se da comarca, além da obrigação de comparecer pessoalmente ao Juízo para justificar suas atividades. Reconhecer que candidato assim limitado preencha o requisito da idoneidade moral necessária ao exercício da atividade policial não é pertinente, ausente, assim, qualquer violação do princípio constitucional da presunção de inocência. 2. Recurso extraordinário conhecido e provido. (STF, RE 568030 / RN, Relator:  Min. Menezes Direito, Julgamento:  02/09/2008, Órgão Julgador:  Primeira Turma, Publicação: DJe-202  Divulg. 23-10-2008, Public. 24-10-2008).


Competência da Justiça do Trabalho: exercício do direito de greve

11 de setembro de 2008

O Supremo Tribunal Federal proferiu mais uma importante decisão sobre o alcance das inovações trazidas pela EC nº 45/2004 em relação às novas competências da Justiça do Trabalho. Decidiu-se, na sessão plenária de ontem (10/09) que, no âmbito das “ações que envolvam exercício do direito de greve” (art. 114, inciso II), enquadram-se os interditos proibitórios.

Os interditos proibitórios são ações que buscam inibir atos que venham a perturbar a posse alheia (art. 932 do CPC). Nas relações entre capital e trabalho, essas ações são manejadas pelos patrões para impedir piquetes e manifestações nas portas de estabelecimentos, organizados por movimentos sindicais no contexto das greves.

A decisão do STF que reconhece a competência material da Justiça do Trabalho nesses conflitos apenas referendou a opinião dominante na doutrina, razão pela qual não pode ser reputada de surpreendente ou inovadora. Aliás, surpreendente foi o voto vencido do Relator Ministro Menezes Direito que sustentou a tese de que tais ações seriam da competência da Justiça comum.

Para finalizar, não custa recordar que o STF, ao examinar as inovações nas competências da Justiça do Trabalho, tem adotado interpretações razoáveis, como aquela que negou a esse ramo especializada a competência criminal (ADI MC 3684-DF), e outras de viés inegavelmente político, como a que não reconheceu a competência para processar e julgar ações envolvendo relações de trabalho estatutárias (ADI MC 3395-DF) ou baseadas em contratos administrativos temporários de prestação de serviços (RE 573.202-AM).


Clássicos dos fiscais da carteria rural

9 de setembro de 2008

Para quebrar um pouco da sisudez deste blog, vou transcrever algumas frases clássicas. São as famosas pérolas dos fiscais da carteira rural de um importante banco público brasileiro. Vejam uma pequena amostra do que esses agentes públicos escreveram em seus relatórios para seus superiores lerem:

 

1. “A lavoura nada produziu. Mutuário fugiu montado na garantia subsidiária”.

2. “Era uma ribanceira tão ribancenda que se estivesse chovendo e eu andasse a cavalo e o cavalo escorregasse, adeus fiscal.”

3. “Chegando na fazenda do Sr. Pedro Jacaré e não encontrei o réptil”.

4. “Financiado executou o trabalho braçalmente e animalmente.”

5. “Quem vê cara não vê coração. Mutuário muito forte sofrendo de dores no pulmão”.  

6. “Mutuário triste e solitário pelo abandono da mulher não pode produzir.”

7. “Pediu para ficar e depois viajou em seguida… isso pareceu mais uma brincadeira de homens sem responsabilidade. “

8. “Achei uma coisa horrível o serviço. Tudo realizado ruim. Cliente vive devidamente bêbado e devendo aos bares e a Deus e ao mundo.”

9. “As garantias permaneceram em perfeito estado de abandono e conservação. Mutuário mantém vida privada na fazenda.”

10. “Tendo em vista que o mutuário adquiriu aparelhagem para processar inseminação artificial e que um dos touros holandeses morreu, sugerimos que se fizesse um treinamento de uma pessoa para tal função.”


Jurisprudência selecionada nº 06 – Controle de constitucionalidade de portaria – Competência administrativa dos tribunais

8 de setembro de 2008

1.           Um acórdão bastante interessante foi divulgado no Informativo nº 517. Trata-se de decisão plenária do STF, tomada em ADI movida contra portaria de um Tribunal de Justiça que disciplinou o horário de funcionamento dos servidores do Judiciário.

            O primeiro dado que chama a atenção refere-se ao fato de a ação impugnar uma portaria. Em regra, as portarias são atos secundários, que se destinam à execução de leis ou atos normativos superiores. Por isso, não podem ser impugnadas  por meio da ação direta. Contudo, em alguns casos, as portarias veiculam, de forma primária, verdadeiras normas gerais e abstratas, o que torna possível o controle de constitucionalidade concentrado (ADI 3691-MA, Informativo STF 477).

            O segundo dado relevante liga-se à competência administrativa dos Tribunais. Para o STF, alteração na jornada de trabalho e a mudança no horário de trabalho dos servidores são distintas. A jornada de trabalho é matéria pertencente ao regime jurídico dos servidores públicos, razão pela qual deve ser tratada mediante lei de iniciativa do chefe do Poder Executivo. A mudança de horário, por sua vez, é matéria meramente administrativa e, nessa condição, pode ser tratada no âmbito da normatização interna dos tribunais.

2.            O grande detalhe do julgado, porém, refere-se ao fato de que, mesmo em matérias tipicamente administrativas como a mudança de horário, há a necessidade de o tema, no âmbito dos tribunais, ser disciplinado por decisão colegiada, formalizada em resolução. Logo, uma mera portaria não pode alterar o horário de trabalho dos servidores.

 

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PORTARIA 954/2001 DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO AMAZONAS.[…]. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE COM EFEITOS EX NUNC.

I. Embora não haja ofensa ao princípio da separação dos poderes, visto que a Portaria em questão não altera a jornada de trabalho dos servidores e, portanto, não interfere com o seu regime jurídico, constata-se, na espécie, vício de natureza formal. II. Como assentou o Plenário do STF nada impede que a matéria seja regulada pelo Tribunal, no exercício da autonomia administrativa que a Carta Magna garante ao Judiciário. III. Mas a forma com que o tema foi tratado, ou seja, por portaria ao invés de resolução, monocra­ticamente e não por meio de decisão colegiada, vulnera o art. 96, I, a e b, da Constituição Federal. IV. Ação julgada procedente, com efeitos ex nunc. (ADI n. 2.907-AM, Relator: Min. Ricardo Lewandowski)

 

3.            Por fim, deve ser destacado que a questão sobre o manejo de ADI contra portarias é um tema que ainda provoca muitos debates no STF, pois nem sempre é fácil diferenciar quando uma portaria revela-se um ato autônomo e primário, gerando normas abstratas e gerais, ou quando ela é um mero ato secundário destinado à aplicação da lei. O seguinte julgado, que dividiu o plenário do STF, mostra bem essa situação:

 

INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Portaria nº 796/2000, do Ministro de Estado da Justiça. Ato de caráter regulamentar. Diversões e espetáculos públicos. Regulamentação do disposto no art. 74 da Lei federal nº 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Ato normativo não autônomo ou secundário. Inadmissibilidade da ação. Inexistência de ofensa constitucional direta. Eventual excesso que se resolve no campo da legalidade. Processo extinto, sem julgamento de mérito. Agravo improvido. Votos vencidos. Precedentes, em especial a ADI nº 392, que teve por objeto a Portaria nº 773, revogada pela Portaria nº 796. Não se admite ação direta de inconstitucionalidade que tenha por objeto ato normativo não autônomo ou secundário, que regulamenta disposições de lei. (ADI-AgR 2398 / DF, Relator:  Min. CEZAR PELUSO, Julgamento:  25/06/2007)


Atividade jurídica: o caso Lyana versus PGR

4 de setembro de 2008

            Julgamento dos mais interessantes foi o do caso Lyana Kalluf versus Procurador Geral da República (STF, MS 26.690).
            Tratava-se de mandado de segurança em que a impetrante procurou concretizar seu sonho de tornar-se Procuradora da República. Apesar de aprovada nas primeiras fases do dificílimo concurso, teve a inscrição definitiva negada por não ter comprovado três anos de atividade jurídica.
            Na realidade, a autora da ação só dispunha como atividade jurídica do exercício de dois anos do cargo de Promotor de Justiça. Durante a tramitação do writ, obteve liminares do Ministro Relator Eros Grau que lhe garantiram a possibilidade de fazer a prova oral, ser nomeada e reservar a vaga. A posse, porém, ficou condicionada ao julgamento do mérito.  
           Apesar do brilhante parecer oral do Subprocurador Roberto Gurgel contra Lyana, prevaleceu o bom senso da maioria dos Ministros, bem como a idéia de que as regras jurídicas não podem ser interpretadas friamente, sem a observância das peculiaridades do caso concreto. Como negar a alguém que já era integrante do Ministério Público estadual o acesso aos quadros do Ministério Público Federal?
          Ao final, um recado foi dado: o que se estava a discutir era uma situação excepcional. Não houve, portanto, flexibilização do conceito de atividade jurídica. Inclusive, a pretensão da impetrante de contar o tempo de magistério em cursinho preparatório para concursos e de assessoria informal a um membro do Ministério Público estadual não foi aceita. A razão de decidir da Corte baseou-se na presumida experiência – “tirocínio” no dizer do Ministro Peluso – decorrente do exercício do cargo de Promotor de Justiça.

Jurisprudência selecionada nº 05 – Controle de constitucionalidade de medidas provisórias

1 de setembro de 2008

Foi publicada no Diário Oficial da União uma decisão importantíssima em matéria de controle de constitucionalidade de leis e atos normativos. Trata-se da ADI nº 4.048-DF, na qual o PSDB impugnou a Medida Provisória nº 405, de 18/12/2007, que versava sobre a abertura de créditos extraordinários.

Essa decisão tem especial significado jurídico por duas razões.

Primeiramente, ela representa uma ruptura com um entendimento solidificado no sentido de que leis de efeito concreto não são suscetíveis de serem impugnadas em sede de jurisdição abstrata. Como bem ressaltou Gilmar Mendes em estudo anterior à aludida decisão, “a jurisprudência do STF tem considerado inadmissível a propositura de ação direta de inconstitucionalidade contra lei de efeito concreto” (Curso de Direito Constitucional, 2ª ed, 2008, p. 1114). Contudo, o autor já criticava esse entendimento restritivo, sob a alegação de que a Constituição, ao reger a ADI, não diferenciou as leis de efeitos concretos das leis de efeito geral e abstrato. Nesse caso, a Corte acabou seguindo a doutrina de Gilmar Mendes e mudou sua jurisprudência.

Em segundo lugar, a decisão tem um extraordinário impacto político, pois estabeleceu que o STF pode declarar inconstitucional medida provisória que, a pretexto de disciplinar créditos extraordinários, trate, na realidade, de despesas a serem enfrentadas com créditos suplementares ou especiais. Veja-se que o Presidente da República, nesses casos, praticava uma legítima fraude à Constituição, pois, como é cediço, as Medidas Provisórias, em matéria orçamentária, só podem tratar de créditos extraordinários (art. 62, § 1º, inciso I, alíenea “b”, da CF, com redação dada pela EC nº 32/2001). E extraordinários são créditos que envolvem situações de extrema gravidade, como guerras e calamidades (art.167, 3º, da CF).  

Eis os trechos mais importantes da ementa do acórdão proferido no processo da ADI nº 4.048:

 

 II. Controle abstrato de constitucionalidade de normas orçamentárias. Revisão de jurisprudência. O Supremo Tribunal Federal deve exercer sua função precípua de fiscalização da constitucionalidade das leis e dos atos normativos quando houver um tema ou uma controvérsia constitucional suscitada em abstrato, independente do caráter geral ou específico, concreto ou abstrato de seu objeto. Possibilidade de submissão das normas orçamentárias ao controle abstrato de constitucionalidade.

 

III. Limites constitucionais à atividade legislativa excepcional do Poder Executivo na edição de medidas provisórias para abertura de crédito extraordinário. Interpretação do art. 167, § 3º c/c o art. 62, § 1º, inciso I, alínea “d”, da Constituição. Além dos requisitos de relevância e urgência (art. 62), a Constituição exige que a abertura do crédito extraordinário seja feita apenas para atender a despesas imprevisíveis e urgentes. Ao contrário do que ocorre em relação aos requisitos de relevância e urgência (art. 62), que se submetem a uma ampla margem de discricionariedade por parte do Presidente da República, os requisitos de imprevisibilidade e urgência (art. 167, § 3º) recebem densificação normativa da Constituição. Os conteúdos semânticos das expressões “guerra”, “comoção interna” e “calamidade pública” constituem vetores para a interpretação/aplicação do art. 167, § 3º c/c o art. 62, § 1º, inciso I, alínea “d”, da Constituição. “Guerra”, “comoção interna” e “calamidade pública” são conceitos que representam realidades ou situações fáticas de extrema gravidade e de conseqüências imprevisíveis para a ordem pública e a paz social, e que dessa forma requerem, com a devida urgência, a adoção de medidas singulares e extraordinárias. A leitura atenta e a análise interpretativa do texto e da exposição de motivos da MP n° 405/2007 demonstram que os créditos abertos são destinados a prover despesas correntes, que não estão qualificadas pela imprevisibilidade ou pela urgência. A edição da MP n° 405/2007 configurou um patente desvirtuamento dos parâmetros constitucionais que permitem a edição de medidas provisórias para a abertura de créditos extraordinários.

(ADI MC N. 4.048-DF, Relator: Min. Gilmar Mendes, Informativo STF nº 516)