1. No início do século passado, Rui Barbosa escreveu que, em matéria de responsabilidade civil do Estado, a jurisprudência brasileira talvez fosse a mais copiosa e persistente de todas. O tempo passou e essa afirmação continua verdadeira. A todo momento, surgem casos ímpares de responsabilidade civil do Estado.
2. Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu o dever de indenizar danos morais decorrentes de superlotação em carceragem (Resp 873.039-MS, Relator: Ministro Luiz Fux). No caso, um preso, por meio da defensoria pública, interpôs ação ordinária de indenização, argumentando que sofrera profundos constrangimentos pelo fato de ter sido posto em sela na qual se encontravam 370 pessoas, quando na realidade, seu espaço só comportava 130 detentos. O Tribunal de Justiça equacionou o caso, nestes termos:
“O Estado é responsável pela construção e administração do sistema penitenciário, especialmente pela boa manutenção e regular funcionamento dos estabelecimentos prisionais, cabendo, portanto, observar que, ao exercer o direito de punir e de restringir a liberdade dos indivíduos que transgridem as leis, passa a ter o dever de custódia sobre eles. Os argumentos do Estado de Mato Grosso do Sul, quando menciona que o apelante, ao ser condenado, deixou de cumprir seus deveres, infringindo a lei, podendo então ser considerada a restrição de sua liberdade como um canal para a desconsideração dos seus direitos mais básicos, são deploráveis, dando conta que realmente despreza o seu dever de cuidar daqueles que puniu. Ora, não se discute aqui as razões da condenação de um preso; mas sim, uma circunstância posterior, que é a má, tardia ou falta de atuação estatal, no que concerne à custódia dos condenados ou processados pela Justiça.”
3. No Superior Tribunal de Justiça, o Recurso Especial interposto contra o acórdão não foi conhecido por envolver o exame de fatos e provas. Entretanto, o relator entendeu que a decisão encontrava-se em harmonia com o princípio da dignidade humana:
“7. Ad argumentandum tantum, no mérito melhor sorte não lhe assistiria, isto por que a Constituição da República Federativa do Brasil, de índole pós-positivista e fundamento de todo o ordenamento jurídico expressa como vontade popular que a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados, Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como um dos seus fundamentos a dignidade da pessoa humana como instrumento realizador de seu ideário de construção de uma sociedade justa e solidária. […] 9. A plêiade dessas garantias revela inequívoca transgressão aos mais comezinhos deveres estatais, consistente em manter-se superpopulação carcerária em condições perigosas, máxime quando os presos se vêem obrigados a confeccionar e possuir instrumentos ofensivos – que servem mais para se defender e garantir suas vidas e intimidade do que atacar alguém ou se rebelar, sendo certo os temores que resultam do encarceramento ilegal.”
4. Em breve, o Supremo Tribunal Federal enfrentará essa polêmica questão referente à responsabilidade civil do Estado. Com efeito, foi reconhecida a repercussão geral do tema, nestes termos:
CONSTITUCIONAL. CRIAÇÃO DE PROJETOS URBANÍSTICOS OBRIGATORIEDADE DO PLANO DIRETOR COMO INSTRUMENTO DA POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO URBANO DOS MUNICÍPIOS. Possui repercussão geral a questão constitucional atinente à obrigatoriedade do plano diretor como instrumento da política de ordenamento urbano. (STF, RE N. 607.940-DF – Repercussão Geral, Relator: Min. AYRES BRITTO, Informativo STF nº 630/2011)