Honorários sucumbenciais das Defensorias Públicas: crítica à súmula 421 do STJ

7 de junho de 2012

 No post de hoje, trataremos da Súmula 421 do Superior Tribunal de Justiça, que versa sobre os honorários sucumbenciais das Defensorias Públicas. Mostraremos que, além de ser uma fonte de equívocos interpretativos, o verbete jurisprudencial não deveria ter sido editado, pois fere a autonomia das Defensorias Públicas e disposições expressas da Lei Complementar n.º 80/1994.

 O sentido e alcance da súmula 421

Nos termos da súmula 421 do Superior Tribunal de Justiça, “Os honorários advocatícios não são devidos à Defensoria Pública quando ela atua contra a pessoa jurídica de direito público à qual pertença.”

A literalidade do enunciado é no sentido de que os entes federativos que possuem defensorias públicas (União, Estados e Distrito Federal) não estão obrigados a pagar honorários sucumbenciais aos órgãos de assistência jurídica a eles vinculados. Assim, a União fica isenta de pagar honorários à Defensoria Pública da União e o Estado de São Paulo, por exemplo, igualmente não paga honorários à respectiva Defensoria Pública.

 Nesse caso, justifica-se a impossibilidade do pagamento, com base na tese de que, sendo as defensorias órgãos desses entes públicos, haveria a confusão entre devedor e credor (art. 381 do Código Civil), o que importa na extinção da obrigação. No precedente que embasou a referida súmula, o Ministro Relator José Delgado assim se manifestou: “A Defensoria Pública é mero, não menos importantíssimo, órgão estadual, no entanto, sem personalidade jurídica e sem capacidade processual, denotando-se a impossibilidade jurídica de acolhimento do pedido da concessão da verba honorária advocatícia, por se visualizar a confusão entre credor e devedor”.1

Na realidade, o grande equívoco consiste  em interpretar a súmula 421 de modo a isentar a Fazenda Pública como um todo do pagamento de honorários às Defensorias Públicas. Realmente, em alguns casos, a súmula permite o pagamento de honorários sucumbenciais por parte do Poder Público. Vejamos: se um necessitado, mediante o patrocínio da Defensoria Pública da União, demandar e sagrar-se vencedor em lide contra uma autarquia federal, como o INCRA, ou outra pessoa hipossuficiente, assistida pela Defensoria Pública estadual, demandar e vencer uma autarquia local, a exemplo do DETRAN, os honorários sucumbenciais serão inegavelmente devidos à DPU e à respectiva DPE. Da mesma forma, se a DPU demandar a União, certo Estado e certo Município e vencer ao final a lide, estes dois últimos pagar-lhe-ão honorários sucumbenciais. Em todos essas hipóteses, não há que se falar em confusão entre credor e devedor.

 Nesse contexto, aparentemente causa perplexidade recente acórdão do STJ que, com base numa interpretação extensiva da Súmula 421, isentou uma entidade da Administração Indireta do Estado do Rio de Janeiro, o RIOPREVIDÊNCIA, de pagar honorários sucumbenciais à Defensoria Pública carioca (REsp 1102459/RJ, julgado em 06/06/2012). Ao que tudo indica, essa decisão foi apenas um distinguishing, pois o que a embasou é a circunstância especial de esse fundo autárquico ser um ente deficitário, carecedor de aportes financeiros do Estado para sobreviver. Assim, pelo menos nesse caso, poder-se-ia falar em confusão. Assim, essa ampliação da súmula 421 não deve alcançar entidades da Administração Indireta que não necessitam de aportes do tesouro para sobreviverem.

O equívoco do STJ na edição da Súmula

A Súmula 421 sequer deveria ter sido editada, pois viola a autonomia dada às defensorias pela EC n.º 45/2004 e as alterações decorrentes da Lei Complementar n.º 132/2009 em matéria de honorários.

Após a Emenda Constitucional nº 45/2004, as Defensorias Públicas dos Estados expressamente passaram a ter autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária (art. 134, § 2º, da CF). Com a Emenda Constitucional n.º 69/2012, concedeu-se essa mesma autonomia à Defensoria Pública do Distrito Federal. Em relação à Defensoria Pública da União, embora sua autonomia não tenha sido consagrada expressamente na Constituição, é possível, com base numa interpretação conforme da EC n.º 45/2004 em relação ao princípio da igualdade, os juízes e tribunais reconhecerem à DPU a mesma autonomia das defensorias públicas distrital e estaduais. Inclusive, a Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais – ANADEF interpôs a ADI nº 4.282 junto ao STF, postulando autonomia à DPU com base no princípio da igualdade.

Como bem ressalta Cirilo Augusto Vargas, no artigo “Súmula 421: um equívoco que persiste,  a autonomia das defensorias públicas é essencial, pois “por via reflexa, a instituição deixou de ser um simples órgão auxiliar do governo, passando a ser órgão constitucional independente, sem qualquer subordinação ao Poder Executivo”.

 Além disso, após a Lei Complementar n.º 132/2009, o art. 4º, inciso XXI, da Lei Complementar nº 80/1994, que organiza a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios, sofreu modificação passando a ter a seguinte redação: “são funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras, executar e receber as verbas sucumbenciais decorrentes de sua atuação, inclusive quando devidas por quaisquer entes públicos, destinando-as a fundos geridos pela Defensoria Pública e destinados, exclusivamente, ao aparelhamento da Defensoria Pública e à capacitação de seus membros e servidores.” Ora, claramente, esse dispositivo mostra que as defensorias, todas elas, possuem autonomia para gerir seus honorários sucumbenciais. O que não poderia ser diferente, eis que a verba será direcionada não para seus membros, mas para uma conta especial, destinada ao aperfeiçoamento da instituição.

 Portanto, a persistência da súmula 421 é um erro do STJ.  Cirilo Augusto Vargas é contundente quanto a esse fato: “À guisa de conclusão, verificamos que a antiga decisão do Superior Tribunal de Justiça, que serve como precedente para elaboração da súmula 421, foi proferida no ano de 2003, ou seja, antes da alteração constitucional promovida pela Emenda 45/2004, que consagrou a autonomia administrativa e financeira da Defensoria Pública. Precede também a elaboração da norma prevista no artigo 4º, XXI da Lei Complementar Federal 80/94, que alude aos fundos para aparelhamento da Instituição.”

Por fim, cumpre observar que há premente necessidade de ampliar e melhorar os serviços das Defensorias Públicas em todo o Brasil. Urge a admissão de defensores, servidores e a melhoria das condições materiais de trabalho, o que é essencial para a efetividade do acesso à justiça. De certa forma, a Súmula 421 do STJ tem sua parcela de culpa no descaso estatal em relação às defensorias.