Cabimento da assistência em processos de execução

25 de agosto de 2014

Depois de uma longa pausa, volta-se a escrever sobre temas jurídicos neste blog. Hoje trataremos da admissibilidade da assistência em processo de execução.

De início, lembro que a assistência de que falamos é uma espécie de intervenção de terceiros, por meio da qual um terceiro, dotado de interesse jurídico, ingressa em processo para auxiliar uma parte em detrimento da outra. Em relação à execução, a admissibilidade da assistência é tema altamente controvertido, podendo ser identificadas duas correntes interpretativas.

A primeira corrente entende não ser cabível tal espécie de intervenção de terceiros no processo de execução. Alega-se que, em razão de execução não findar com uma sentença certificadora de um direito subjetivo, não caberia a assistência, a qual, ao fim e ao cabo, apenas atrapalharia a marcha processual em prol da satisfação do crédito exequendo, mormente quando feita pelo executado.

Na doutrina, colhe-se o magistério de Antônio Cláudio Costa Machado, segundo o qual não cabe a assistência, pois a execução “[…] não visa à sentença, ou seja à definição de direitos”.1 Por sua vez, o Superior Tribunal de Justiça, já decidiu, em pelo menos duas ocasiões, no sentido de ser “inviável a intervenção de terceiros sob a forma de assistência em processo de execução2

A segunda correte, porém, admite a assistência no processo executivo sem restrições, rebatendo todos os argumentos da tese negativista. Nesse sentido, são os ensinamentos de Araken de Assis em sua clássica obra sobre execução:

Mas exageram no rigorismo os adversários da assistência. Por primeiro, há sentença no processo executivo (art. 795) e ela pode favorecer ao exequente, na clássica hipótese de satisfação do crédito (art. 794, I) ou ao executado se, por qualquer motivo, extinguir-se a execução sem perda patrimonial. Fato líquido é que o art. 50, caput, não alude à sentença de mérito.” 3

Da mesma forma, entende ser possível a assistência na execução o professor Daniel Amorim Assumpção Neves. Segundo ele, “o que importa em termos de geração de efeitos do processo não diz respeito estritamente à sentença, porque não é ela, e sim o resultado da demanda que tem aptidão de afetar a esfera jurídica de terceiros.”4 Na mesma linha, posicionam-se Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, bem como Fredie Didier Jr et al,  os quais entendem ser possível a assistência em processo de execução.5

Não faltam exemplos para mostrar o cabimento da assistência. Araken de Assis cita o “debenturista ansioso pelo êxito do agente fiduciário”, bem como caso em que a 3ª Câmara Cível do TARS “reconheceu interesse ao terceiro adquirente da coisa penhorada em assistir ao executado e alienante, defendendo a higidez do negócio, de outra maneira passível de ineficácia por fraude.”

Por sua vez, Marinoni e Arenhart citam o exemplo do fiador que, “visando evitar eventual responsabilidade subsidiária pelo pagamento de certa dívida, ou para assegurar o proveito de bem penhorado, poderá intervir como assistente, quer do credor, quer do devedor, não importanto a forma assumida da execução”.

Ora, sem dúvida a melhor interpretação, é aquela que admite a assistência no processo de execução. Aqui, o terceiro buscará que o procedimento executivo tenha o resultado prático mais favorável a sua esfera de interesses. Assim, a intervenção em prol do exequente será no sentido de se obter a satisfação plena do crédito. Por sua vez, a intervenção em prol do executado buscará a extinção da execução para salvaguardar o assistente de alguma consequência negativa da execução para sua esfera de interesses.

Portanto, os argumentos em prol da assistência nos processos de execução são sólidos, sendo incompreensível a resistência do STJ em admiti-la.

____________________________

1MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. Código de Processo Civil Interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. 7ª ed. Barueri: Manole, 2008, p. 59.

2 STJ, AgRg no REsp 911.557/MG, Rel. Ministro Paulo De Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 21/06/2011, DJe 29/06/2011. No mesmo sentido, STJ, REsp 329.059/SP, Rel. Ministro Vicente Leal, Sexta Turma, julgado em 07/02/2002, DJ 04/03/2002, p. 306.

3 ASSIS, Araken. Manual da execução. 14 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 479.

4 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Método, 2010, p. 784.

5 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil. Vol. 3. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 242. DIDIER JR, Fredie, CUNHA, Leonardo José Carneiro da; BRAGA, Paulo Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 5 (Execução). 5ª ed. Salvador: 2013, Juspodivm, p. 224.


Retrospectiva de julgados do STJ em 2013 – Processo civil – 2ª Parte

26 de dezembro de 2013

stj1. CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA ENTRE ÓRGÃO JURISDICIONAL E CÂMARA ARBITRAL. É possível a existência de conflito de competência entre juízo estatal e câmara arbitral.” (CC 111230-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 8/5/2013, Informativo 522)

COMENTÁRIO: a decisão em tela reveste-se de grande interesse doutrinário, uma vez que assentou que a arbitragem possui natureza jurisdicional. Por conseguinte, é possível a existência de conflito de competência entre juízo estatal e câmara arbitral. Como consta do próprio julgado, busca-se fortalecer a arbitragem enquanto meio de solução de conflitos.

2. APLICAÇÃO DO ART. 285-A DO CPC E UNIDADE DE ENTENDIMENTO ENTRE INSTÂNCIAS. “Não é possível a aplicação do art. 285-A do CPC quando o entendimento exposto na sentença, apesar de estar em consonância com a jurisprudência do STJ, divergir do entendimento do tribunal de origem.” (REsp 1.225.227-MS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 28/5/2013, Informativo 524)

COMENTÁRIO:  Segundo o art. 285-A do CPC, o juízo, tão logo recebida a petição inicial, poderá dispensar a citação e proferir sentença julgando improcedente o pedido. É o instituto do julgamento imediato (prima facie). Para tanto, a lei exige o preenchimento dos seguintes requisitos: a) matéria controvertida unicamente de direito; b) prolação, no juízo, de sentenças de total improcedência.O problema é quando o juízo profere sentenças dissonantes da jurisprudência do tribunal de segundo grau ou do próprio STJ. Nesses casos, o autor poderá recorrer e o juízo ad quem aplicará a jurisprudência, determinado o retorno do feito à origem, o que provoca sensível atraso. Por isso, segundo o STJ, há que se ter cautela na aplicação do art. 285-C, sendo essencial a existência de harmonia entre as decisões de todas as instâncias. Assim, constrói-se, jurisprudencialmente, um novo requisito para a aplicação do art. 285-A do CPC que é “unidade de entendimento entre a sentença de improcedência, o tribunal local e os tribunais superiores”.

3. APLICABILIDADE DO ART. 739-A DO CPC AOS EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. Mesmo sendo exigível a penhora para o ajuizamento de embargos à execução fiscal, o processo de execução da dívida ativa somente será suspenso se estiverem presentes os requisitos do art. 739-A do CPC. (REsp 1.272.827-PE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 22/5/2013, Informativo 526.)

COMENTÁRIO: na sistemática original do CPC, a oposição de embargos à execução por quantia certa dependia da existência de penhora ou depósito (“garantia do juízo). Ademais, por força de construção doutrinária e jurisprudencial, o ajuizamento dos embargos automaticamente suspendia o processo de execução. Com o advento da Lei 8.953/1994, o efeito suspensivo automático dos embargos passou a ter previsão expressa. Atualmente, após a reforma dos processos de execução por títulos extrajudicias decorrente da Lei n.º 11.382/2006, duas inovações surgiram no CPC: a) estabeleceu-se que o ajuizamento dos embargos não depende de garantia do juízo (art. 736); b) fixou-se que o efeito suspensivo não é automático, pois depende do fumus boni iuris e do periculum in mora (art. 739-A). O recurso especial em tela discutiu os efeitos dessa reforma no âmbito da execução fiscal. Entendeu-se que, diante da previsão especial do art. 16, § 1º, da Lei n.º 6.830/1980 (LEF), a penhora como requisito dos embargos está mantida nesse procedimento. Contudo, como a LEF é omissa quanto aos efeitos em que são recebidos os embargos, aplica-se, subsidiariamente, o art. 739-A do CPC. Portanto, igualmente nos embargos a execução fiscal a suspensão da execução atacada não ocorre automaticamente.

4. IMPOSSIBILIDADE DE IMPUGNAÇÃO DA CONCESSÃO DE GRATUIDADE JUDICIÁRIA NOS AUTOS DO PROCESSO PRINCIPAL. É vedada a impugnação à concessão do benefício de assistência judiciária gratuita nos autos do processo principal. Por expressa previsão legal, o incidente deve ocorrer em autos apartados. (EREsp 1.286.262-ES, Rel. Min. Gilson Dipp, julgado em 19/6/2013, Informativo 529).

 

COMENTÁRIO: segundo o art. 6º da Lei n. 1.060/1950, a parte que discordar da concessão do benefício da justiça gratuita deve impugná-lo em autos apartados. Com isso, evita-se o tumulto processual e permite-se à parte interessada produzir provas no sentido de que o beneficiário não é economicamente hipossuficiente. No REsp 1.286.262-ES (Informativo 511), entendeu-se que, se a impugnação à concessão do benefício da justiça gratuita ocorrer nos próprios autos principais e não houver prejuízo, a nulidade não deve ser decretada (art. 244 do CPC). Ocorre que, em face desse acórdão, foram opostos embargos de divergência, aos quais se deu provimento, assentando-se que não deve ser apreciado o pedido de revogação de assistência judiciário gratuito formulado nos próprios autos da ação principal.” Na ementa do acórdão, assentou-se que “permitir que o pleito de revogação da assistência judiciária gratuita seja apreciado nos próprios autos da ação principal resulta, além da limitação na produção de provas, em indevido atraso no julgamento do feito principal, o que pode ocasionar prejuízos irremediáveis às partes.”


Retrospectiva 2013 de julgados do STJ – Processo civil – 1ª Parte

26 de dezembro de 2013

O fim de ano chegou e, com ele, o recesso forense. O blog, então, passa a ter a possibilidade de ser atualizado. Nada melhor que uma retrospectiva contendo julgamentos relevantes do Superior Tribunal de Justiça publicados em seus informativos semanais. Assim, selecionamos e comentamos decisões divulgadas em 2013, referentes ao Direito Processual Civil. Trata-se de acórdãos que apresentam interesse doutrinário e relevância prática. Seguem, abaixo, julgados do primeiro semestre de 2013.

1MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA DECISÃO DO CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. Compete ao Superior Tribunal de Justiça processar e julgar mandados de segurança impetrados contra atos administrativos do Conselho da Justiça Federal. (Rcl 3.495-PE, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgada em 17/12/2012, Informativo 511)

COMENTÁRIO: o julgado baseia-se no fato de que o CJF é órgão integrante da estrutura do próprio STJ (art. 105, parágrafo único, da CF). Assim, tal como as decisões administrativas dos presidentes dos tribunais, os mandados de segurança contra atos administrativos do CJF devem ser julgados pelo STJ. Sob um prisma crítico, pode-se dizer que a interpretação extensiva contida no aresto acabou criando hipótese de competência originária não prevista no texto constitucional.

 

2. ERRO EM SISTEMA DE ACOMPANHAMENTO DE SITE DE TRIBUNAL E JUSTA CAUSA RECURSAL. justa causa no descumprimento de prazo recursal quando o termo inicial é equivocadamente lançado em sistema de acompanhamento processual disponibilizado na internet por tribunal. (REsp 1.324.432-SC, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 17/12/2012, Informativo 513).

COMENTÁRIO: a decisão aplica a norma contida no art. 183 do CPC. Esse dispositivo estabelece a possibilidade de se “devolver” ou se “restituir” o prazo recursal por justa causa. A regra geral é que, escoado o prazo, dá-se a extinção do direito de praticar o ato respectivo. Contudo, se a parte provar que “perdeu o prazo” por justa causa (evento imprevisto, alheio a sua vontade), o juiz assinar-lhe-á novo interstício temporal para realizar o ato. In casu, assentou-se que constituem justa causa, a ensejar a renovação do prazo, informações inverídicas contidas em sistema de acompanhamento disponibilizado em site de tribunal. O entendimento do STJ prestigia a boa-fé objetiva no processo e a confiabilidade das informações contidas em meio eletrônico.

 

3. RECURSOS ESPECIAIS REPETITIVOS. SISTEMÁTICA DE IMPUGNAÇÃO. DECISÃO QUE SOBRESTA NA ORIGEM E DECISÃO QUE NEGA SEGUIMENTO COM BASE NO ART. 543-C, § 7º, I, DO CPC.

“É irrecorrível o ato do presidente do tribunal de origem que, com fundamento no art. 543-C, § 1º, do CPC, determina a suspensão de recursos especiais enquanto se aguarda o julgamento de outro recurso encaminhado ao STJ como representativo da controvérsia.” (AgRg na Rcl 6.537-RJ, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 27/2/2013, Informativo 515)

É cabível agravo regimental, a ser processado no Tribunal de origem, destinado a impugnar decisão monocrática que nega seguimento a recurso especial com fundamento no art. 543-C, § 7º, I, do CPC.” (RMS 35.441-RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 6/12/2012, Informativo 512)

COMENTÁRIO: com a finalidade de racionalizar as atividades do STJ, a Lei n.º 11.672/2008 criou o incidente de sobrestamento de recursos especiais repetitivos, isto é, que apresentam idêntica questão de direito. Evita-se, com isso, julgar centenas ou milhares de recursos iguais. Nesses casos, o Presidente do tribunal de origem admite um ou mais recursos especiais, os quais passam ser “representativos da controvérsia”. Tais recursos são encaminhados ao STJ. Os demais recursos idênticos ficam suspensos até o pronunciamento definitivo daquela corte superior. A primeira decisão antes destacada assenta que a decisão do presidente do tribunal a quo que sobresta um recurso especial é irrecorrível. Por sua vez, após o STJ julgar o especial repetitivo, os demais recursos especiais sobrestados na origem terão seguimento denegado na hipótese de o acórdão recorrido coincidir com a orientação do Superior Tribunal de Justiça. Em face da decisão monocrática que nega seguimento ao recurso cabe agravo regimental.

4. DESISTÊNCIA DE RECURSO FORMULADA APÓS O JULGAMENTO. “Não é possível a homologação de pedido de desistência de recurso já julgado, pendente apenas de publicação de acórdão.” (AgRg no AgRg no Ag 1.392.645-RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 21/2/2013, Informativo 517)

COMENTÁRIO: o art. 501 do CPC dispõe que “o recorrente poderá, a qualquer tempo, sem a anuência do recorrido ou dos litisconsortes, desistir do recurso”. Doutrinariamente, a desistência é um ato voluntário de abdicação que ocorre após a interposição do recurso. Enquanto a desistência da ação exige, após o prazo da resposta (art. 267, § 4º, do CPC), a concordância da parte contrária, a desistência de recurso não necessita da aquiescência da parte recorrida, pois, ao fim e ao cabo, a beneficia. É controvertido até que momento é lícita a desistência. No caso concreto, estabeleceu-se que não cabe a desistência após o julgamento do especial. Porém, por vezes, o pedido ocorre antes ou no momento do julgamento, o que causa dúvida quanto à sua legitimidade. No recurso especial, o que orienta a homologação da desistência é a inexistência de interesse público. Assim, em casos envolvendo recursos especiais representativos de controvérsia (art. 543-C do CPC), não cabe desistência (REsp 1102473 / RS – Questão de ordem). E, mesmo em recursos especiais sem essa característica, já se negou o pedido de desistência quando há o interesse público em jogo.

5. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. ENSINO A DISTÂNCIA. OBTENÇÃO DE DIPLOMA DE INSTITUIÇÃO SEM REGISTRO NO MEC. “Em se tratando de demanda em que se discute a ausência⁄obstáculo de credenciamento da instituição de ensino superior pelo Ministério da Educação como condição de expedição de diploma aos estudantes, é inegável a presença de interesse jurídico da União, razão pela qual deve a competência ser atribuída à Justiça Federal, nos termos do art. 109, I, da Constituição Federal de 1988.” (REsp 1.344.771-PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 24/4/2013, Informativo 521).

COMENTÁRIO: no REsp 1.344.771-PR, o STJ proferiu decisão que pode ser submetida a críticas exatamente pelo teor confuso do acórdão. Com efeito, essa corte entendeu que a União pode ser ré e a justiça federal é competente em demanda relacionada à expedição de diploma decorrente de curso no sistema de ensino a distância. Na espécie, pelo que o voto do relator permite concluir, a ação em rito ordinário foi oposta por um estudante perante a justiça federal em face da União, do Estado do Paraná e de uma instituição privada de ensino. A parte autora almejava a expedição de diploma, em razão de a instituição privada não ter registro no Ministério da Educação, na modalidade ensino a distância. O problema do acórdão é que ele não faz ressalva a uma situação parecida. Trata-se dos casos em que a instituição privada sequer tem registro no MEC para ofertar cursos presenciais de graduação e os oferece violando a boa-fé. Nesses casos, admitir a legitimidade da União é um absurdo, pois ela não tem o dom da onipresença para agir preventivamente, por meio do MEC, contra esse tipo de conduta ilícita. Portanto, o precedente somente deve ser aplicado aos casos concretos em que uma entidade devidamente registrada oferece um curso à distância para o qual o órgão competente não expediu o credenciamento.


Especial Execução Fiscal – 3ª Parte – A exceção de pré-executividade

1 de dezembro de 2012

Na terceira parte deste especial sobre execuções fiscais, será abordado o instituto da exceção de pré-executividade.

Em qualquer execução de título extrajudicial, o palco privilegiado para a defesa do executado são os embargos. Trata-se de uma ação autônoma de impugnação geradora de um processo incidental de conhecimento, na qual o devedor pode amplamente alegadar matérias de fato e de direito com o fim de desconstituir a execução.

Na execução por quantia certa de títulos extrajudiciais regida pelo CPC, tão logo o devedor é citado, surgem duas possibilidades: cumprir a obrigação em três dias ou aforar embargos no prazo de 15 dias. Na execução fiscal, o executado é citado para pagar ou fazer depósito da quantia cobrada no prazo de cinco dias, sendo que, por conta da regra especial do art. 16, § 1º, da Lei n.º 6.830/1980, a oposição de embargos só pode ser feita, caso o juízo esteja garantido, mediante penhora ou depósito.

 Em razão da exigência de garantia do juízo, exsurge um outro instrumento de defesa do executado importantíssimo na execução fiscal: a exceção de pré-executividade. Cuida-se de simples petição por meio da qual são arguidos pelo devedor, nos autos da própria execução, matérias apreciáveis de ofício pelo juiz, a qualquer tempo e grau de jurisdição,a saber: a) defesas referentes à observância do princípio do menor sacrifício do devedor; b) defesas atinentes à admissibilidade da própria execução, com destaque para a ausência de pressupostos processuais, de condições da ação ou da liquidez, certeza e exigibilidade do título executivo; c) defesas referentes à nulidade absoluta de atos do procedimento executivo1; d) prescrição e decadência (STJ, AgRg no REsp 10376/SE, DJe 17/09/2012)

A exceção de pré-executividade tem uma grande vantagem, pois não está sujeita a prazos. Por isso, antes ou após o término do prazo dos embargos, podem surgir situações em que o devedor necessita fazer valer o direito de defesa, sendo a exceção o melhor caminho para ventilar matérias de ordem pública. Aliás, o fato de a exceção poder ser utilizada após o prazo dos embargos é o que garante sua sobrevivência na execução de títulos extrajudicias regida pelo CPC mesmo após a reforma da Lei n.º 11.382/2006.

No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, é pacífica a possibilidade da  arguição de temas exclusivamente de direito por meio da exceção de pré-executividade, desde que desnecessária a dilação probatória. Esse é o teor da Súmula n. 393: “A exceção de pré-executividade é admissível na execução fiscal relativamente às matérias conhecíveis de ofício que não demandem dilação probatória.” 

Observe-se que, à luz dessa súmula, dois são os requisitos para o manejo da exceção: a) ser a matéria de ordem pública (temas que o juiz pode conhecer independentemente da iniciativa das partes); b) não depender de dilação probatória (a matéria deve ser provada documentalmente de plano, não podendo haver perícia ou oitiva de testemunhas).

Por fim, caso o resultado do julgamento da exceção seja a extinção do processo executivo, o recurso cabível será a apelação; contudo, na hipótese de a exceção ser rejeitada ou parcialmente acolhida, será adequado o manejo do agravo de instrumento. Registre-se que o acolhimento, ainda que parcial da exceção, sujeitará o exequente ao pagamento de honorários sucumbenciais (STJ, EDcl no AgRg no REsp 1319947 / SC, DJe 14/11/2012).

1WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil. 11ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 476.


Especial Execução Fiscal – 2ª parte: a citação do devedor

2 de novembro de 2012

A citação é o ato processual, cuja finalidade é comunicar ao sujeito passivo da relação processual que, em face dele, foi proposta uma demanda.

No processo de conhecimento, a citação, além de ser uma comunicação formal, concretiza a ampla defesa, permitindo ao réu, se assim o desejar, apresentar contestação, exceções (incompetência relativa, suspeição e impedimento), reconvenção ou impugnação ao valor da causa. Por sua vez, na execução, a citação tradicionalmente comunica ao devedor a existência de uma demanda, mas não  lhe abre prazo para a defesa, mas sim para cumprir a obrigação contida no título executivo.

Atualmente, é verdade, a citação no processo executivo, tende a se tornar não apenas um convite ao pagamento, mas um instrumento em prol da defesa do executado. De fato, nas execuções de títulos extrajudiciais, por força da Lei n.º 11.382/2006, a citação abre ao devedor duas importantes faculdades: a) pagar no prazo de 3 (três) dias, o que importará na extinção do feito; b) embargar no prazo de 15 (quinze) dias. Na execução fiscal, contudo, a citação não se presta à ampla defesa. Trata-se da derradeira oportunidade de o devedor pagar a dívida, sendo de 5 (cinco) dias o prazo.   

A citação na execução fiscal caracteriza-se por um certo informalismo, sendo feita, em regra, por meio do envio de carta com aviso de recebimento destinada ao devedor. Dizemos “em regra”, pois se faculta ao credor exigir que a citação seja feita pessoalmente, por meio de oficial de justiça (art. 8º, inciso I, in fine, da Lei n. 6.830/1980). Na execução de títulos extrajudiciais regida pelo CPC, a citação é um ato solene, sendo feita por oficial de justiça, vedada a citação postal (arts. 222, alínea d, e 224).

A grande controvérsia diz respeito à citação por edital na execução fiscal.  Como visto, a citação preferencialmente ocorre mediante a expedição de carta com AR. Caso a citação postal reste frustrada (ausência de retorno no prazo de 15 dias da entrega da carta à agência postal), o inciso III do art. 8º da Lei n.º 6.830/1980  estabelece que “a citação será feita por oficial de justiça ou por edital”.

Para muitos, o art. 8º, inciso III, in fine, da Lei de Execução Fiscal criou uma faculdade para o Estado-Juiz, no sentido de escolher se o executado será citado por edital ou por oficial de justiça. Assim, se o AR voltar sem a assinatura do devedor por ele não ter sido localizado, o credor poderia requere ao juiz, desde já, a citação por edital.

Na realidade, interpretando-se o dispositivo conforme os princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, inciso LV, da CF), a conclusão a que se chega é que, caso frustrada a citação por correio, o ato citatório a cargo do meirinho deve ter preferência, eis que a citação por edital é uma modalidade ficta ou presumida com inquestionável natureza residual. Por isso, o STJ editou a Súmula n.º 414, verbis: A citação por edital na execução fiscal é cabível quando frustradas as demais modalidades.”

Observe-se que o conteúdo da Súmula n.º 414 não deixa dúvidas: caso frustrada a citação por correio, antes de o sujeito passivo ser citado por edital, é imprescindível tentar citá-lo pessoalmente por meio de oficial de justiça.


Especial Execução Fiscal – 1ª parte: introdução

2 de novembro de 2012

A partir de hoje, terá início neste blog uma série de postagens relacionadas ao tema execução fiscal. Serão analisados aspectos técnico-jurídicos desse assunto, relacionados à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

Este “especial” justifica-se em razão dos números. Em agosto de 2007, o Ministério da Justiça, por meio da Secretaria da Reforma do Judiciário, lançou o “Estudo sobre Execuções Fiscais no Brasil”, no qual se constatou que mais de 50% dos processos em curso no Poder Judiciário eram execuções fiscais, o que representa um quantitativo de feitos gigantesco. Por sua vez, o Conselho Nacional de Justiça, no Relatório “Justiça em Números” de 2010, calculou que dos 86,6 milhões de processos que tramitavam em 2009 26,9%¨eram execuções fiscais, ou seja, um terço do total.

Apesar da divergência entre os estudos do Ministério da Justiça e do CNJ, um fato é indiscutível: no Brasil, há uma quantidade assombrosa de processos de execuções fiscais. Qualquer profissional do direito, portanto, tem grande probabilidade de lidar com execuções fiscais, razão por que urge ter conhecimento sobre o assunto. Mas o que é uma execução fiscal?

Execução, em sentido amplo, é um conjunto de atos materiais e, às vezes decisórios, cuja finalidade é satisfazer uma obrigação contida num título executivo. Por meio da execução, o Poder Judiciário força (coação) o devedor a dar, fazer ou não fazer algo em prol de um credor ou expropria ou desapossa bens para satisfazer uma dívida (sub-rogação).

Diante do caráter invasivo da execução, esse procedimento somente tem cabimento se houver um alto grau de certeza do direito. Por isso, é pressuposto da execução a existência de um título denominado “executivo”, que pode ser, por exemplo, uma sentença (título executivo judicial) ou um cheque, uma duplicata ou um contrato assinado por duas testemunhas  (título executivo extrajudicial).

Nesse contexto, a execução fiscal é um processo executivo especial, regido pela Lei n.º 6.830, de 22 de setembro de 1980. Sua finalidade é a cobrança da dívida ativa da Fazenda Pública (créditos tributários ou não da União, dos Estados, dos Municípios, do Distrito Federal, bem como de seus autarquias e fundações). A dívida ativa tributária refere-se aos créditos oriundos de tributos não pagos no tempo correto. Aqui, entram, por exemplo, as dívidas de IPTU que muitos proprietários de imóveis têm em relação ao Município em que moram ou os valores do imposto de renda devidos à União. A dívida ativa tributária refere-se a créditos decorrentes de obrigações não tributárias, como por exemplo, as multas de trânsito.

O título executivo que embasa a  execução fiscal é a certidão de dívida ativa – CDA, que nada mais é que um título executivo extrajudicial formado a partir de um processo administrativo prévio, no qual se verifica a existência de um crédito em favor do Poder Público. Ao contrário dos demais títulos executivos extrajudiciais, a CDA dispensa a aquiescência ou aceitação do devedor, sendo emitido unilateralmente pelo credor, o que se justifica em razão da presunção de legitimidade dos atos administrativos.


Honorários sucumbenciais das Defensorias Públicas: crítica à súmula 421 do STJ

7 de junho de 2012

 No post de hoje, trataremos da Súmula 421 do Superior Tribunal de Justiça, que versa sobre os honorários sucumbenciais das Defensorias Públicas. Mostraremos que, além de ser uma fonte de equívocos interpretativos, o verbete jurisprudencial não deveria ter sido editado, pois fere a autonomia das Defensorias Públicas e disposições expressas da Lei Complementar n.º 80/1994.

 O sentido e alcance da súmula 421

Nos termos da súmula 421 do Superior Tribunal de Justiça, “Os honorários advocatícios não são devidos à Defensoria Pública quando ela atua contra a pessoa jurídica de direito público à qual pertença.”

A literalidade do enunciado é no sentido de que os entes federativos que possuem defensorias públicas (União, Estados e Distrito Federal) não estão obrigados a pagar honorários sucumbenciais aos órgãos de assistência jurídica a eles vinculados. Assim, a União fica isenta de pagar honorários à Defensoria Pública da União e o Estado de São Paulo, por exemplo, igualmente não paga honorários à respectiva Defensoria Pública.

 Nesse caso, justifica-se a impossibilidade do pagamento, com base na tese de que, sendo as defensorias órgãos desses entes públicos, haveria a confusão entre devedor e credor (art. 381 do Código Civil), o que importa na extinção da obrigação. No precedente que embasou a referida súmula, o Ministro Relator José Delgado assim se manifestou: “A Defensoria Pública é mero, não menos importantíssimo, órgão estadual, no entanto, sem personalidade jurídica e sem capacidade processual, denotando-se a impossibilidade jurídica de acolhimento do pedido da concessão da verba honorária advocatícia, por se visualizar a confusão entre credor e devedor”.1

Na realidade, o grande equívoco consiste  em interpretar a súmula 421 de modo a isentar a Fazenda Pública como um todo do pagamento de honorários às Defensorias Públicas. Realmente, em alguns casos, a súmula permite o pagamento de honorários sucumbenciais por parte do Poder Público. Vejamos: se um necessitado, mediante o patrocínio da Defensoria Pública da União, demandar e sagrar-se vencedor em lide contra uma autarquia federal, como o INCRA, ou outra pessoa hipossuficiente, assistida pela Defensoria Pública estadual, demandar e vencer uma autarquia local, a exemplo do DETRAN, os honorários sucumbenciais serão inegavelmente devidos à DPU e à respectiva DPE. Da mesma forma, se a DPU demandar a União, certo Estado e certo Município e vencer ao final a lide, estes dois últimos pagar-lhe-ão honorários sucumbenciais. Em todos essas hipóteses, não há que se falar em confusão entre credor e devedor.

 Nesse contexto, aparentemente causa perplexidade recente acórdão do STJ que, com base numa interpretação extensiva da Súmula 421, isentou uma entidade da Administração Indireta do Estado do Rio de Janeiro, o RIOPREVIDÊNCIA, de pagar honorários sucumbenciais à Defensoria Pública carioca (REsp 1102459/RJ, julgado em 06/06/2012). Ao que tudo indica, essa decisão foi apenas um distinguishing, pois o que a embasou é a circunstância especial de esse fundo autárquico ser um ente deficitário, carecedor de aportes financeiros do Estado para sobreviver. Assim, pelo menos nesse caso, poder-se-ia falar em confusão. Assim, essa ampliação da súmula 421 não deve alcançar entidades da Administração Indireta que não necessitam de aportes do tesouro para sobreviverem.

O equívoco do STJ na edição da Súmula

A Súmula 421 sequer deveria ter sido editada, pois viola a autonomia dada às defensorias pela EC n.º 45/2004 e as alterações decorrentes da Lei Complementar n.º 132/2009 em matéria de honorários.

Após a Emenda Constitucional nº 45/2004, as Defensorias Públicas dos Estados expressamente passaram a ter autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária (art. 134, § 2º, da CF). Com a Emenda Constitucional n.º 69/2012, concedeu-se essa mesma autonomia à Defensoria Pública do Distrito Federal. Em relação à Defensoria Pública da União, embora sua autonomia não tenha sido consagrada expressamente na Constituição, é possível, com base numa interpretação conforme da EC n.º 45/2004 em relação ao princípio da igualdade, os juízes e tribunais reconhecerem à DPU a mesma autonomia das defensorias públicas distrital e estaduais. Inclusive, a Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais – ANADEF interpôs a ADI nº 4.282 junto ao STF, postulando autonomia à DPU com base no princípio da igualdade.

Como bem ressalta Cirilo Augusto Vargas, no artigo “Súmula 421: um equívoco que persiste,  a autonomia das defensorias públicas é essencial, pois “por via reflexa, a instituição deixou de ser um simples órgão auxiliar do governo, passando a ser órgão constitucional independente, sem qualquer subordinação ao Poder Executivo”.

 Além disso, após a Lei Complementar n.º 132/2009, o art. 4º, inciso XXI, da Lei Complementar nº 80/1994, que organiza a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios, sofreu modificação passando a ter a seguinte redação: “são funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras, executar e receber as verbas sucumbenciais decorrentes de sua atuação, inclusive quando devidas por quaisquer entes públicos, destinando-as a fundos geridos pela Defensoria Pública e destinados, exclusivamente, ao aparelhamento da Defensoria Pública e à capacitação de seus membros e servidores.” Ora, claramente, esse dispositivo mostra que as defensorias, todas elas, possuem autonomia para gerir seus honorários sucumbenciais. O que não poderia ser diferente, eis que a verba será direcionada não para seus membros, mas para uma conta especial, destinada ao aperfeiçoamento da instituição.

 Portanto, a persistência da súmula 421 é um erro do STJ.  Cirilo Augusto Vargas é contundente quanto a esse fato: “À guisa de conclusão, verificamos que a antiga decisão do Superior Tribunal de Justiça, que serve como precedente para elaboração da súmula 421, foi proferida no ano de 2003, ou seja, antes da alteração constitucional promovida pela Emenda 45/2004, que consagrou a autonomia administrativa e financeira da Defensoria Pública. Precede também a elaboração da norma prevista no artigo 4º, XXI da Lei Complementar Federal 80/94, que alude aos fundos para aparelhamento da Instituição.”

Por fim, cumpre observar que há premente necessidade de ampliar e melhorar os serviços das Defensorias Públicas em todo o Brasil. Urge a admissão de defensores, servidores e a melhoria das condições materiais de trabalho, o que é essencial para a efetividade do acesso à justiça. De certa forma, a Súmula 421 do STJ tem sua parcela de culpa no descaso estatal em relação às defensorias.


A cognição no processo civil

18 de setembro de 2011

A finalidade do processo de conhecimento consiste em investigar fatos ocorridos no passado para definir, mediante a prolatação de uma sentença, a norma jurídica que incidirá sobre a situação deduzida em juízo.  Para chegar a esse acertamento (que envolve sempre a declaração de direitos e a aplicação de sanções), o magistrado deverá analisar as questões de fato e de direito levantadas pelas partes, exercendo a atividade cognitiva.

Segundo Alexandre Freitas Câmara, “cognição é a técnica utilizada pelo juiz para, através da consideração, análise e valoração das alegações e provas produzidas pelas partes, formar juízos de valor acerca das questões suscitadas no processo, a fim de decidi-las.”[1] O objeto da cognição é o trinômio formado pelos pressupostos processuais, condições da ação e mérito da causa.

No exame do tema “cognição no processo civil”, deve ser feita referência ao magistério de Kazuo Watanabe. De acordo com os famosos estudos desse professor paulista, a cognição pode ser examinada pelos ângulos da horizontalidade (extensão ou amplitude) e da verticalidade (profundidade).

No plano horizontal, a cognição é plena ou limitada. Na cognição plena, que é a regra, há a possibilidade de o juiz conhecer todas as questões suscitadas pelas partes.

Na cognição limitada, o legislador não permite que o juiz conheça as matérias em plenitude. É o que ocorre no procedimento de desapropriação por necessidade pública, regido pelo Decreto-lei n. 3.365, de 21 de junho de 1941. De acordo com o art. 20 desse diploma, “a contestação só poderá versar sobre vício do processo judicial ou impugnação do preço; qualquer outra questão deverá ser decidida por ação direta”. Da mesma forma, é limita a cognição nos procedimentos especiais possessórios, pois não se pode conhecer de questão referente ao domínio formulada em defesa pelo réu (art. 1.210, § 2º, do Código Civil de 2002).[2]

No plano vertical, a cognição é exauriente ou superficial. A cognição exauriente baseia-se em aprofundado exame das alegações e provas, o que cria um juízo de certeza. Na cognição sumária, o juiz decide com base em juízo de probabilidade da existência do direito (análise do fumus boni iuris e do periculum in mora). É o que ocorrer nas decisões antecipatórias de tutela e nas sentenças cautelares.

Seja qual for o ângulo cognitivo utilizado, a atividade cognitiva é voltada para a reconstrução do passado. O exame de provas e de alegações não tem outra finalidade que não essa. Enquanto o legislador seria um homem do futuro e o administrador um ser do presente, o juiz seria o homem do passado.


[1] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Lúmen Iuris: 2009, p. 263.

[2]  À luz do art. 1.210, § 2º, do novo Código Civil, não mais há qualquer possibilidade de se alegar o domínio para como defesa em face de ação possessória. Segundo o processualista Costa Machado, “ao assim dispor, o novo Código Civil retirou, por completo, a relevância da exceção de domínio, dando ênfase total à situação possessória” (Código de Processo Civil Interpretado – Artigo por artigo, 7ª ed., 2008, p. 1.291). No mesmo sentido, o enunciado 79 da I Jornada de Direito Civil: “A exceptio proprietatis, como defesa oponível às ações possessórias típicas, foi abolida pelo Código Civil de 2002, que estabeleceu a absoluta separação entre os juízos possessório e petitório”.

 


Procedimento possessório e Código Civil: o fim da exceção de domínio

30 de julho de 2011

1. O problema

 No Direito Processual Civil brasileiro, a exceção de domínio nos procedimentos possessórios é um tema que, há décadas, desperta intensa controvérsia. Imaginemos que uma pessoa, alegado ser possuidora, interponha demanda de reintegração de posse e o réu, na contestação, defenda-se afirmando que esbulhou o bem por ser dono da coisa. É possível alegar o domínio em demanda possessória? Tal defesa não esvaziaria a razão de ser desses procedimentos, qual seja, a proteção da posse pela posse?

 2. A exceção de domínio antes do Código Civil de 2002

 Ao tratar  da defesa da posse, o Código Civil  de 1916 disciplinou a exceção de domínio em seu art. 505, nestes termos:  “Não obsta à manutenção, ou reintegração na posse, a alegação de domínio, ou de outro direito sobre a coisa. Não se deve, entretanto, julgar a posse em favor daquele a quem evidentemente não pertencer o domínio.”

O  art. 505 do Código Civil era confunso e contraditório. Com efeito,  a parte incial do dispositivo ordenava que fosse ignorada eventual exceção de domínio; contudo, a parte final do dispositivo, determinava a improcedência do pedido se o possuidor não tivesse o domínio.  Ao interpretar esse dispositivo, o Supremo Tribunal Federal tentou harmonizá-lo, fixando os seguintes entendimentos :

a) se a posse é postulada pelo autor com base no domínio, é lícito ao réu apresentar defesa baseada também no domínio. Com base nessa premissa, o Plenário do STF, em 03 de dezembro de 1969, editou a súmula 487, segundo a qual “Será deferida a posse a quem, evidentemente, tiver o domínio, se com base neste for ela disputada.” A rigor, nesse caso, não há uma demanda possessória, mas uma demanda petitória, pois, desde logo, a posse é postulada com base na propriedade.

 b) sendo a posse duvidosa, é licito apreciar o caso sob a ótica do domínio. Nesse sentido, veja-se o Recurso Extraordinário n. 63.080, relatado pelo Ministro Aliomar Baleeiro: “Decidindo acerca da aparente antinomia dos dois períodos do art. 505, do Código Civil, a jurisprudência do STF já assentou que a exceção de domínio e aceitável quando os litigantes disputam a posse a título de proprietários ou quando tal posse é duvidosa em relação a qualquer deles.” (RE 63080, Segunda Turma, julgado em 21/11/1967, DJ 22-03-1968).

Com a Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973, foi instituído o novo Código de Processo Civil. Em seu art.923, a nova lei tratou da exceção de domínio sem trazer grandes novidades. Com efeito, permitia-se expressamente o juiz julgar em a demanda em prol daquele “a quem evidentemente pertencer o domínio”. Assim, por ser uma lei posterior, para parte da doutrina sustentou que esse do dispositivo processual revogou tacitamente o art. 505 do Código Civil de 1916.

Pouco tempo após a vigência do atual CPC, surge a Lei n. 6.820, de 16 de setembro de 1980, que promoveu uma alteração no art. 923 do CPC. Como resultado dessa lei, foi abolida a possibilidade de o juiz julgar em a demanda em prol daquele “a quem evidentemente pertencer o domínio”. Portanto, o entendimento que deveria ter prevalecido era o da extinção da exceção de domínio nos procedimentos possessórios. Contudo, mesmo após essa lei, eram comuns julgados admitindo o manejo da exceção de domínio com base no art. 505 do Código Civil de 1916.

3. O fim da exceção de domínio nos procedimentos possessórios

Com o advento do novo Código Civil, a exceção de domínio, em procedimentos possessórios, deixou de existir. Com efeito, o dispositivo que trata do tema tem a seguinte redação: “não obsta à manutenção ou reintegração na posse a alegação de propriedade, ou de outro direito sobre a coisa” (art. 1.210, § 2º).”

Portanto, após o Código Civil de 2002, não mais há a possibilidade de se alegar o domínio para como defesa em face de ação possessória. Segundo o processualista Costa Machado, “ao assim dispor, o novo Código Civil retirou, por completo, a relevância da exceção de domínio, dando ênfase total à situação possessória” (Código de Processo Civil Interpretado – Artigo por artigo, 7ª ed., 2008, p. 1.291).

Por isso, na I Jornada de Direito Civil promovida pelo CJF/STJ foi  aprovado o enunciado 79, dotado do seguinte teor: “A exceptio proprietatis, como defesa oponível às ações possessórias típicas, foi abolida pelo Código Civil de 2002, que estabeleceu a absoluta separação entre os juízos possessório e petitório”.

Na realidade, só é lícita a exceção de domínio, quando a o autor da ação, desde logo, disputa a posse com base na propriedade, situação em que, a rigor não há uma demanda possessória, mas uma ação petitória. Se apenas o réu, na possessória, afirma ser proprietário, não deve o juiz conhecer dessa questão.

Por isso, “tendo em vista a não-recepção pelo novo Código Civil da exceptio proprietatis (art. 1.210, § 2º) em caso de ausência de prova suficiente para embasar decisão liminar ou sentença final ancorada exclusivamente no ius possessionis  deverá o pedido ser indeferido e julgado improcedente, não obstante eventual alegação e demonstração de direito real sobre o bem litigioso” (Enunciado 78 da I Jornada de Direito Civil).


O prazo de dobro da defensoria pública nos juizados especiais federais

16 de junho de 2011

1. O ordenamento jurídico. Segundo a Teoria Geral do Direito, o ordenamento jurídico é um sistema. Não se trata de um agregado de normas postas uma do lado da outra. Cuida-se, na realidade, de uma pluralidade de normas interligadas por relações de coordenação e subordinação. (LUMIA, Giuseppe. Elementos de teoria e idologia do Direito, p. 65-66).

Frequentemente, os doutrinadores afirmam que a completude e a coerência são características do ordenamento jurídico. Contudo, a atividade legislativa caótica mostra que esse entendimento e’, em parte, uma ilusão. De fato, não é incomum a situação em que duas normas regulam a mesma situação de forma diferente. Por isso, os sistemas normativos, para tentar salvar o atributo da coerencia interna, fixam os seguintes critérios para solucionar as antinomias: a) critério hierárquico; b) critério temporal; c) critério da especialidade. O que pretendemos mostrar, neste post, é que nem sempre a aplicação desses critérios traz segurança ao jurista.

2. A  antinomia. Vejamos a situação do prazo em dobro da defensoria pública nos juizados especiais federais.

Segundo o art. 9º da Lei nº 10.259, de 12 de junho de 2011, nos juizados especiais federais – JEFS, “não haverá prazo diferenciado para a prática de qualquer ato processual pelas pessoas jurídicas de direito público”. Em razão desse dispositivo, foi aprovado, no Fórum Nacional dos Juizados Especiais Federais – FONAJEF, o enunciado 53, segundo o qual “não há prazo em dobro para a defensoria pública no âmbito dos JEFS”.

Ocorre que o art. 44, I, da Lei Complementar nº 80/1994, na redação dada pela Lei Complementar nº 132/2009, estabeleceu como prerrogativa dos membros da Defensoria Pública da União: “receber, inclusive quando necessário, mediante entrega dos autos com vista, intimação pessoal em qualquer processo e grau de jurisdição ou instância administrativa, contando-se-lhes em dobro todos os prazos”.

Vê-se, claramente, que existe um conflito entre o art. 44, I, da LC nº 80/1994, com redação dada pela LC nº 132/2009, e o art. 9º da Lei nº 10.259, de 12 de junho de 2011. Que critério aplicar para resolver o conflito? Seria o da norma especial? Mas qual a norma especial: o estatuto da DPU ou a lei dos JEFS? Ou seria melhor aplicar o critério temporal ou mesmo o hierárquico?

3. Nosso entendimento. Pensamos que não é compreensível negar à Defensoria Pública, nos juizados federais, o prazo em dobro que a lei lhe assegura em qualquer órgão judicial ou administrativo. Até o advento da LC nº 132/2009, o entendimento cristalizado no enunciado 53 do FONAJEF era correto, pois a Lei nº 10.259/2001 havia derrogado o art. 44, I, da LC nº 80/94 (lembrando que não há hierarquia entre lei ordinária e lei complementar). Aqui houve a incidência do critério de solução de conflitos, segundo o qual a lei posterior derroga a anterior (critério temporal).

Ocorre que, em 07 de outubro de 2009, renasceu das cinzas o prazo em dobro por obra da LC nº 132/2009. Portanto, a lei posterior, no caso a LC nº 132/2009, derrogou a Lei dos Juizados Especiais. Foi uma resposta clara dos representantes do povo em conferir condições de trabalho adequadas aos defensores públicos. Observe-se que a LC nº 132/2009 é cristalina, ao mencionar: “em qualquer processo e grau de jurisdição”. Assim, não mais prospera o Enunciado 53 da FONAJEF.

Contudo, por fidelidade ao leitor, informamos que o CESPE-UNB, na prova objetiva para o concurso de provimento de vagas do cargo de Defensor Público Federal de 2ª Categoria, adotou o entendimento de que a DPU não tem prazo em dobro nos JEFS (questão 190), mesmo após uma centena de recursos dos candidatos prejudicados.


STF: liminar pode determinar a nomeação de aprovado em concurso público

4 de novembro de 2010

No direito processual brasileiro, a concessão de medidas de urgência antecipatórias ou cautelares contra a Fazenda Pública sofre severas restrições. De acordo com as Leis nº 8.437/1992, nº 9.494/1997 e 12.016/2009 (art. 7º, § 2º), não é possível a concessão de liminares que envolvam a reclassificação, concessão de aumento ou extensão de vantagens.

Nesses casos, a execução das obrigações de pagar somente poderá ocorrer após o trânsito em julgado das respectivas sentenças condenatórias. No plano jurisprudencial, essas restrições ao uso da antecipação de tutela foram consideradas constitucionais pelo STF no julgamento da ADC nº 4 (Ação Declaratória de Constitucionalidade).

Diante dessas restrições, questiona-se se alguém pode ser nomeado em cargo público por força de uma liminar. Imaginemos que certa pessoa seja aprovada em concurso público dentro do número de vagas previstas no edital. Ocorre que a Administração Pública não a nomeia ou mesmo contrata precariamente pessoas para fazer a mesma função do cargo. Como todos sabem, essas comuns situações implicam na existência de direito à nomeação. Diante das vedações impostas ao uso de liminares contra a Fazenda Pública, essa pessoa pode ser nomeada por força de uma decisão interlocutória? Não estaria o juiz que concede a liminar criando despesas na folha de pagamento, tal como uma reclassificação ou concessão de aumento a alguém que já é servidor?

Recentemente, o STF reiterou o entendimento no sentido de que o artigo 1º, da Lei 9.494/97 não impede a concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública determinando a nomeação em cargo público. Assim, uma decisão desse jaez não fere a ADC nº 4. O caso envolvia Reclamação (RCL 8894) movida pela União em face de decisão que nomeou e assegurou a posse de uma aprovada em concurso, ocorrido em 1992, para o cargo de juiz de Direito substituto do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios.


Notas sobre o efeito suspensivo dos recursos

18 de outubro de 2010

Na teoria geral dos recursos, um assunto que, sem dúvida, não é bem compreendido é o chamado efeito suspensivo.

No sistema processual civil, certos recursos produzem efeito suspensivo em razão de expressa previsão legal (ex lege). É o caso da apelação, ressalvados, os casos do art. 520 do CPC (parte final). Outros recursos, a exemplo do agravo de instrumento (art. 527, III, do CPC), têm efeito suspensivo concedido caso a caso pelo magistrado. Finalmente, existem recursos destituídos do efeito em tela. É o caso dos recursos extraordinário e especial.

O aspecto que muita gente não percebe é o seguinte: quando um recurso possui efeito suspensivo ex lege, a decisão impugnada já surge destituída de eficácia. Ela somente se torna eficaz, caso o recurso seja rejeitado ou se torne temporalmente precluso. Vale dizer: a rigor, a impugnação nada suspende. Uma vez interposto o recurso, prolonga-se a ineficácia originária da decisão recorrida.

Na hipótese em que, caso a caso, o magistrado concede efeito suspensivo, a decisão é, desde o início, plenamente eficaz. A concessão do efeito suspensivo é que irá tolher essa eficácia originária. A natureza jurídica dessa concessão de efeito suspensivo é de tutela de urgência, especificamente, antecipação de tutela recursal.

Portanto, sob o manto do efeito suspensivo, duas situações diferentes estão albergadas: em certos casos, o que existe é a ineficácia originária da decisão (efeito suspensivo ex lege); em outros, estamos diante da antecipação de tutela recursal (efeito suspensivo caso a caso).


Reclamação contra decisão de juizado especial cível contrária à jurisprudência do STJ

21 de setembro de 2010

No processo civil brasileiro, o instituto da reclamação vem conquistando prestigiado espaço, sobretudo, por propiciar à parte reclamante a rápida revisão de decisões judiciais. Embora não seja um recurso, a reclamação é um instrumento processual que se presta a impugnar, dentro de certos limites, liminares, sentenças e acórdãos.

Conforme já abordado em post anterior, em duas situações, a Constituição Federal expressamente garante o manejo da via reclamatória: a) usurpação de competência do STF e do STJ; b) garantia da autoridade da decisão do STF ou STJ (art. 102, I, “l”, e art. 105, I, “f”, da CF). Nesse ponto, é importante registrar que, para a Suprema Corte, nada impede que as constituições estaduais criem a figura da reclamação no âmbito da justiça estadual para preservar a competência e autoridade dos tribunais de justiça (ADI 2212-1/CE).

Tudo isso que escrevemos não é novidade. O interessante é saber que existe um caso de cabimento da reclamação que é uma típica construção de caráter jurisprudencial. Estamos falando da reclamação contra decisão de juizados especiais estaduais que contrarie a jurisprudência do STJ.

Como é de amplo conhecimento, não cabe recurso especial das decisões proferidas em turmas recursais, que são órgãos colegiados compostos por juízes de 1ª instância. Na realidade, conforme o art. 105, III, da CF, o recurso especial deve ser interposto nas causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais de Justiça ou pelos Tribunais Regionais Federais.

No caso dos juizados especiais federais, o problema do desrespeito à jurisprudência do STJ é, em grande parte, solucionado pelo pedido de uniformização de interpretação de lei federal, disciplinado no art. 14 da Lei nº 10.259/2001. Contudo, esse instituto não tem previsão nos juizados especiais estaduais cíveis e criminais (Lei nº 9.099/95). Assim, por força de interpretação do STF (RE 571.572-8/BA), passou-se a admitir a reclamação nos casos de desrespeito pelos juizados estaduais de precedentes do STJ, exatamente para prestigiar a autoridade do órgão guardião da legislação federal, evitando-se a insegurança decorrente de decisões conflitantes. Atualmente, essa hipótese de reclamação é prevista na Resolução STJ nº 12/2009. Nesse sentido, o seguinte julgado:

1. Nos termos do decidido nos autos do EDcl no RE 571.572/BA, Rel. Min. Ellen Gracie (Plenário, j. 26.8.2009), compete ao STJ conhecer de reclamação destinada a dirimir controvérsia entre acórdão prolatado por Turma Recursal Estadual e a jurisprudência desta Corte firmada em julgamento de recurso especial. Resolução n° 12/2009 do STJ. (STJ, Rcl 3.924/BA, Rel. Ministra Eliana Calmon, Primeira Seção, julgado em 23/06/2010, DJe 04/08/2010)


Súmula 453 do STJ – Omissão na fixação dos honorários e coisa julgada

24 de agosto de 2010

A Corte Especial do STJ editou mais um enunciado que passará a compor a sua vasta súmula de jurisprudência dominante. Tombada com o número 453, a súmula consagra o seguinte entendimento: “Os honorários sucumbenciais, quando omitidos em decisão transitada em julgado, não podem ser cobrados em execução ou em ação própria”.

Como se percebe, o novo verbete versa sobre processo civil, referindo-se à temática dos honorários advocatícios sucumbeciais em face dos efeitos da coisa julgada.

Na visão do STJ, se uma sentença ou acórdão é omisso na fixação dos honorários advocatícios, cabe à parte prejudicada interpor embargos de declaração; se não houver o suprimento da omissão,  ocorrerá a formação da coisa julgada, com a conseqüente perda do direito à verba honorária,  que não mais poderá ser cobrada na execução ou mesmo em ação autônoma.


Jurisprudência sobre o mandado de segurança

3 de agosto de 2010

O instituto processual do mandado de segurança possui vasta jurisprudência. De fato, diversos temas polêmicos e relevantes envolvendo essa ação mandamental foram equacionados por decisões judiciais reiteradas dos Tribunais Superiores. É certo que a Lei nº 12.016/2009 positivou diversos precedentes pretorianos, tornando-os regras legais; contudo, isso não significa que a jurisprudência em torno desse writ perdeu o interesse. Seguem abaixo alguns acórdãos do STJ e do STF, posteriores à citada lei, enfocando temas atuais acerca do MS.

a) Possibilidade de se desistir da ação independentemente da concordância da autoridade coatora

MANDADO DE SEGURANÇA – DESISTÊNCIA – POSSIBILIDADE – INAPLICABILIDADE DO ART. 267, § 4º, DO CPC – RECURSO IMPROVIDO. – É lícito ao impetrante desistir da ação de mandado de segurança, independentemente de aquiescência da autoridade apontada como coatora ou da entidade estatal interessada ou, ainda, quando for o caso, dos litisconsortes passivos necessários, mesmo que já prestadas as informações ou produzido o parecer do Ministério Público. Doutrina. Precedentes.
(STF, MS 26890 AgR, Relator:  Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em 16/09/2009, DJe-200)

b) Errônea indicação da autoridade coatora – Extinção do processo sem julgamento de mérito

PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. ERRÔNEA INDICAÇÃO DA AUTORIDADE COATORA. MODIFICAÇÃO DE COMPETÊNCIA ABSOLUTA. EMENDA À INICIAL. IMPOSSIBILIDADE.

1. O STJ tem jurisprudência no sentido de que, havendo erro na indicação da autoridade coatora, deve o juiz extinguir o processo sem julgamento de mérito, conforme preceitua o art. 267, VI, do Código de Processo Civil, sendo vedada a substituição do pólo passivo.

2. Descabe substituir de ofício a autoridade coatora por outra não sujeita à sua jurisdição originária. Da mesma forma, inviável a determinação, pelo Tribunal, de emenda à inicial ou a adoção da “teoria da encampação”, o que tornaria indevida a modificação ampliativa de competência absoluta fixada na Constituição. (STJ, REsp 1190165/DF, Rel. Ministro  Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 15/06/2010, DJe 01/07/2010)

c) Cabimento de agravo regimental contra decisão que defere liminar – Perda de eficácia da Súmula 622 após o advento da Lei nº 12.016/2009 (art. 10, § 1º)

MANDADO DE SEGURANÇA – CELERIDADE – LIMINAR – INDEFERIMENTO – AGRAVO. Ao mandado de segurança deve-se emprestar tramitação célere. Com esta não se coaduna a interposição de agravo, mediante apresentação de minuta improcedente, visando transmudar indeferimento de medida acauteladora em deferimento.
(STF, MS 28245 MC-AgR, Relator:  Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, julgado em 06/05/2010, DJe-096)

RECURSO. Agravo regimental. Concessão de liminar em processo de mandado de segurança. Inadmissibilidade. Aplicação da súmula n° 622. Superveniência do art. 10, § 1°, da Lei n° 12.016./2009. Inaplicabilidade a decisão de data anterior ao início de sua vigência. Recurso não conhecido. Embora a lei processual incida de imediato, o regime de recorribilidade é o da lei vigente à data da prolação do ato decisório.
(MS 27656 MC-AgR, Relator:  Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, julgado em 09/12/2009, DJe-040, RDDP n. 87, 2010, p. 172-175)


A fungibilidade das tutelas de urgência satisfativa e cautelar

12 de julho de 2010

1. Introdução

Hoje voltaremos a tratar do processo civil, especificamente das tutelas de  urgência. Diante dos males do tempo sobre o andamento dos processos, as tutelas de urgência satisfativa e cautelar despertam grande interesse prático. Nesse contexto, uma importante medida tomada pelo legislador em prol da simplificação procedimental foi permitir a fungibilidade dessas medidas,  tema objeto do presente post.

2. Diferenças entre as tutelas satisfativa e assecuratória (cautelar)

A tutela jurisdicional pode ser satisfativa ou assecuratória.

Satisfativa é a tutela que permite a realização imediata do direito material postulado em juízo. Os processos de conhecimento e de execução são tipicamente satisfativos. Como regra, a tutela satisfativa somente é concedida, após o exame detalhado e aprofundado das provas e alegações, dentro daquilo que se chama cognição exauriente. Nesse caso, a decisão proferida é definitiva, fazendo coisa julgada material.

Contudo, em diversas situações, a lenta duração dos processos em geral pode ensejar o perecimento do direito postulado em juízo. Imagine-se o caso de alguém que, estando em situação terminal, busca, junto ao Poder Judiciário, o tratamento de uma doença grave. Nessas situações de urgência, o direito à saúde deve ser protegido, ainda que de forma provisória, em decisões baseadas em juízo de probabilidade (cognição sumária).

Nesse contexto, a antecipação de tutela é um provimento judicial que concede, após cognição sumária e de forma provisória, os efeitos da tutela definitiva satisfativa. É uma técnica processual criada para permitir a fruição imediata de um proveito que só ao final do processo poderia ser fruído.

Por sua vez, assecuratória é a tutela que objetiva conservar uma situação jurídica para garantir a futura satisfação de um direito. A tutela assecuratória se faz por meio de medidas cautelares. Exemplo: uma pessoa deve R$ 1.000.000,00 a um banco. Após o vencimento da obrigação, o sujeito começa a desviar seus bens para amigos e familiares (“laranjas”) para frustrar o pagamento. Nesse caso, é possível ao banco pedir o arresto dos bens do devedor. Com essa medida, o crédito não será satisfeito, mas, futuramente, poderá sê-lo, mediante a alienação forçada dos bens indisponíveis.

Tal como a maioria dos casos de tutela antecipada, a tutela cautelar envolve situações de urgência (“periculum in mora”) sendo concedida após cognição sumária; porém, não satisfaz o direito, limitando-se a assegurar, no futuro, a possibilidade de satisfação desse direito.

3. Breve histórico do desenvolvimento da tutela antecipada

Ao tempo da edição do CPC (1973), a tutela antecipada satisfativa só existia em certos procedimentos especiais, a exemplo das ações possessórias e do mandado de segurança. Assim, nos casos em que a tutela antecipada não estivesse prevista em algum procedimento especial, os advogados manejavam “cautelares inominadas” para obter tutelas antecipadas satisfativas, com base nos art. 798 e 804 do CPC, que tratam, respectivamente, do poder geral de cautela e da liminar no processo cautelar. Evidentemente, houve uma descaracterização do processo cautelar, cuja finalidade não é satisfazer um direito, mas assegurá-lo.

No final de 1994, essa situação muda radicalmente. Por força da Lei nº 8.952, de 13 de dezembro de 1994, introduziu-se, no procedimento comum, a possibilidade de tutela antecipada satisfativa genérica. Agora, qualquer providência satisfativa pode ser concedida antecipadamente. O sistema tornou-se completo, pois, salvo expressa proibição legal (como aquelas que se aplicam a Fazenda Pública), não há demanda cujo objeto não se possa ser concedida antecipadamente.

A tutela antecipada foi generalizada nos seguintes dispositivos do CPC: a) art. 273 (aplicável às obrigações de dar dinheiro, ações constitutivas ou ações declaratórias); b) art. 461, § 3º, e art. 461-A (aplicável às obrigações de fazer, não-fazer e dar coisa diferente de dinheiro. Como conseqüência dessa universalização, certos procedimentos especiais perderam parcela de importância e interesse (pois eram os únicos que comportavam tutela antecipada).

4. A fungibilidade das tutelas de urgência

No ano de 2002, outra grande inovação atingiu o sistema das tutelas de urgência previstas no processo civil. Em decorrência da Lei nº 10.444/2002, foi introduzido o seguinte dispositivo no CPC:

“Art. 273, § 7o Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado. (Incluído pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002)”

Esse dispositivo consagrou uma revolução, permitindo à parte obter tutela cautelar no bojo do processo de conhecimento. Antes as tutelas cautelares, como regra, eram obtidas através do processo cautelar. Se há necessidade de uma tutela de urgência, seja ela satisfativa ou cautelar, pode-se concedê-la no processo de conhecimento. Contudo, isso não impede que a tutela cautelar seja postulada em processo autônomo. Há, portanto, duas vias para a parte buscar uma medida assecuratória.

Muitos sustentam que o § 7º do art. 273 consagrou a fungibilidade das tutelas de urgência. Para o processualista Fredie Didier, essa fungibilidade deve ser vista com ressalvas, pois a concessão incidental de tutelar cautelar nos mesmos autos do processo de conhecimento, diferentemente de outros casos de fungibilidade (como a recursal), não pressupõe o erro do autor. Na realidade, o art. 273, § 7º, seria mais um caso de sincretismo processual.

Na doutrina, questiona-se se o sujeito pode, no processo cautelar, pedir tutela antecipada satisfativa (“fungibilidade de mão dupla”). Atualmente, não há mais sentido em buscar tutela antecipada no âmbito de processo cautelar autônomo, pois isso traz prejuízo ao réu, eis que o processo cautelar tem procedimento mais simples, inclusive com prazo de defesa de 5 dias. Se o juiz entender cabível a fungibilidade, deverá corrigir o manejo indevido do processo cautelar, transformando-o em processo de conhecimento.


Breves notas sobre a reclamação constitucional

9 de fevereiro de 2010

Conceito: A reclamação constitucional é uma ação autônoma de impugnação dotada de perfil constitucional. Tal como a ação rescisória, a reclamação é uma ação típica, eis que seu cabimento encontra-se vinculado a determinadas situações descritas na lei ou na Constituição. Em geral, caberá a reclamação quando houver a usurpação de competência do STF ou do STJ, bem como o desrespeito à autoridade das decisões proferidas por essas cortes.

Previsão: Na Constituição Federal, só existe previsão de reclamação no âmbito da competência originária do STF (art. 103, inciso I, alínea “l”) e do STJ (art. 105, inciso I, alínea “f”). Por algum tempo, a jurisprudência do Supremo rejeitou a possibilidade de as constituições estaduais criarem-na no âmbito dos Tribunais de Justiça. Hoje, após mudança de entendimento (ADI 2212), foi reconhecida a validade de reclamações previstas nas constituições dos Estados. Contudo, entende o STF que os regimentos internos dos demais tribunais não podem criar a figura da reclamação, tal como ocorreu no TST, sob pena de invasão de campo reservado ao domínio da lei. Nesse sentido, o seguinte julgado:

RECLAMAÇÃO – REGÊNCIA – REGIMENTO INTERNO – IMPROPRIEDADE. A criação de instrumento processual mediante regimento interno discrepa da Constituição Federal. Considerações sobre a matéria e do atropelo da dinâmica e organicidade próprias ao Direito. (STF, RE 405031, Relator(a):  Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, julgado em 15/10/2008)

Prazo: o ajuizamento da reclamação pode ocorrer até o trânsito em julgado da decisão reclamada. Assim, não há um prazo definido, tal como existe na rescisória (2 anos) ou no mandado de segurança (120 dias). Porém, após o trânsito em julgado da decisão reclamada, não pode o prejudicado interpor reclamação junto ao STF (Súmula 734 do STF). Nesse caso, deve-se fazer o uso da ação rescisória, observando suas hipóteses de cabimento previstas no CPC e as regras de competência que particularizam essa ação autônoma de impugnação.

Controle abstrato de normas: por força do efeito vinculante (art. 103, § 2º, da CF), as decisões finais em ADI, ADC e ADPF são suscetíveis de ensejar a reclamação, caso não sejam observadas pelos demais órgãos do Poder Judiciário ou pela Administração Pública. Nessas ações de controle de constitucionalidade, também as decisões concessivas  de liminares (mas não as que negam) podem ensejar a reclamação, caso descumpridas. Nesses casos, a legitimidade cabe a qualquer pessoa que tenha seus interesses lesados pela decisão que contrariou a autoridade do STF. Vejamos alguns julgados sobre o cabimento da reclamação no âmbito do controle abstrato de constitucionalidade:

Reclamação. 2. Garantia da autoridade de provimento cautelar na ADI 1.730/RN. 3. Decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte em Mandado de Segurança. Reenquadramento de servidor aposentado, com efeitos “ex nunc”. Aposentadoria com proventos correspondentes à remuneração de classe imediatamente superior. 4. Decisão que restabelece dispositivo cuja vigência encontrava-se suspensa por decisão do Supremo Tribunal Federal, em sede de cautelar. 5. Eficácia “erga omnes” e efeito vinculante de decisão cautelar proferida em ação direta de inconstitucionalidade. 6. Reclamação julgada procedente
(STF, Rcl 2256, Relator(a):  Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 11/09/2003, DJ 30-04-2004)

4. Reclamação. Reconhecimento de legitimidade ativa ad causam de todos que comprovem prejuízo oriundo de decisões dos órgãos do Poder Judiciário, bem como da Administração Pública de todos os níveis, contrárias ao julgado do Tribunal. Ampliação do conceito de parte interessada (Lei 8038/90, artigo 13). Reflexos processuais da eficácia vinculante do acórdão a ser preservado. 5. Apreciado o mérito da ADI 1662-SP (DJ de 30.08.01), está o Município legitimado para propor reclamação. Agravo regimental provido.
(STF, Rcl 1880 AgR, Relator(a):  Min. Maurício Correa, Tribunal Pleno, julgado em 07/11/2002, DJ 19-03-2004)


Juizados Especiais das Fazendas Públicas estadual e municipal: uma realidade

24 de dezembro de 2009

1. Em post que escrevemos em meados de maio de 2009, anunciamos que se encontrava em avançada tramitação projeto de lei que cria Juizados Especiais para as causas de pequeno valor contra as fazendas estaduais e municipais.  Tratava-se de uma antiga reivindicação da sociedade, pois não era racional que causas de pequena monta contra Estados, Distrito Federal, Municípios e suas respectivas autarquias tramitassem, “a passos de formiga”, sob os ritos do Código de Processo Civil.

2. A nova lei. Felizmente, foi publicada a Lei nº 12.153, de 22 de dezembro de 2009, que, nos termos de sua ementa, dispõe sobre os “Juizados Especiais da Fazenda Pública no âmbito dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios”. Seguem abaixo alguns comentários breves sobre a lei.

3. Competência dos Juizados. Uma primeira leitura da lei revela que o seu texto se inspirou nos Juizados Especiais federais (Lei nº 10.259/2001). Nos termos do art. 2o da Lei nº 12.153/2007,  compete “aos Juizados Especiais da Fazenda Pública processar, conciliar e julgar causas cíveis de interesse dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, até o valor de 60 salários mínimos.”

4. Registre-se que essa  competência é absoluta (art. 2º, § 4º). Por isso , diferentemente dos Juizados Especiais cíveis da Lei nº 9.099/95, o autor, nas causas de pequeno valor contra Estados e Municípios, não poderá optar pelos ritos do CPC (os quais, embora  lentos, garantem honorários e o manejo da rescisória), devendo obrigatoriamente ingressar no rito sumaríssimo dos Juizados da Fazenda Pública. Por outro lado, podem ser processadas nesses órgãos as ações que visem à anulação ou cancelamento de atos do poder público, as quais foram, em parte, excluídas dos Juizados Federais (art. 3º, § 1º, III, da Lei nº 10.259/2001).

Por serem complexas ou por terem ritos bem específicos, não se incluem na competência do Juizado Especial da Fazenda Pública as seguintes causas: a) as ações de mandado de segurança, de desapropriação, de divisão e demarcação, populares, por improbidade administrativa, execuções fiscais e as demandas sobre direitos ou interesses difusos e coletivos; b) as causas sobre bens imóveis dos Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios, autarquias e fundações públicas a eles vinculadas.

5. Autores e réus. Tal como nos Juizados Federais, podem ser autores as pessoas físicas e as microempresas e empresas de pequeno porte, assim definidas na Lei Complementar no 123, de 14 de dezembro de 2006. Por sua vez, podem ser réus os Estados, o Distrito Federal, os Territórios e os Municípios, bem como autarquias, fundações e empresas públicas a eles vinculadas.

6. Instalação.  Segundo o art. 22 da nova lei, os Juizados Especiais da Fazenda Pública deverão ser instalados no prazo de dois anos. Por outro lado, embora instalados, os Tribunais de Justiça poderão limitar, por até cinco anos, a partir da entrada em vigor desta Lei, a competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, atendendo à necessidade da organização dos serviços judiciários e administrativos (art. 23). Espara-se que esses longos prazos não sejam motivo para se protelar a instalação e pleno funcionamento dos Juizados, os quais constituem importante avanço processual a favor do cidadão.


Precatórios: EC nº 62/2009 e as execuções de créditos contra a Fazenda Pública

15 de dezembro de 2009

Foi publicada, no Diário Oficial da União de 10/12/2009, a Emenda Constitucional nº 62/2009, que altera o regime de execuções por quantia certa contra a Fazenda Pública. Abaixo seguem algumas impressões, todas de caráter inicial, sobre as modificações sofridas Constituição Federal no que tange aos precatórios.

1. Origens da Emenda. Antes mesmo de vir ao mundo jurídico, a então proposta de emenda à Constituição já era carinhosamente chamada de “PEC do calote”, sendo o seu idealizador o ex-Ministro do STF e atual Ministro da Defesa, Nelson Jobim. Trata-se de uma emenda de péssima qualidade legislativa, confusa e nebulosa, como são, aliás, os atos do Poder Público, marcados pelo casuísmo e pelo atendimento a interesses momentâneos.

2. Obrigações de pequeno valor. Como não poderia deixar de ser, a nova emenda continua prevendo, como regra, que os créditos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, decorrentes de sentença judicial transitada em julgado, continuam sendo pagos pela sistemática dos precatórios, seguindo a ordem cronológica de apresentação desses títulos (art. 100, caput). Da mesma forma, a emenda estabelce que o regime de pagamento de obrigações de pequeno valor definidas em lei pode ser dar de forma direta (art. 100, § 3º). Aqui começam as novidades.

Com a nova emenda, fica reconhecida de forma clara a possibilidade, que já era abonada pelo STF, de os entes da federação, mediante leis próprias, definirem o que são obrigações de pequeno valor (art. 100, § 4º). Contudo, o legislador estabeleceu que não poderá ser fixado um valor inferior ao maior benefício do regime geral de previdência social. Antes não havia esse piso, existindo, por exemplo, alguns Municípios que estipularem esse valor em 2 salários mínimos. De acordo com o art. 97, § 12, do ADCT, se essa lei não for publicada em até 180, contados da publicação da emenda, serão considerados os limites de 40 salários mínimos para os Estados e Distrito Federal e 30 salários mínimos para os Municípios.

Em relação aos credores com 60 (sessenta) anos de idade ou mais na data de expedição do precatório, ou que sejam portadores de doença grave, definidos na forma da lei, a EC nº 62/09 estabelece que eles terão preferência na execução direta (sem precatórios), sendo que o valor a ser cobrado poderá ser até o triplo do piso previsto na lei de cada ente. O saldo sobejante será pago pela via dos precatórios.

3. Sequestro de verbas. A emenda trouxe um novo caso de sequestro de verbas públicas para a satisfação do crédito. Classicamente, essa medida cabia em caso de preterimento do direito de preferência. Agora, também caberá em caso de “não alocação orçamentária do valor necessário à satisfação do seu débito” (art. 100, § 6º).

4. Juros e correção monetária. Os precatórios em atraso sofrerão atualização monetária pelo índice de correção da caderneta de poupança. Os juros da mora também terão o mesmo percentual dos juros da poupança (art. 100, § 12). A medida tem a finalidade de estimular os credores a negociarem os valores, cedendo-os a terceiros (art. 100, § 13).

5. A institucionalização do calote. Finalmente, foi previsto um regime especial de pagamento de precatórios em favor dos Estados, Distrito Federal e Municípios, o qual deve ser definido em lei complementar (art. 100, § 15). Do exposto, vê-se que os credores da União escaparam da incidência desse regime de exceção, o qual tem sido o ponto mais criticado da EC nº 62/2009. Como essa lei complementar não foi editada e, provavelmente, nunca venha a ser, há uma regra de transição (art. 97 do ADCT), disciplinando esse complexo regime, o qual prevê a vinculação de receita para o pagamento dos créditos, formas e prazos. Na prática, esse regime de exceção será a regra, pois enquanto os Estados, Distrito Federal e Municípios devedores estiverem realizando pagamentos de precatórios pelo regime especial, não poderão sofrer sequestro de valores, exceto no caso de não liberação tempestiva dos recursos do próprio regime especial (art. 97, § 13, do ADCT)


Súmula 401 do STJ: prazo para a ação rescisória

12 de outubro de 2009

O Superior Tribunal de Justiça aprovou enunciado sobre assunto extremamente polêmico: o prazo decadencial para a interposição de ação rescisória. Trata-se da Súmula nº 401, cujo teor é o seguinte: “O prazo decadencial da ação rescisória só se inicia quando não for cabível qualquer recurso do último pronunciamento judicial“.

Como todos sabem, a rescisória é uma ação autônoma de impugnação que compete originariamente aos tribunais. Sua finalidade é atacar a coisa julgada, permitindo a revisão de sentenças transitadas em julgado e, se for o caso, o rejulgamento da causa. Nos termos do art. 495 do CPC, a rescisória deve ser ajuizada no prazo de dois anos, contados do trânsito em julgado.

Apesar da clareza da lei, existem muitas situações que geram dúvida em relação ao início da contagem desse prazo.

O primeiro desses problemas diz respeito às sentenças dotadas de vários capítulos. Imagine-se uma decisão com dois capítulos: um que condena o réu ao pagamento de indenização por dano material e outro referente à condenação por dano moral. Intimado, o réu só recorre do dano moral, ensejando o trânsito em julgado do capítulo sobre o dano material. Após o julgamento desfavorável da apelação pelo tribunal, o réu não apresenta recurso especial, permitindo o trânsito em julgado do capítulo sobre o dano moral.

Nesse caso, há a formação de várias coisas julgadas sucessivamente. Para a doutrina majoritária e para o TST (Súmula 100), o prazo para o manejo da rescisória conta-se em separado para cada trânsito em julgado. Para o STJ, nos termos da Súmula 401, esse prazo se inicia do último trânsito em julgado. Nesse sentido, o Recurso Especial nº 639.233, que é um dos precedentes do referido enunciado.

O segundo problema do prazo da ação rescisória relaciona-se com a seguinte situação: em 2009 uma sentença é proferida. A parte vencida recorre, mas, em 2014, o tribunal não conhece a apelação. Para alguns, o trânsito em julgado da decisão ocorreu em 2009, tendo efeito retroativo a decisão de 2º grau que não conheceu o recurso. Contudo, a literalidade da súmula sugere que o trânsito julgado se dará em 2014, isto é, da última decisão, qualquer que seja seu conteúdo. Assim, a rescisória poderá ser interposta  até 2016.


Conflito de competência entre juízo e juizado federal

27 de agosto de 2009

Mais uma vez, o Supremo Tribunal Federal profere decisão, cujo conteúdo colide com súmula do Superior Tribunal de Justiça. Evidentemente, o STF não deve se curvar à jurisprudência do STJ. Na realidade, o problema é que, às vezes, o órgão uniformizador da legislação federal vai além, editando súmulas com matéria tipicamente constitucional, sujeitando-se, portanto, à censura do Supremo.

Quem não se lembra da Súmula 343 do STJ que garantia “a presença do advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar”. O referido enunciado acabou sendo derrubado pela Súmula Vinculante nº 5 do STF, segundo a qual “a falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição”.

Da mesma forma, tal como comentado em outro post neste blog, a Súmula 366 do STJ foi desprestigiada pelo STF no julgamento do Conflito de Competência nº 7.545 (Relator: Eros Grau). A referida súmula diz ser a justiça comum competente para julgar ação indenizatória proposta por dependentes de empregado falecido em face do empregador em caso de acidente de trabalho. Contudo, o STF reconheceu que essa matéria é afeta à Justiça do Trabalho.

Novamente, a história se repete. Segundo a Súmula 348 do STJ, compete a ele próprio decidir conflitos de competência  entre juizado especial federal e juízo federal, ainda que da mesma seção judiciária. Ocorre que, no julgamento do RE 590.409, dotado de repercussão geral, o STF, à unanimidade, entendeu que compete aos Tribunais Regionais Federais “dirimir eventuais conflitos de competência entre juízes de primeira instância – um do juizado especial federal e outro do juizado de competência comum federal –, quando ambos são vinculados ao mesmo tribunal”.


A Lei nº 12.016/2009 – o novo perfil do Mandado de Segurança

11 de agosto de 2009

          Para a surpresa de muita gente foi promulgada a Lei nº 12.016/2009, que dispõe sobre o mandado de segurança individual e coletivo. A nova lei consolida vasta legislação esparsa e positiva entendimentos dos Tribunais Superiores sobre essa garantia fundamental processual, também chamada de “remédio heróico” ou “writ”.

             A proposta que deu origem à lei surgiu no âmbito da  AGU, na época em que a instituição era comandada pelo hoje Ministro do STF Gilmar Mendes. Participaram da elaboração do projeto outros vultos do mundo jurídico, tais como o Ministro Menezes Direito, Arnoldo Wald, Caio Tácito, Luís Roberto Barroso e a professora Ada Pelegrini.

             A grande novidade da Lei nº 12.016/2009 foi o disciplinamento do mandado de segurança coletivo. Inovação da Constituição Federal de 1988, o MS carecia de regulamentação. Na prática, eram aplicadas as normas do mandado de segurança individual e os entendimentos do STF sobre a matéria, o que criava uma atmosfera de insegurança jurídica no âmbito procedimental.

             O art. 21 da Lei nº 12.016/2009 nitidamente consolidou a jurisprudência do STF a respeito da mandado de segurança coletivo, ao afirmar que: a) o partido político com representação no Congresso Nacional pode impetrá-lo apenas na defesa de seus interesses legítimos relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária; b) os legitimados ativos (partidos políticos, organizações sindicais, entidades de classe e associações) são substitutos processuais (e não meros representantes), razão pela qual não necessitam de autorização especial, podendo, inclisive, defender os interesses de parte dos membros ou associados (Súmulas 629 e 630 do STF).

               Há alguns pontos inovadores que merecem destaque, os quais romperam com velhos paradigmas da jurisprudência. Primeiramente, foi estendida às autoridades coatoras o direito de recorrer (art. 13, § 2º). Em segundo lugar, conceituou-se “autoridade coatora federal”: trata-se daquela cujos atos  terão conseqüências patrimoniais suportardas pela União ou entidade por ela controlada (art. 2º). Assim, salvo melhor juízo, não mais serão consideradas autoridades federais, por exemplo,  as Juntas Comerciais no exercício de suas atividades fim (registro empresarial) ou as universidades privadas nos atos referentes ao ensino, o que influirá na competência da Justiça Federal.

            Evidentemente, a lei acabou de sair do forno, o que impede um exame mais profundo de seus vícios e de suas virtudes. Mas as impressões iniciais deixadas pela Lei nº 12.016/2009 são positivas.


Competência da Justiça do Trabalho: ação indenizatória proposta por dependentes de empregado falecido em acidente

8 de junho de 2009

          Em novembro de 2008, o Superior Tribunal de Justiça editou polêmica súmula acerca da competência para julgar ações decorrentes de acidentes de trabalho com vítimas fatais. Dizia o enunciado: “Compete à Justiça estadual processar e julgar ação indenizatória proposta por viúva e filhos de empregado falecido em acidente de trabalho.”

           Muitos juristas discordaram desse entendimento e com razão. Imagine-se que um empregado mova uma ação em face de seu empregador em virtude da ocorrência de um acidente de trabalho. Desde a EC nº 45/2004, a Justiça do Trabalho seria competente para processar e julgar a reclamação cuja causar de pedir envolvesse o aludido sinistro. Contudo, se o obreiro morresse por força do acidente, o Superior Tribunal de Justiça, por meio da súmula acima, afastou a possibilidade de aquela Justiça especializada julgar ação movida pelos dependentes da vítima.

             Felizmente, o Supremo Tribunal Federal não tardou em examinar a questão. No dia 03/06, foi julgado o Conflito de Competência nº 7.545, relatado pelo Ministro Eros Grau. À unanimidade, o STF reconheceu que a competência para julgar os pedidos de indenização decorrentes de acidente do trabalho fatal cujos autores sejam dependentes da vítima (cônjuges ou filhos) é da Justiça do Trabalho. Assim, a súmula 336 do STJ mal veio ao mundo e já está superada, sendo o seu provável destino a “lata de lixo da história” jurídica.


Juizados Especiais da Fazenda Pública

17 de maio de 2009

       Encontra-se em avançado estado de tramitação projeto de lei que cria os juizados especiais para apreciação de pequenas causas contra a fazenda pública estadual e municipal.  O projeto, originado no Senado, foi aprovado no dia 14/05/2009 na Câmara, mas retornou ao Senado, em virtude de modificações introduzidas pelos deputados.

          O ponto de dissenso entre os parlamentares refere-se ao valor das causas a serem submetidas aos juizados. Enquanto o projeto do Senado, estabelecia que o teto seria de 30 salários mínimos para as causas contra os Municípios e 40 salários mínimos para as causas contra os Estados, os Deputados unificaram o teto para 60 salários mínimos.

        O certo é que, quando o referido projeto virar lei, processos, por exemplo, que tenham como objeto a anulação de multas por infrações de trânsito, a impugnação de lançamentos fiscais de ICMS e IPTU ou ainda infrações de normas sobre postura municipal sairão das abarrotadas varas da fazenda pública e ingressarão nesses novos juizados especiais.

           A tendência é que, no máximo  até o final deste ano, o processo legislativo seja concluído, pois a instituição desses juizados fazendários integra os objetivos do “Pacto Republicano” para agilizar o Judiciário.


Cumprimento de sentença: considerações sobre o termo inicial para pagamento e a multa do art. 475-J do CPC

7 de janeiro de 2009

 Como é de conhecimento amplo, por força da Lei n.º 11.232/2005, o Código de Processo Civil sofreu radical mudança no que toca à execução das obrigações de pagar quantia contidas em títulos judiciais.

Antes da referida lei, a atividade executiva dava-se ex intervalo por meio de um processo autônomo, caracterizado pela presença da ação executiva e da respectiva demanda instrumentalizada por petição inicial, da citação pessoal do devedor e da extinção do feito mediante sentença. Agora, a cobrança do crédito foi simplificada, eis que ocorre num módulo especial, dentro do mesmo processo em que a condenação foi proferida. Como bem registrou a processualista Ada Pellegrine Grinover:

 “A principal característica da lei – denominada de cumprimento de sentença – consiste na eliminação da figura do processo autônomo de execução fundado na sentença civil condenatória ao pagamento de quantia certa, generalizando o disposto nos arts. 461 e 461-A do CPC. Agora, a efetivação dos preceitos contidos em qualquer sentença civil condenatória se realizará em prosseguimento ao mesmo processo no qual esta for proferida.”1

 De acordo com as novas disposições do Código de Processo Civil, aquele que sofreu condenação ao pagamento de quantia certa deve pagar voluntariamente a obrigação pecuniária no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de incorrer em multa de 10% (art. 475-J, caput)

Na doutrina e na jurisprudência, discute-se intensamente o momento de início do termo a quo do aludido prazo. Sobre o tema há três correntes: a) o prazo se inicia tão logo ocorra o trânsito em julgado da sentença; b) o prazo se inicia com a intimação pessoal do devedor; c) o prazo começa a correr com a intimação por publicação em diário oficial do advogado do devedor.

Inicialmente, a Terceira Turma do STJ entendeu que, no dia seguinte ao trânsito em julgado, deveria iniciar a contagem do prazo de 15 (quinze) dias. Extrapolado o interstício sem qualquer pagamento, incidiria a multa, passando a condenação a ser automaticamente acrescida de 10%. Nesse sentido, pode ser citado o seguinte precedente: “O termo inicial do prazo de que trata o artigo 475-J, caput, do Código de Processo Civil é o próprio trânsito em julgado da sentença condenatória, não sendo necessário que a parte vencida seja intimada pessoalmente ou por seu patrono para saldar a dívida.”2

 Na doutrina, fazia-se um temperamento aos casos em que o trânsito em julgado ocorre quando o processo se encontra em grau superior de jurisdição. Nessas situações, diante da impossibilidade fática de se pagar pela ausência física do próprio processo, o prazo seria contado do momento em que há a intimação das partes acerca do retorno dos autos. Esse entendimento foi sustentado por Humberto Teodoro Júnior:

 “O prazo de cumprimento de voluntário independe de citação ou intimação do devedor. […]. Um problema a ser enfrentado surge quando a condenação transita em julgado com os autos ainda no tribunal. Enquanto não baixados, haverá um obstáculo judiciário ao depósito devido pela parte, o que recomenda, segundo a sistemática geral do Código, a suspensão da fluência do prazo do art. 475-J, até que os autos retomem ao juízo de origem e nele as partes sejam intimadas do fato”3.

Atualmente, o Superior Tribunal de Justiça, por meio de sua Corte Especial, firmou jurisprudência em prol da tese de que é necessária, pelo menos, a intimação do advogado da parte devedora para que se inicie o termo a quo da multa. Eis um precedente que ilustra bem essa nova diretriz interpretativa: A Corte Especial do STJ pacificou a matéria referente ao termo inicial do prazo de quinze dias, para a incidência da multa prevista no art. 475-J do CPC, entendendo que, além do trânsito em julgado, é necessária a intimação do advogado, para cumprimento da sentença (REsp 940274/MS, Rel. Min. Min. Humberto Gomes de Barros, Rel. p/ Acórdão Min. João Otávio de Noronha, Corte Especial, DJe 31.5.2010)”.4

A necessidade de intimação do advogado do devedor para que ocorra o início do termo a quo do prazo de 15 (quize) dias, de certa forma, retarda o processo retirando a necessária celeridade buscada pelo legislador ao suprimir o processo autônomo de execução. Porém, a providência é justa, prestigiando o princípio do contraditório.

1 GRINOVER, Ada Pellegrine. “Cumprimento da sentença”. Revista Jurídica. Ano 55, nº 359, setembro de 2007, p. 13.

2STJ, AgRg no Ag 1064918/RS, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em 21/10/2008, DJe 18/11/2008.

3JÚNIOR, Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil, vol. 2, 44 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 48

4 STJ, AgRg no REsp 1264045/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 11/10/2011, DJe 18/10/2011.