Reflexão sobre os 25 anos da Constituição da República Federativa do Brasil

5 de outubro de 2013

Acevo câmara

A Constituição brasileira promulgada em 05 de outubro de 1988 completou 25 anos de vigência. O momento é um convite à reflexão.

 Ao longo de sua história, o Estado brasileiro marcou-se por profunda instabilidade política. Em diversos momentos (1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e 1988), outorgaram-se ou promulgaram-se sucessivas constituições, plasmadas por revoluções, golpes e acordos institucionais. A Constituição de 1988 é uma das mais duradouras. Sua vigência temporal é inferior apenas à das Constituições de 1824 e de 1891.

A Constituição de 1824 perdurou, aproximadamente, por 69 anos. Outorgada por Dom Pedro I, “por graça de Deus e unânime aclamação dos povos”, a vetusta carta regeu uma dinastia monárquica. Sob o ponto de vista social, permitiu a reprodução de uma sociedade rural, profundamente autoritária e hierarquizada, marcada pelo flagelo da escravidão.

Por sua vez, a Constituição de 1891 durou quase 40 anos e inaugurou a República e o Estado federal. Por meio dela, separaram-se, definitivamente, a Igreja e o Estado e se introduziu o controle de constitucionalidade difuso. Apesar dos avanços, o texto liberal e descentralizador incentivou o coronelismo, a república do “café com leite” e os conflitos sociais decorrentes da urbanização e industrialização do início do século XX.

Diferentemente das Constituições de 1824 e 1891, que muito duraram por serem reflexos do que Lassale denominou fatores reais de poder, a Constituição de 1988, embora deles não tenha se desvencilhado completamente, procurou estabelecer um projeto de sociedade, direcionado para a transformação e inclusão.

De fato, em 05 de outubro de 1988, marcou-se a passagem para um novo momento histórico. Seus antecedentes remontam aos movimentos sociais surgidos na década de oitenta e à resistência política contra regime ditatorial pós-1964. Seu texto orienta-se pelos valores da democracia, do pluralismo e da dignidade humana. Um vasto rol de direitos e garantias fundamentais foi positivado e, ano a ano, enriquecido pela atuação judicial e por novas concepções doutrinárias.

 Na moldura normativa da Lei Fundamental, vieram à luz grupos e setores sociais esquecidos como empregados domésticos (art. 7º, parágrafo único), os garimpeiros (art. 174, § 3º), os índios (art. 231 e 232), os seringueiros (art. 54 do ADCT), os soldados da borracha (art. 54, 1º, do ADCT) e os quilombolas (art. 68 do ADCT). As mulheres passaram a ter igualdade jurídica plena e a família patriarcal matrimonializada deixou de ser a única legitimada, ante o reconhecimento da união estável (art. 226, § 3º) e das uniões homoafetivas (STF, ADC 132 e ADI 4277).

O texto, evidentemente, não é perfeito. Em muitos pontos, é assistemático. Em outros, positiva temas tipicamente infraconstitucionais. Por serem detalhados e específicos, tais dispositivos tendem a ser reformados constantemente, o que, por exemplo, se deu com todo um arcabouço de regras e princípios sobre servidores públicos, regimes de previdência e sistema tributário, que foram objetos das Emendas Constitucionais n.ºs 03, 18, 19, 20, 21, 40, 41, e 47.

Embora também tenha cristalizado privilégios, a atual constituição permitiu um ensaio de autodeterminação da sociedade civil perante o Estado.  Sob o seu manto, haverá de ser superado patrimonialismo, cujos reflexos atuais são a corrupção e a concentração de privilégios em prol de setores estatais e privados.

Os anos vindouros exigem a busca pela força normativa da Constituição, a qual não brota magicamente de seu texto, mas da consciência geral e do compromisso, sobretudo, dos responsáveis pela ordem social e política de que ela, a Constituição, é essencial para evitar o autoritarismo e o poder dos fatos. Essa consciência acerca da importância da lei fundamental é o que Konrad Hesse chamou de “vontade da constituição“. Assim, devem ecoar as palavras de Ulisses Guimarães, proferidas na promulgação da carta em 05 de outubro de 1988:

“A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa, ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca. Traidor da Constituição é traidor da Pátria. Conhecemos o caminho maldito: rasgar a Constituição, trancar as portas do Parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio, o cemitério. A persistência da Constituição é a sobrevivência da Democracia.”

De forma otimista, espera-se que a Constituição dure mais 25 anos, refletindo a trajetória de sucesso das Constituições da Itália, Alemanha, Portugal e Espanha. Que as gerações futuras colham os frutos das sementes plantadas pela atual geração.