A crise da Crimeia: paralelo histórico com o início da Segunda Guerra Mundial

Nos últimos dias, a comunidade internacional vê com preocupação a tensão entre Rússia e Ucrânia, pelo controle da região da Crimeia, a qual, nas últimas horas, foi ocupada por efetivos militares russos. Curiosamente, essa situação geopolítica lembra, guardadas as devidas proporções e ressalvados os contextos absolutamente diferentes, a crise de Danzing, ocorrida em 1939, a qual foi o estopim da Segunda Guerra Mundial. Assim, a finalidade deste post é fazer um paralelo histórico entre esses diferentes focos de tensão.

A tensão entre Alemanha e Polônia em 1939

Corredor polones

Após a Primeira Grande Guerra (1914-1918), a Alemanha assinou, em 1919, com os países vencedores o Tratado de Versalhes, o qual lhe impôs pesadas sanções militares, econômicas e territoriais. Por força desse acordo internacional, um novo desenho de fronteiras foi definido, implicando na perda de 13% do território alemão. Em particular, causou profundo mal estar a situação da província alemã da Prússia Oriental, que ficou ilhada no meio da Polônia, sem qualquer ligação com o resto da Alemanha. A faixa de terra que separava o Reich e a Prússia Oriental ficou conhecida como “corredor polonês”. Nela, situava-se Danzing, uma importante região portuária alemã, que passou a ser uma cidade internacional livre.

Segundo Gabriel Cardona, “Danzing, cuja maioria da população era de origem alemã, sinalizava uma rivalidade entre a Alemanha e a Polônia. Pelo Tratado de Versalhes, ela era uma cidade internacional livre, cujas relações diplomáticas eram exercidas pela Polônia, mediante um acordo. Era governada por um Senado (com o seu Presidente assumindo o Poder Executivo), Câmara dos Deputados e um alto comissário da Liga das Nações. A Polônia mantinha um comissário geral e tinha uma união aduaneira com a cidade, que era uma zona franca administrada por um Conselho do Porto, com trânsito livre para os barcos e três poloneses.” (Coleção 70º aniversário da Segunda Guerra Mundial, v. 2. São Paulo: Abril Coleções, 2009, p. 02)

As imposições do Tratado de Versalhes serviram de combustível para a ascensão do Partido Nacional Socialista, em janeiro de 1933. Em 1939, Hitler “exigiu a devolução de Danzing, além de uma ferrovia e de uma rodovia extraterritoriais que cruzassem o corredor que separava a Prússia Oriental do resto do Terceiro Reich. Em compensação, ofereceu à Polônia a prorrogação por 25 anos do pacto de não agressão de 1934, bem como a inclusão no Pacto Antikomintern e a garantia de suas fronteiras” (Idem, p. 11).

A Polônia só aceitou a construção da estrada, rejeitando sua extraterritorialidade e a devolução de Danzing. Grupos étnicos alemães em Danzing, cujo Senado era chefiado por um nazista, passaram a não mais respeitar as autoridades aduaneiras e policiais polonesas. A população alemã na cidade aderiu com entusiasmo à proposta de reincorporação ao Terceiro Reich. Iniciou-se um clima de tensão e de provocações que culminaram na invasão germânica em setembro de 1939. Em seguida, eclodiu a Segunda Guerra Mundial, pois a Polônia fizera um pacto de ajuda mútua com a Inglaterra e a França.

A tensão entre Rússia e Ucrânia em 2014

Crimeia

A Crimeia, atual foco de tensão entre Rússia e Ucrânia, foi incorporada ao território ucraniano durante a vigência da União Soviética. Conforme narra ironicamente o jornalista português José Linhazes, “em 1954, Nikita Khrutchov, secretário-geral do Partido Comunista da URSS, decidiu oferecer a Crimeia a Ucrânia, pois era, tal como todos os comunistas, uma pessoa que não acreditava numa das previsões de Fátima, ou seja, que o regime comunista iria ruir um dia”. (In Blog da Rússia)

Com o colapso da União Soviética em 1991, a Ucrânia tornou-se uma república independente, sob a forma de estado unitário, onde a Crimeia tem o status jurídico-constitucional de república autônoma. Desde então, setores políticos ucranianos tentam se aproximar da Europa ocidental, afastando-se da Rússia, de quem sempre teve desconfiança, sobretudo, em razão, da coletivização de propriedades rurais na década de 1930, a qual gerou a morte por fome de milhões de camponeses, no genocídio conhecido por Holodomor. Inclusive, durante o início da invasão alemã em 1941 à URSS, incontáveis ucranianos receberam com festa as forças armadas alemãs e se incorporaram a Waffen SS (hoje tidos como heróis pela extrema-direita ucraniana), embora a população civil tenha sido vítima das atrocidades do regime nazista.

Atualmente, a maioria da população da Criméia é de origem russa. Por conseguinte, rejeita o novo governo nacionalista, pró-ocidente e anti-Rússia instalado em Kiev em fevereiro de 2014, após a “Primavera Ucraniana”. Face os violentos protestos anti-Rússia na maior parte da Ucrânia, a população russa da Crimeia sente-se ameaçada. Embalada por ideais nacionalistas e separatistas, almeja a independência ou retorno à administração moscovita.

Aqui, faz-se o paralelo histórico: Danzing, no ano de 1939, era uma cidade autônoma de maioria étnica alemã, governada por lideranças pró-Hitler, na qual as autoridades polacas foram rejeitadas pela população e as tropas alemãs recebidas com festa. A Crimeia, em 2014, é uma república autônoma, governada por agentes públicos pró-Moscou, onde as autoridades ucranianas são repelidas e as tropas russas ovacionadas pelo povo.

Felizmente, o líder russo Vladimir Putin não é (ainda) Adolf Hitler e a ONU tem (ainda) mais influência apaziguadora que a velha Liga das Nações. Espera-se, pois, que a diplomacia e o bom senso consigam evitar um conflito entre Rússia e Ucrânia, o qual poderia arrastar a OTAN à contenda bélica. É que, em 1994, foi celebrado um pacto entre Estados Unidos, Inglaterra e Ucrânia (Acordo de Bucareste), por meio da qual esta última renunciaria ao seu arsenal nuclear, em troca de apoio à sua integridade territorial.

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