Diferenças entre a Justiça Militar da União e a dos Estados

27 de janeiro de 2010

Um tema interessante consiste em diferenciar  as atribuições e  aorganização das Justiças Militares da União e dos Estados. Ambas são justiças especializadas, mas cada um delas possui particularidades que podem ser esquematicamente resumidas com base neste quadro:

Justiça Militar da União (art. 122 a 124 da CF) Justiça Militar Estadual (art. 125, §§ 3º a 5º da CF)
* A competência criminal cinge-se ao processo e julgamento de crimes militares * A competência criminal se resume ao processo e julgamento de crimes militares.

* Julga civis ou militares do Exército, Marinha e Aeronáutica.

* Só julga os militares dos Estados, entendendo-se como tais os policiais militares e os integrantes do corpo de bombeiros (art. 125, § 4º, da CF). Se um civil e um soldado da PM praticam um crime dentro de um destacamento da polícia, o PM responde na justiça militar do Estado e o civil na justiça comum, mesmo havendo conexão. Cuida-se de hipótese de separação absoluta de processos.

* A competência somente é fixada em razão da matéria. * A competência é fixada com base na matéria e na pessoa do acusado.
* Não possui competência cível.

* Dispõe de competência cível, que consiste em julgar também as ações judiciais contra atos disciplinares militares.

* O órgão jurisdicional é um Conselho de Justiça. Esse conselho é composto por um juiz – que é chamado de juiz-auditor – e 4 oficiais militares de posto superior ao acusado. O Presidente do Conselho é o militar de posto mais elevado. Se todos forem do mesmo posto, o mais antigo será o Presidente. * O órgão jurisdicional também é o Conselho de Justiça, que é composto por um juiz de direito e 4 militares. Compete ao juiz de direito julgar singularmente os crimes militares cometidos contra civis e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, cabendo ao Conselho julgar os demais crimes (art. 125, § 4º, da CF). A presidência do órgão pertence ao juiz de direito.
* A acusação compete a membro do Ministério Público Militar, carreira específica da MPU (art. 128, I, c, da CF). * A acusação compete a membro do Ministério Público Estadual.

* O órgão de 2ª instância é o Superior Tribunal Militar (art. 123 da CF). Observe-se que, apesar de ser denominado de “superior”, as competências do STM são típicas de órgãos de 2º grau.

* O órgão de 2ª instância pode ser o Tribunal de Justiça Militar, o qual só pode ser constituído nos Estados, cujo efetivo seja superior a vinte mil integrantes. Só existe no Rio Grande do Sul, Minas Gerais e São Paulo. Nos demais Estados, é o próprio Tribunal de Justiça (art. 125, § 3º, da CF).


Isonomia nos prazos de licença à gestante e à adotante

21 de janeiro de 2010

Nas minhas andanças, encontrei interessante decisão envolvendo a temática do princípio da igualdade. Nos termos do art. 207 da Lei nº 8.112/90 (estatuto dos servidores públicos federais), a servidora pública gestante tem direito a 120 dias consecutivos de licença, sem prejuízo da remuneração do cargo. Por sua vez, o art. 210 dessa mesma lei dispõe que a servidora que adotar  ou obtiver a guarda judicial de criança de até um ano de idade, terá direito a 90 dias de licença remunerada.

Pois bem: seria constitucional essa diferenciação de prazos entre  a licença à gestante e à adotante? O Tribunal Regional Federal da 5ª Região,  em bem fundamentao acórdão, entendeu que esse tratamento desigual viola a Constituição Federal, especificamenente a norma que assegura a igualdade entre filhos  naturais e adotivos. Eis o teor da ementa do acórdão:

ADMINISTRATIVO. SERVIDORA PÚBLICA FEDERAL. ADOÇÃO. FILHO MENOR DE 1 (UM) ANO DE IDADE. LICENÇA MATERNIDADE. PRAZO DE 120 (CENTO E VINTE) DIAS. ISONOMIA COM AS SERVIDORAS GESTANTES. ARTS. 6º E 227, CAPUT E § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

– O art. 6º, caput, da Lex Fundamentalis estabelece como um dos direitos sociais a proteção à maternidade e à infância. Já o art. 227, caput, do texto constitucional prevê como um dos deveres da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente o direito, dentre outras coisas, à convivência familiar; e o § 6º do mesmo dispositivo reconhece a igualdade de direitos e qualificações entre os filhos havidos ou não do casamento ou por adoção, proibindo quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

– Se a própria Constituição Federal assegura a proteção à maternidade e à infância, tratando isonomicamente os filhos naturais e os adotivos, além de estabelecer como um dos deveres do Estado assegurar à criança o direito à convivência familiar, não há como se acolher a tese albergada no texto da Lei nº 8.112/90 – arts. 207 e 210 – de que servidoras gestantes e adotantes devem ter direito à licença-maternidade com prazos diferenciados.

– Se a lei propõe que uma mãe que gera seu próprio filho precisa de 120 (cento e vinte) dias para cuidar, mais de perto, dessa criança e, a partir daí, criar os laços de afeição e amor que unem a família, deveria ter previsto a situação das mães adotantes que, com certeza, seja por motivos orgânicos ou mesmo psicológicos, precisam de muito mais tempo para se adaptarem à nova situação e para criarem essa relação de intimidade e cumplicidade com os filhos.

– Esse período de licença-maternidade, na verdade, não deve ser entendido apenas como um direito da mãe, mas, também, como um direito da criança de ter ao seu lado, durante, aproximadamente, 4 (quatro) meses, a presença de sua genitora, provendo-a não só das

necessidades alimentares básicas decorrentes dos primeiros meses de vida, como também das psicológicas.

– Dante da incompatibilidade criada pela norma infraconstitucional entre situações de mesmo jaez – arts. 207 e 210 da Lei nº 8.112/90 – impõe-se conferir à redação do art. 210 interpretação conforme a Constituição.

– Mandado de segurança procedente.

(TRF 5ª Região, Mandado de Segurança nº 95.991-RN, Relator: Desembargador Federal José Maria Lucena, Julgado em 7 de dezembro de 2006, por unanimidade, Boletim 01/2007)


Concursos para a Magistratura: questões subjetivas de Filosofia e Teoria do Direito

13 de janeiro de 2010

Como todo mundo está careca de saber, em maio de 2009, o Conselho Nacional de Justiça elaborou uma detalhada resolução dispondo sobre os concursos para o ingresso na magistratura. Relatada pelo Ministro Dalazen do TST, essa resolução prevê, entre outras coisas, que provas subjetivas, além das disciplinas tradicionais, deverão abordar obrigatoriamente as seguintes matérias: Sociologia do Direito, Psicologia Jurídica, Filosofia do Direito, Teoria Geral do Direito e da Política.

Como essa resolução é muito recente, até agora, poucas foram as provas subjetivas que trataram dessas novas matérias, o que deixa os candidatos de cabelo em pé sem saber como estudar esses temas.

Em primeira mão, vamos postar as questões de filosofia e teoria geral do direito que caíram na prova subjetiva do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Ei-las:

1) Disserte sobre o tema Dignidade da Pessoa Humana – DPH, desenvolvendo necessariamente e na sequência proposta, os seguintes tópicos:

– DPH como concepção filosófica e moral;

– Pessoa humana como sujeito de direito e objeto de direito (aporia?);

– Marcos de maior repercussão na trajetória histórica desse tema;

– DPH como concepção humanística e sua inserção nos docs constitucionais no séc XX;

– Significado desse princípio no contexto da ordem jurídica;

– Princípio fundamental da DPH segundo a ordem jurídico-constitucional brasileira;

– DPH e direitos fundamentais;

– DPH como garantia negativa;

– Papel da jurisprudência em face do tema.

2) Discorra sobre a finalidade da pena como sanção específica do direito penal, abordando as principais teorias relacionadas ao tema, com ênfase na doutrina de Kant.

3) Discorra a respeito das situações jurídicas listadas a seguir bem como sobre as suas respectivas titularidades e definições, estabelecendo relação no que for cabível (e se for), com os institutos da prescrição e decadência.

– Dever jurídico;

– Dever livre;

– Sujeição;

– Obrigação;

– Interesse legítimo;

– Obrigação potestativa.


Sistema acusatório e produção de provas pelo Juiz

5 de janeiro de 2010

Em momentos de aumento da criminalidade, fatalmente surgem leis que buscam “dar uma resposta” ao crime organizado. Tais leis possuem efeito mais simbólico do que prático,  tendo como inconveniente a criação de certas restrições a garantias básicas da pessoa. Foi o que se deu com a Lei nº 9.034/95 (Lei das organizações criminosas), a qual, em seu art. 3º, fez ressurgir das cinzas a figura do “juiz inquisidor” no processo penal pátrio.

De acordo com o art. 2º, III, a Lei nº 9.034/95, constitui meio de investigação de crimes praticados por quadrilhas, associações e organizações criminosas o amplo acesso a dados, documentos e informações fiscais, bancárias, financeiras e eleitorais. Ocorre que, no art. 3º dessa lei, foi estabelecido um procedimento especial para o acesso a essas provas, no qual o juiz pessoalmente fazia a investigação.

A grande polêmica desse dispositivo foi a previsão dessa participação pessoal do juiz, mesmo na fase policial. Esse modelo é claramente inquisitorial, pois permite a concentração de poder nas mãos do órgão julgador, o qual de ofício faz a colheita de provas. Assim, por força do art. 3º da Lei nº 9.034/95, o magistrado potencialmente perde a imparcialidade ao julgar, pois, diante de seu protagonismo na atividade investigatória, inclinar-se-á fatalmente a condenar o acusado.

Na realidade, à luz do devido processo legal, o juiz só deve ser chamado a intervir na produção de provas em casos excepcionais. No sistema acusatório, no qual as funções de investigar, acusar, defender e julgar estão separadas, cabe ao juiz ser o grande garantidor das regras do jogo.

Em face do art. 3º da Lei das organizações criminosas, foi ajuizada pelo Procurador-Geral da República a ADIn nº 1.570-2. Em seu julgamento, o STF entendeu que, em relação aos dados fiscais e eleitorais, o citado dispositivo é inconstitucional, pois compromete o princípio da imparcialidade e o sistema acusatório. No tocante ao sigilo de dados bancários e financeiros, a Suprema Corte entendeu que o art. 3º teria sido derrogado pela superveniência da Lei Complementar nº 105/01, que passou a disciplinar a matéria. Por isso, quanto a esse ponto, a ADI perdeu seu objeto. Assim, a grande lição que se tira desse julgado foi a clara repulsa do STF a normas de caráter inquesitorial.

É importante perceber que o art. 156, I, do Código de Processo Penal, com redação dada pela Lei nº 11.690/08, autoriza o juiz, mesmo antes do início da ação penal, a produzir, de forma antecipada, provas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida.

Para certos doutrinares, o novo art. 156, I, do CPP ressuscita a figura do juiz inquisidor, violando a imparcialidade, o sistema acusatório e o devido processo legal. Assim, o dispositivo em exame padeceria do mesmo vício do art. 3º da 9.034/95. Ainda não há pronunciamento do STF sobre eventual inconstitucionalidade do art. 156, I, do CPP.

Deve ser observado, porém, que esse dispositivo consagra a intervenção judicial na atividade probatória em casos excepcionais, tendo em vista o princípio da proporcionalidade (“necessidade, adequação e proporcionalidade da medida”). Assim, entendemos que esse dispositivo é constitucional, pois é uma exceção que não quebra as vigas mestras do sistema acusatório.