O discurso de posse de Obama

21 de janeiro de 2009

                                                                               

obama-ii1              Não assisti à transmissão ao vivo do discurso de Obama. Vi apenas algumas cenas editadas; porém, de todas as palavras do 44º Presidente americano, considero estas as mais fortes:

                

                    “Nossos desafios podem ser novos. Os instrumentos com que nos deparamos podem ser novos. Mas aqueles valores dos quais nosso sucesso depende – trabalho duro e honestidade, coragem e justiça, tolerância e curiosidade, lealdade e patriotismo–, essas coisas são antigas. Essas coisas são verdadeiras. Elas têm sido a força silenciosa do progresso ao longo de nossa história. O que se exige, então, é um retorno a essas verdades. O que se pede a nós agora é uma nova era de responsabilidade –um reconhecimento, por parte de cada americano, de que temos deveres para conosco, nosso país e o mundo; deveres que não aceitamos com rancor, mas que recebemos com gratidão, firmes na certeza de que não há nada tão satisfatório para nosso espírito, nada tão definidor de nosso caráter quanto entregarmos tudo de nós mesmos a uma tarefa difícil. (Obama, 20/01/2009)”

                    Aliás, também não posso deixar de registrar que, ao dizer que “escolhemos a esperança no lugar do medo” em outra parte de seu discurso de posse, Obama quase repetiu uma velha frase de Lula, dita quando assumiu a Presidência em 2003: “a esperança venceu o medo”.

                     Apesar da brilhante oratória, do carisma e do contagiante espírito de liderança, Obama encontrará um velho sistema político e econômico que tolherá grande parte de seu ímpeto de mudanças. Por isso, a euforia dos palanques cederá diante realidade dos gabinetes.


Jurispruência selecionada nº 13 – Imunidades Tributárias

20 de janeiro de 2009

           No ano de 2008, o STF proferiu decisões interessantes relacionadas às normas sobre imunidades tributárias. Trata-se de tema extremamente rico, sobretudo, em razão da criatividade jurisprudencial na fixação do sentido dessas limitações constitucionais ao poder tribuntário.  Para muitos, as imunidades, por criarem privilégios, deveriam ser interpretadas de forma restritiva. Contudo, as decisões do STF, por força do emprego do critério teleológico de interpretação, resultam em entendimentos de alcance extensivo. Vejamos algumas dessas relevantes decisões:

a) Imunidade recíproca (art. 150, VI, “a”)

Incra. Imunidade tributária. Exploração de unidade agroindustrial. Ausência de configuração de atividade econômica capaz de impor o regime tributário próprio das empresas privadas. 1. A atividade exercida pelo Incra, autarquia federal, não se enquadra entre aquelas sujeitas ao regime tributário próprio das empresas privadas, considerando que a eventual exploração de unidade agroindustrial, desapropriada, em área de conflito social, está no âmbito de sua destinação social em setor relevante para a vida nacional. 2. A imunidade tributária só deixa de operar quando a natureza jurídica da entidade estatal é de exploração de atividade econômica. 3. Recurso extraordinário conhecido e provido. (RE 242827 / PE, Relator:  Min. Menezes Direito, Julgamento:  02/09/2008, Órgão Julgador:  Primeira Turma, Publicação DJe-202: 23-10-2008 )

CONSTITUCIONAL. EMPRESA BRASILEIRA DE INFRA-ESTRUTURA AEROPORTUÁRIA – INFRAERO. EMPRESA PÚBLICA. IMUNIDADE RECÍPROCA. ARTIGO 150, VI, “A”, DA CB/88. 1. A Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária – INFRAERO, empresa pública prestadora de serviço público, está abrangida pela imunidade tributária prevista no artigo 150, VI, “a”, da Constituição. 2. Não incide ISS sobre a atividade desempenhada pela INFRAERO na execução de serviços de infra-estrutura aeroportuária, atividade que lhe foi atribuída pela União [artigo 21, XII, “c”, da CB/88]. Agravo regimental a que se nega provimento. (RE-AgR 524615 / BA, Relator:  Min. EROS GRAU, Julgamento:  09/09/2008, Órgão Julgador: , Segunda Turma, Publicação: 02-10-2008)

b) Templos de qualquer culto

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. IPTU. ARTIGO 150, VI, “B”, CB/88. CEMITÉRIO. EXTENSÃO DE ENTIDADE DE CUNHO RELIGIOSO. 1. Os cemitérios que consubstanciam extensões de entidades de cunho religioso estão abrangidos pela garantia contemplada no artigo 150 da Constituição do Brasil. Impossibilidade da incidência de IPTU em relação a eles. 2. A imunidade aos tributos de que gozam os templos de qualquer culto é projetada a partir da interpretação da totalidade que o texto da Constituição é, sobretudo do disposto nos artigos 5º, VI, 19, I e 150, VI, “b”. 3. As áreas da incidência e da imunidade tributária são antípodas. Recurso extraordinário provido. (RE 578562 / BA, Relator:  Min. Eros Grau, Julgamento:  21/05/2008, Órgão Julgador:  Tribunal Pleno, Publicação: DJe-172  DIVULG 11-09-2008 )

c) Entidades assistenciais

Imunidade tributária. IPTU. Finalidade do bem. 1. A utilização do imóvel para atividade de lazer e recreação não configura desvio de finalidade com relação aos objetivos da Fundação caracterizada como entidade de assistência social. 2. A decisão que afasta o desvio de finalidade para o fim de assegurar a imunidade tributária com base no reconhecimento de que a atividade de recreação e lazer está no alcance dos objetivos da Fundação não agride o art. 150, § 4º, inciso VI, da Constituição Federal. 3. Recurso extraordinário conhecido, mas desprovido. (RE 236174 / SP, Relator:  Min. Menezes Direito, Julgamento:  02/09/2008,  Órgão Julgador:  Primeira Turma, Publicação DJe-202: 23-10-2008 )


Direito à saúde – Proposta de Súmula Vinculante

15 de janeiro de 2009

            Entre os legitimados para propor a edição, a revisão e o cancelamento de súmula vinculante, encontra-se o Defensor Público-Geral da União (art. 3º, inciso VI, da Lei nº 11.417/2006).

            Conforme informações do site do STF, a referida autoridade propôs um enunciado bastante relevante que envolve o direito fundamental à saúde (artigos 6º e 196 da CF). No PSV4 (Proposta de Súmula Vinculante 4), pede-se que seja reconhecida a responsabilidade solidária de União, estados e municípios no fornecimento de medicamentos e tratamento médico a pacientes carentes, quando comprovada a necessidade.

             A intenção do Defensor Público-Geral é sepultar de uma vez por todas a alegação de ilegitimidade passiva por parte dos entes federativos, a qual tem sido utilizada para tumultuar os processos, que envolvem pedidos de tratamentos e remédios.

            É interessante perceber que, segundo o Código Civil, a obrigação solidária não se presume, eis que resulta da lei ou da vontade das partes (art. 265), o que poderia dar margem a idéia de que a proposta de súmula vinculante é impertinente, afinal, em nenhum momento a Constituição usa a expressão “responsabilidade solidária”.

             Contudo, não se deve interpretar o texto da Constituição Federal à luz da legislação que lhe é subordinada. Da mesma forma, a interpretação constitucional é um trabalho que envolve mais construção do que subsunção, o que mostra o acerto do Defensor Público-Geral da União ao propor o referido enunciado, o qual se mostra plenamente em harmonia com a Lei Maior, sobretudo, quando se verifica que a saúde é um dever do Estado no sentido amplo desse termo (art. 196) e que é competência comum da União, Estados e Municípios “cuidar da saúde” (art 23, inciso II, da CF).  


Cumprimento de sentença: considerações sobre o termo inicial para pagamento e a multa do art. 475-J do CPC

7 de janeiro de 2009

 Como é de conhecimento amplo, por força da Lei n.º 11.232/2005, o Código de Processo Civil sofreu radical mudança no que toca à execução das obrigações de pagar quantia contidas em títulos judiciais.

Antes da referida lei, a atividade executiva dava-se ex intervalo por meio de um processo autônomo, caracterizado pela presença da ação executiva e da respectiva demanda instrumentalizada por petição inicial, da citação pessoal do devedor e da extinção do feito mediante sentença. Agora, a cobrança do crédito foi simplificada, eis que ocorre num módulo especial, dentro do mesmo processo em que a condenação foi proferida. Como bem registrou a processualista Ada Pellegrine Grinover:

 “A principal característica da lei – denominada de cumprimento de sentença – consiste na eliminação da figura do processo autônomo de execução fundado na sentença civil condenatória ao pagamento de quantia certa, generalizando o disposto nos arts. 461 e 461-A do CPC. Agora, a efetivação dos preceitos contidos em qualquer sentença civil condenatória se realizará em prosseguimento ao mesmo processo no qual esta for proferida.”1

 De acordo com as novas disposições do Código de Processo Civil, aquele que sofreu condenação ao pagamento de quantia certa deve pagar voluntariamente a obrigação pecuniária no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de incorrer em multa de 10% (art. 475-J, caput)

Na doutrina e na jurisprudência, discute-se intensamente o momento de início do termo a quo do aludido prazo. Sobre o tema há três correntes: a) o prazo se inicia tão logo ocorra o trânsito em julgado da sentença; b) o prazo se inicia com a intimação pessoal do devedor; c) o prazo começa a correr com a intimação por publicação em diário oficial do advogado do devedor.

Inicialmente, a Terceira Turma do STJ entendeu que, no dia seguinte ao trânsito em julgado, deveria iniciar a contagem do prazo de 15 (quinze) dias. Extrapolado o interstício sem qualquer pagamento, incidiria a multa, passando a condenação a ser automaticamente acrescida de 10%. Nesse sentido, pode ser citado o seguinte precedente: “O termo inicial do prazo de que trata o artigo 475-J, caput, do Código de Processo Civil é o próprio trânsito em julgado da sentença condenatória, não sendo necessário que a parte vencida seja intimada pessoalmente ou por seu patrono para saldar a dívida.”2

 Na doutrina, fazia-se um temperamento aos casos em que o trânsito em julgado ocorre quando o processo se encontra em grau superior de jurisdição. Nessas situações, diante da impossibilidade fática de se pagar pela ausência física do próprio processo, o prazo seria contado do momento em que há a intimação das partes acerca do retorno dos autos. Esse entendimento foi sustentado por Humberto Teodoro Júnior:

 “O prazo de cumprimento de voluntário independe de citação ou intimação do devedor. […]. Um problema a ser enfrentado surge quando a condenação transita em julgado com os autos ainda no tribunal. Enquanto não baixados, haverá um obstáculo judiciário ao depósito devido pela parte, o que recomenda, segundo a sistemática geral do Código, a suspensão da fluência do prazo do art. 475-J, até que os autos retomem ao juízo de origem e nele as partes sejam intimadas do fato”3.

Atualmente, o Superior Tribunal de Justiça, por meio de sua Corte Especial, firmou jurisprudência em prol da tese de que é necessária, pelo menos, a intimação do advogado da parte devedora para que se inicie o termo a quo da multa. Eis um precedente que ilustra bem essa nova diretriz interpretativa: A Corte Especial do STJ pacificou a matéria referente ao termo inicial do prazo de quinze dias, para a incidência da multa prevista no art. 475-J do CPC, entendendo que, além do trânsito em julgado, é necessária a intimação do advogado, para cumprimento da sentença (REsp 940274/MS, Rel. Min. Min. Humberto Gomes de Barros, Rel. p/ Acórdão Min. João Otávio de Noronha, Corte Especial, DJe 31.5.2010)”.4

A necessidade de intimação do advogado do devedor para que ocorra o início do termo a quo do prazo de 15 (quize) dias, de certa forma, retarda o processo retirando a necessária celeridade buscada pelo legislador ao suprimir o processo autônomo de execução. Porém, a providência é justa, prestigiando o princípio do contraditório.

1 GRINOVER, Ada Pellegrine. “Cumprimento da sentença”. Revista Jurídica. Ano 55, nº 359, setembro de 2007, p. 13.

2STJ, AgRg no Ag 1064918/RS, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em 21/10/2008, DJe 18/11/2008.

3JÚNIOR, Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil, vol. 2, 44 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 48

4 STJ, AgRg no REsp 1264045/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 11/10/2011, DJe 18/10/2011.


A Emenda Constitucional nº 57/2008: convalidação dos atos de criação de Municípios

2 de janeiro de 2009

            Cheguei a acreditar que, no ano de 2008, o Congresso Nacional não emendaria a nossa vintenária Constituição. Quase me convenci que estava correto, afinal, o noticiado projeto de emenda que aumentaria o número de vereadores teve sua promulgação negada pela Mesa da Cârama dos Deputados, o que criou um grande impasse político e jurídico a ser resolvido em breve pelo STF.

              O certo é que, em matéria de emendas constitucionais, o Congresso brasileiro é surpreendente. E isso mais uma vez se confirmou. Nos últimos momentos da sessão legislativa de 2008, foi aprovada a Emenda Constitucional nº 57, de 18 de dezembro de 2008, que trata da convalidação dos atos de criação, fusão, desmembramento e incorporação de Municípios.

               Como todos sabem, inúmeros Municípios foram criados após a vigência da Constituição Federal em flagrante violação ao art. 18, § 4º, da CF, seja por terem sido instituídos por normas de Constituições Estaduais (e não por lei estadual) ou sem a realização de plebiscito. A questão se tornou ainda mais complexa após a vigência da EC nº 15/96, que passou a exigir lei complementar fixando os prazos para a criação de Municípios, a qual nunca foi promulgada. 

                Nesse contexto, a recente EC nº 57/2008 constitui uma espécie de “anistia” aos Municípios criados à margem da Constituição Federal, estando intimamente ligada à decisão tomada pelo STF na ADI 3.682. Nesse importante julgado, fixou-se o prazo de 18 meses (contados de 09 de maio de 2007) para o Congresso elaborar a lei complementar autorizadora prevista no art. 18, § 4º, da CF.  Sobre o tema, escrevemos o post “O problema da criação de Municípios após a EC nº 15/96″. Contudo, apesar de aprovado pelo Senado, o referido projeto de lei complementar parece ter sido engavetado na Câmara. Penso eu que os deputados perceberam que o referido projeto de lei poderia dar azo a uma proliferação de novos Municípios, razão pela qual o engavetaram, tratando a questão por meio de emenda apenas para convalidar os atos de criação publicados até dezembro de 2006, mas sem permitir a gênese de novos entes federativos.

                  O interessante na Emenda nº 57/2008 é que ela não convalida os atos de criação ou desembramento de todo e qualquer Município. Na realidade, apenas os  que foram criados até dezembro de 2006 serão convalidados e desde que tenham sidos obedecidos os requisitos estabelecidos na legislação estadual vigente à época de sua instituição. É como se até dezembro de 2006 o parâmetro de criação de Municípios fosse a legislação estadual e não a Constituição Federal.