Nas constituições escritas, o preâmbulo é uma declaração solene que “atesta a origem do poder constituinte, seu fundamento, seus objetivos e a essência do pensamento que orientou os trabalhos da assembléia.”[1] Segundo Vital Moreira e Gomes Canotilho, o preâmbulo “é, um só tempo, uma certidão de origem e uma declaração de princípios”.[2]
Apesar de conter uma breve explanação, o preâmbulo reflete toda uma conjuntura histórica, sendo a síntese das idéias predominantes no processo constituinte. Em geral, suas disposições descrevem a legitimidade do poder constituinte, exaltam certos valores e fixam finalidades a serem perseguidas.
No Brasil, todas as leis fundamentais apresentaram um preâmbulo, o qual faz parte de nossa tradição constitucional. Nesse contexto, o caráter político e ideológico dos preâmbulos é inquestionável. A questão controvertida consiste em saber se as disposições preambulares possuem força normativa.
Na doutrina, predomina o entendimento de que as disposições preambulares não ostetam a natureza de normas jurídicas. Assim, o preâmbulo não é capaz de produzir direitos e deveres ou invalidar atos que lhe sejam contrários. Contudo, o preâmbulo não é juridicamente irrelevante. Para Vital Moreira e Canotilho, o valor dos preâmbulos é subordinado, funcionado como elementos de interpretação e, eventualmente, de integração das normas constitucionais.[3]
Na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, esse entendimento tem sido expressamente adotado. Com efeito, na ADI 2076, a Suprema Corte deixou claro que o preâmbulo da Constituição Federal de 1988 não tem força normativa. Assim, julgou improcedente ação direta de inconstitucionalidade por omissão movida em face do preâmbulo Constituição do Acre, a qual, diferentemente da Constituição Federal, não se reportou “a proteção de Deus”. Portanto, não há qualquer obrigatoriedade de as constituições estaduais se reportarem à proteção divina ou qualquer outra passagem do preâmbulo federal.[4]
Contudo, a possibilidade de invocação do preâmbulo na interpretação de algum dispositivo constitucional foi utilizada pela Primeira Turma do STF no julgamento do Recurso em Mandado de Segurança nº 26071. Nesse processo, decidiu-se que certo candidato portador de doença denominada “ambliopia” tem direito à concorrer nas vagas reservadas aos deficientes físicos. Na espécie, o relator fundamentou sua interpretação do princípio da igualdade numa disposição do preâmbulo da atual Constituição (“sociedade fraterna”): “A reparação ou compensação dos fatores de desigualdade factual com medidas de superioridade jurídica constitui política de ação afirmativa que se inscreve nos quadros da sociedade fraterna que se lê desde o preâmbulo da Constituição de 1988.”[5]
Portanto, é correto afirmar que, embora não seja uma norma jurídica (o que impede de ser utilizado como parâmetro de controle de constitucionalidade), o preâmbulo é um importante instrumento no processo de interpretação dos dispositivos da Constituição.
[1] MALUF, Sahid. Direito Constitucional. São Paulo: 1976, p. 60.
[2] CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa anotada, vol. 1, 1ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 180.
[3] Idem, p. 181.
[4] STF, ADI 2076, Relator: Min. Carlos Velloso, DJ 08-08-2003, p. 86.
[5] STF, RMS 26071, Relator: Min. Carlos Britto, Primeira Turma, DJe-018, 31-01-2008.