Concepção sociológica de constituição

28 de abril de 2010

Em abril de 1862, o socialista alemão Ferdinand Lassalle fez uma célebre conferência em Berlim sobre o conceito ou a essência da Constituição. A premissa que embasou a exposição foi a seguinte: as questões constitucionais não são questões jurídicas, mas problemas que se resolvem pelas forças políticas existentes em cada  sociedade.

À luz dessa concepção teórica, Lassalle propôs a diferenciação entre a Constituição jurídica ou escrita e a Constituição real ou efetiva.

A Constituição real é o “somatório dos fatores reais de poder” que vigoram num Estado. Tais fatores constituem a força ativa e informadora, que influencia e informa as leis e as intuições políticas da sociedade. Ao analisar a conjuntura política da Prússia em 1862, Lassale chegou à conclusão de que os setores ligados à monarquia, às forças armadas, à aristocracia rural, aos banqueiros, à grande burguesia, à pequena burguesia (classe média) e à classe trabalhadora seriam esses fatores reais de poder. Da mesma forma, assevera que todos os países têm e sempre tiveram uma Constituição real e efetiva, sendo errado pensar que se trata de um produto da modernidade.

Por sua vez, a Constituição jurídica ou escrita é algo específico dos tempos modernos. Trata-se de um solene documento (“folha de papel”), cuja finalidade é resumir as instituições e princípios de governo do país. Para Lassale, uma Constituição jurídica somente será “boa e duradoura” quando corresponder à constituição real. Daí a sua célebre conclusão: “Onde a constituição escrita não corresponde à real, estoura inevitavelmente um conflito que não há maneira de evitar e no qual, passado algum tempo, mais cedo ou mais tarde, a Constituição escrita, a folha de papel, terá necessariamente de sucumbir perante o empuxo da Constituição real, das forças verdadeiras vigentes no país. “

A importância dessa contribuição teórica foi o reconhecimento de que, inevitavelmente, os fatores sociais, políticos e econômicos são relevantes para a compreensão do fenômeno constitucional. Contudo, a grande crítica que se pode fazer a essa linha de pensamento é negar o próprio Direito Constitucional, enquanto ciência e fonte do direito. Como bem ressaltou Konrad Hesse:  “Se Ciência da Constituição adota essa tese e passa a admitir a Constituição real como decisiva, tem-se a sua descaracterização enquanto ciência normativa, operando-se a sua conversão numa simples ciência do ser. Não haveria mais como diferenciá-la da Sociologia ou da Ciência Política.” (Cf. A Força Normativa da Constituição. Trad. Gilmar Mendes).


Dica de leitura de Direito Internacional

15 de abril de 2010

Depois de algum tempo ausente,  volto a blogar. Desta vez, para resgatar a dívida com os leitores, vou tratar de um tema de que todos gostam: as dicas de leitura de livros jurídicos. A sugestão de hoje é o excelente livro Direito Internacional Público e Privado, de autoria de Paulo Henrique Gonçalves Portela (Editora Jus Podivm).

Em geral, poucos estudantes e juristas gostam de Direito Internacional no Brasil. Ao que tudo indica, isso é um problema cultural, mas deixemos que os antropólogos expliquem-no. Na realidade, penso que, mesmo os que têm ódio dessa matéria, poderão se reconciliar com o Direito das Gentes, lendo o livro que ora se recomenda.

Marcado pela objetividade, mas sem perder a profundidade e o espírito crítico, o autor consegue tratar satisfatoriamente de Direito Internacional Público e Privado, Direitos Humanos, Direito Internacional do Trabalho, noções de Direito Comunitário, tudo em um só volume. O livro também é essencial aos concurseiros da área federal, pois tem questões comentadas e resumos ao fim de cada capítulo.


Comentários às súmulas vinculantes 28, 29 e 31

2 de abril de 2010

Volto a abordar as súmulas vinculantes. Estava em dívida com os leitores, pois três novos enunciados foram elaborados em 2010 e nada foi escrito no blog. Seguem abaixo as transcrições das súmulas e os respectivos comentários.

Súmula vinculante nº 28 – É inconstitucional a exigência de depósito prévio como requisito de admissibilidade de ação judicial na qual se pretenda discutir a exigibilidade de crédito tributário.

Comentário: A exigência de depósito prévio como requisito para o manejo de ações viola o princípio do acesso à justiça, consubstanciado no inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal. O precedente básico da súmula é  a ADI nº 1074, na qual  o STF entendeu inconstitucional o art. 19 da Lei n. 8.870/94,  que impõe o depósito prévio do valor  supostamente devido como condição à propositura de eventual ação que tenha por objeto discutir a dívida com o Fisco. Para a Suprema Corte, essa exigência cria uma barreira ao acesso ao Poder Judiciário. (Cf. ADI 1074, Relator: Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, julgado em 28/03/2007, DJe-023). Observe-se que, a partir de um único acórdão, foi elaborada uma súmula vinculante. Nitidamente, a intenção do Pretório Excelso foi atribuir efeitos de caráter vinculante e erga omnes aos fundamentos dessa decisão, dando-lhe caráter transcendente. Assim, toda e qualquer lei que exija depósito prévio como condição ao conhecimento de ação tendente a questionar o crédito tributário é inconstitucional.

Súmula vinculante nº 29 – É constitucional a adoção, no cálculo do valor de taxa, de um ou mais elementos da base de cálculo própria de determinado imposto, desde que não haja integral identidade entre uma base e outra.

Comentário: No Direito Tributário, há uma regra clássica no sentido de que as taxas não podem ter a base de cálculo própria de impostos (art. 145, § 2º, da CF). Sendo as taxas tributos vinculados a uma determinada ação estatal (prestação de serviços públicos específicos e divisíveis ou exercício do poder de polícia), suas bases de cálculo devem ter uma razoável correlação com os custos dessas atividades. Por isso, há uma velha súmula do STF que diz ser “inconstitucional a taxa municipal de conservação de estradas de rodagem cuja base de cálculo seja idêntica a de imposto territorial rural” (Súmula 595). Isto posto, pode-se afirmar que a Súmula vinculante nº 29 flexibiliza o art. 145, § 2º, da CF, considerando constitucionais, taxas cujas bases de cálculo tenham um ou mais elementos próprios da base de cálculo de determinado imposto, “desde que não haja integral identidade entre uma base e outra.” Um dos precedentes dessa súmula foi o RE nº 220.316-7, no qual se considerou legítima base de cálculo de taxa de fiscalização que levava em consideração o valor do imóvel, ao argumento de que sua extensão influenciaria a intensidade da atividade estatal.

Súmula vinculante nº 31 – É inconstitucional a incidência do imposto sobre serviços de qualquer natureza – ISS sobre operações de locação de bens móveis.

Comentário: Considerando-se que os serviços são classificados, à luz do direito civil, como obrigações de fazer, não pode a legislação dos Municípios e do Distrito Federal considerar os contratos de locações como hipótese de incidência do ISS, pois esses contratos consubstanciam obrigações de dar ou de entregar. Na realidade, nos termos do art. 110 do Código Tributário Nacional, é vedada a legislação tributária municipal alterar a definição e o alcance de conceitos de Direito Privado. Segundo o Ministro Celso de Mello, “não se revela tributável, mediante ISS, a locação de veículos automotores (que consubstancia obrigação de dar ou de entregar), eis que esse tributo municipal somente pode incidir sobre obrigações de fazer, a cuja matriz conceitual não se ajusta a figura contratual da locação de bens móveis”. (RE 446003, Segunda Turma, DJ 04-08-2006 PP-00071). Porém, cabe ressaltar que, no recente RE 547245, relatado pelo Min. Eros Grau, entendeu o STF que o ISS também não incide no leasing operacional (o qual é um tipo de locação), mas pode incidir no “leasing financeiro” e no chamado “lease-back”.

Obs.: Na numeração das súmulas no site do STF, não existe a súmula vinculante nº 30.