Procedimento possessório e Código Civil: o fim da exceção de domínio

30 de julho de 2011

1. O problema

 No Direito Processual Civil brasileiro, a exceção de domínio nos procedimentos possessórios é um tema que, há décadas, desperta intensa controvérsia. Imaginemos que uma pessoa, alegado ser possuidora, interponha demanda de reintegração de posse e o réu, na contestação, defenda-se afirmando que esbulhou o bem por ser dono da coisa. É possível alegar o domínio em demanda possessória? Tal defesa não esvaziaria a razão de ser desses procedimentos, qual seja, a proteção da posse pela posse?

 2. A exceção de domínio antes do Código Civil de 2002

 Ao tratar  da defesa da posse, o Código Civil  de 1916 disciplinou a exceção de domínio em seu art. 505, nestes termos:  “Não obsta à manutenção, ou reintegração na posse, a alegação de domínio, ou de outro direito sobre a coisa. Não se deve, entretanto, julgar a posse em favor daquele a quem evidentemente não pertencer o domínio.”

O  art. 505 do Código Civil era confunso e contraditório. Com efeito,  a parte incial do dispositivo ordenava que fosse ignorada eventual exceção de domínio; contudo, a parte final do dispositivo, determinava a improcedência do pedido se o possuidor não tivesse o domínio.  Ao interpretar esse dispositivo, o Supremo Tribunal Federal tentou harmonizá-lo, fixando os seguintes entendimentos :

a) se a posse é postulada pelo autor com base no domínio, é lícito ao réu apresentar defesa baseada também no domínio. Com base nessa premissa, o Plenário do STF, em 03 de dezembro de 1969, editou a súmula 487, segundo a qual “Será deferida a posse a quem, evidentemente, tiver o domínio, se com base neste for ela disputada.” A rigor, nesse caso, não há uma demanda possessória, mas uma demanda petitória, pois, desde logo, a posse é postulada com base na propriedade.

 b) sendo a posse duvidosa, é licito apreciar o caso sob a ótica do domínio. Nesse sentido, veja-se o Recurso Extraordinário n. 63.080, relatado pelo Ministro Aliomar Baleeiro: “Decidindo acerca da aparente antinomia dos dois períodos do art. 505, do Código Civil, a jurisprudência do STF já assentou que a exceção de domínio e aceitável quando os litigantes disputam a posse a título de proprietários ou quando tal posse é duvidosa em relação a qualquer deles.” (RE 63080, Segunda Turma, julgado em 21/11/1967, DJ 22-03-1968).

Com a Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973, foi instituído o novo Código de Processo Civil. Em seu art.923, a nova lei tratou da exceção de domínio sem trazer grandes novidades. Com efeito, permitia-se expressamente o juiz julgar em a demanda em prol daquele “a quem evidentemente pertencer o domínio”. Assim, por ser uma lei posterior, para parte da doutrina sustentou que esse do dispositivo processual revogou tacitamente o art. 505 do Código Civil de 1916.

Pouco tempo após a vigência do atual CPC, surge a Lei n. 6.820, de 16 de setembro de 1980, que promoveu uma alteração no art. 923 do CPC. Como resultado dessa lei, foi abolida a possibilidade de o juiz julgar em a demanda em prol daquele “a quem evidentemente pertencer o domínio”. Portanto, o entendimento que deveria ter prevalecido era o da extinção da exceção de domínio nos procedimentos possessórios. Contudo, mesmo após essa lei, eram comuns julgados admitindo o manejo da exceção de domínio com base no art. 505 do Código Civil de 1916.

3. O fim da exceção de domínio nos procedimentos possessórios

Com o advento do novo Código Civil, a exceção de domínio, em procedimentos possessórios, deixou de existir. Com efeito, o dispositivo que trata do tema tem a seguinte redação: “não obsta à manutenção ou reintegração na posse a alegação de propriedade, ou de outro direito sobre a coisa” (art. 1.210, § 2º).”

Portanto, após o Código Civil de 2002, não mais há a possibilidade de se alegar o domínio para como defesa em face de ação possessória. Segundo o processualista Costa Machado, “ao assim dispor, o novo Código Civil retirou, por completo, a relevância da exceção de domínio, dando ênfase total à situação possessória” (Código de Processo Civil Interpretado – Artigo por artigo, 7ª ed., 2008, p. 1.291).

Por isso, na I Jornada de Direito Civil promovida pelo CJF/STJ foi  aprovado o enunciado 79, dotado do seguinte teor: “A exceptio proprietatis, como defesa oponível às ações possessórias típicas, foi abolida pelo Código Civil de 2002, que estabeleceu a absoluta separação entre os juízos possessório e petitório”.

Na realidade, só é lícita a exceção de domínio, quando a o autor da ação, desde logo, disputa a posse com base na propriedade, situação em que, a rigor não há uma demanda possessória, mas uma ação petitória. Se apenas o réu, na possessória, afirma ser proprietário, não deve o juiz conhecer dessa questão.

Por isso, “tendo em vista a não-recepção pelo novo Código Civil da exceptio proprietatis (art. 1.210, § 2º) em caso de ausência de prova suficiente para embasar decisão liminar ou sentença final ancorada exclusivamente no ius possessionis  deverá o pedido ser indeferido e julgado improcedente, não obstante eventual alegação e demonstração de direito real sobre o bem litigioso” (Enunciado 78 da I Jornada de Direito Civil).


A previsível morte de Amy Winehouse

25 de julho de 2011

Em 17 de abril de 2009, escrevi um post sobre Amy Winehouse (Londres, 14 de setembro de 1983 – Londres, 23 de julho de 2011). Procurei mostrar, por meio de fotos, como as drogas podem acabar com a beleza e a carreira de uma grande artista.

Naquela ocasião, deixei claro que a morte de Amy era algo previsível, dada a intensidade com que ela ingeria drogas e bebidas alcoólicas. No final daquele texto, escrevi as seguintes palavras, um tanto pessimistas, sobre o futuro da cantora inglesa: “[…] não é preciso ser um profeta para prever que o instinto destrutivo de Amy talvez acabe, de forma precoce, com uma carreira formidável que está apenas começando.”

No último sábado (23/07/2011), Amy concretizou seu previsível destino. Em sua residência, em Londres, morreu, aos 27 anos, no auge da carreira, devido a uma overdose de drogas. Não especularei, aqui, os motivos que levam uma jovem e promissora artista a destruir sua existência. Certamente, experiências negativas durante a infância, problemas familiares e até causas biológicas podem ser colocadas no caldeirão de motivos que levaram Amy ao vício letal.

Com esse trágico  fim, Amy entra para o rol de músicos influentes, cujas vidas foram ceifadas, direta ou indiretamente, devido ao uso exagerado de drogas. Ao lado dela, podemos encontrar o lendário guitarrista Jimi Hendrix, o cantor Jim Morrison e o vocalista do Nirvana Kurt Cobain. Mais do que nunca, permanecem atuais os versos de Cazuza: “meus heróis morreram de overdose/ meus inimigos estão no poder”.


O princípio da boa-fé objetiva e seus desdobramentos: “venire contra factum proprio”, “supressio”, “surrectio” e “tu quoque”

17 de julho de 2011

O princípio da boa-fé objetiva tem raiz no Direito alemão, na famosa expressão treu und glauben. Literalmente, essas expressões podem ser traduzidas ao português como “lealdade” e “confiança”. Na linguagem jurídica, aquelas palavras foram incorporadas ao Direito brasileiro com a denominação “boa-fé objetiva”, positivada no art. 422 do Código Civil.

Em termos gerais, a boa-fé objetiva é uma cláusula geral que impõe o dever de as partes manterem um padrão de comportamento marcado pela lealdade, honestidade, cooperação, de modo que uma não se lese a legítima confiança depositada pela outra. O princípio da boa-fé objetiva possui diversos desdobramentos ou funções reativas: a) venire contra factum proprio; b) supressio; c) surrectio; d) tu quoque.

O desdobramento matriz da boa-fé objetiva é a regra proibitiva, de origens medievais, denominada venire contra factum proprio. Essa expressão, literalmente, pode ser traduzida como a proibição de “vir contra fato que é próprio”. Tecnicamente, em nome da segurança e da confiança, veda-se que um agente, em momentos diferentes, adote comportamentos contraditórios entre si, prejudicando outrem.

O art. 330 do Código Civil é exemplo de dispositivo legal do quel se extrai norma derivada do venire contra factum proprio. De acordo com essa artigo, o pagamento reiteradamente feito em outro lugar faz presumir renúncia tácita do credor relativamente ao previsto no contrato.  Assim, se o contrato previu que Campina Grande seria o local do pagamento, mas, durante certo período, o credor aceitou que o pagamento fosse feito em João Pessoa, ele não poderá alegar que o devedor cometeu ato ilícito. Haverá o supressio do direito de o credor receber em Campina Grande e o surrectio do direito do devedor pagar em João Pessoa.

Nesse contexto, fica claro que o supressio e o surrectio são faces da mesma moeda ou derivações do venire contra factum proprio. O supressio se consuma quando a parte, ao deixar de exercer um direito, por determinado espaço de tempo, vem a perdê-lo devido à consolidação de situação favorável à outra parte, beneficiada pela surrectio. Quando uma parte perde um direito, sofre supressio; consequentemente, outra parte ganha algo, ocorrendo o surrectio.

Como desdobramento da boa-fé objetiva, podemos também citar o tu quoque. Trata-se de uma partícula extraída da célebre frase dita Júlio César ao ser apunhalado, covardemente e de surpresa, por seu filho: tu quoque Brutus filie mi (“até tu Brutos, filho meu”). Assim, o tu quoque, quando aplicado na relação privada, pretende evitar a quebra da confiança pelo comportamento marcado pela surpresa ou ineditismo.

A exceção de contrato não cumprido (exceptio non adimpleti contractus) é exemplo tu quoque. Segundo o art. 476, nos contratos bilaterais, antes de cumprida a sua obrigação, uma parte não pode exigir o implemento da obrigação do outro. Imagine-se um contrato de empreitada, segundo o qual uma pessoa se obriga a entregar materiais para que outrem realize certa obra. Nesse caso, o contratante interpõe uma ação, exigindo que o contrato entregue a obra, sem ao menos ter entregado os materiais. Fica clara a possibilidade de a outra parte apresentar contestação, contendo a exceção do contrato não cumprido. Quando o dono da obra entrega os materiais defeituosos ou insuficientes, a defesa será a exceptio rite adimpleti contractus.

Todos os desdobramentos da boa-fé objetiva são instrumentos essenciais para a resolução das mais variadas questões jurídicas. Compreendê-los é a ordem do dia no Direito Privado.


A prisão preventiva na Lei nº 12.403/2011: a concretização do princípio da proporcionalidade no processo penal

7 de julho de 2011

I. Contextualização

Há poucos dias entrou em vigor a Lei nº 12.403, de 04 de maio de 2011. A finalidade do novel diploma foi alterar dispositivos do Código de Processo Penal, “relativos à prisão processual, fiança, liberdade provisória, demais medidas cautelares, e dá outras providências”.

Embora possa ser considerada inovadora por prever novas medidas cautelares e ressuscitar o instituto da fiança, a idéia central do legislador é velha, pelo menos para os que acompanham a jurisprudência do STF. Com efeito, buscou-se tornar claro que a prisão preventiva é exceção, devendo apenas ser decretada, de forma fundamentada, em casos extremos (concretização judicial do princípio da proporcionalidade).

Como exemplo dessa jurisprudência, veja-se o julgamento do HC 95009-SP, impetrado em favor de Daniel Dantas. Nesse julgado, o Ministro Eros Grau, ao fundamentar a concessão de liberdade ao banqueiro, assentou que “antes do trânsito em julgado da sentença condenatória a regra é a liberdade; a prisão, a exceção. Aquela cede a esta em casos excepcionais. É necessária a demonstração de situações efetivas que justifiquem o sacrifício da liberdade individual em prol da viabilidade do processo.”

Com a Lei nº 12.403, de 04 de maio de 2011, essa linha de pensamento, estará ao alcance de todos, podendo servir não apenas aos que possuem dinheiro suficiente para ingressar com um habeas corpus nos tribunais superiores, como também aos pobres desvalidos que aparecem diariamente nas páginas policiais  e nos programas locais sensacionalistas.

II. As novas medidas cautelares

A Lei nº 12.403/2011 promoveu uma revolução no âmbito das medidas cautelares processuais penais. Como é de conhecimento amplo, as medidas cautelares são provimentos judiciais que buscam garantir a efetividade do processo. Imagine-se que um réu encontra-se solto, ameaçando testemunhas e peritos. É evidente que sua liberdade está atrapalhando a instrução do processo penal, razão pela qual a decretação de prisão preventiva (medida cautelar) é essencial para garantir a efetividade da jurisdição.

Com a nova lei, são previstas, no art. 319, novas medidas cautelares, tais como a “suspensão do exercício de função pública”,  a“proibição de ausentar-se do país” ou a “monitoração eletrônica”. Assim, se houver provas de que um réu poderá fugir, impedindo a aplicação da lei penal, ao invés da prisão, poderá ser determinado seu monitoramento eletrônico. Segundo a doutrina, o art. 319 traz um rol exemplificativo, podendo o juiz, de acordo com o poder geral de cautela, determinar outras medidas para além daquelas previstas em lei.

Nesse contexto, o legislador claramente inspirou-se no princípio da proporcionalidade (também conhecido como “proibição do excesso”). De acordo com esse postulado normativo, as restrições a direitos fundamentais, a exemplo da liberdade, devem ser excepcionais, proibindo-se o excesso. Se uma medida menos gravosa (p. ex., monitoramento eletrônico) pode atingir a finalidade (efetividade do processo), não é lícito determinar uma providência mais dura, como a prisão preventiva.

A concretização do princípio da proporcionalidade fica clara quando se lê o art. 282, caput, do CPP, segundo o qual: “Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a: I – necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais; II – adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado”.

III – A novo perfil da prisão preventiva

A prisão preventiva é mais grave medida cautelar a que pode ser submetido o indivíduo, razão por que “será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (art. 319)” (art. 282, § 6º, do CPP). A decretação da prisão preventiva deve observar três exigências: a) os requisitos legais; b) os pressupostos; c) os fundamentos. Todos esses elementos devem ser motivados, com elementos concretos e não com meras conjecturas.

Com a nova lei, os requisitos da preventiva tornaram-se mais rígidos, exatamente para deixar clara, mais uma vez, a excepcionalidade da medida cautelar, conforme o princípio da proporcionalidade. Ei-los: a) crime doloso apenado com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos; b) reincidência em crime doloso, salvo se, em relação à condenação anterior, entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação (art. 64, I, CP); c) crime violento praticado em circunstância doméstica ou familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução de medidas protetivas de urgência; d) caso de dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou ausência de fornecimento de elementos suficientes para esclarecê-la.

Em relação aos pressupostos, não há novidade. Permanece a exigência de prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria (art. 312, caput, parte final, CPP). Por fim, os fundamentos (motivos) são os seguintes (312, caput, primeira parte, e art. 312, parágrafo único, CPP): a) garantia da ordem pública; b) garantia da ordem econômica; c) conveniência da instrução criminal; d) assegurar a aplicação da lei penal; e) descumprimento de obrigação imposta por força de outra medida cautelar (art. 282, § 4º, CPP).

IV. A polêmica

Nos jornais, está sendo propalada a notícia de que, por força da nova lei, milhares de presos serão postos em liberdade. De fato, isso poderá ocorrer. Contudo, é apenas a conseqüência lógica de uma lei que concretiza os direitos fundamentais de forma clara e objetiva.

No Brasil, a prisão preventiva é um instituto banalizado. Muitos juizes a decretam sem a observância dos requisitos, pressupostos e fundamentos, o que equivale a transformá-la em uma pena antecipada. Por outro lado, nos casos de flagrante delito, muitas pessoas são mantidas indevidamente presas, em descompasso com regra segundo a qual a liberdade provisória se impõe, quando não estiverem presentes os requisitos da preventiva.

Nesse contexto, a liberalização em massa de presos ocorrerá pelo fato de que não cabe a prisão preventiva e, portanto, a manutenção do flagrante nos casos de crime doloso apenado com pena privativa de liberdade máxima inferior a 4 (quatro) anos. Como dissemos no início deste post, haverá a “democratização da liberdade”. O que antes era conseguido pelos ricos no STF será permitido aos pobres no juiz de 1ª instância.


Marcha da maconha e uniões homoafetivas: ativismo judicial ou justiça ativa?

1 de julho de 2011

Recentemente, duas decisões do STF causaram perplexidade nos setores conservadores da sociedade. Estamos falando da liberalização da chamada “marcha da maconha” (ADPF 187) e do reconhecimento dos direitos civis derivados das uniões homoafetivas (ADI 4277/DF e ADPF 132/RJ).

 As igrejas evangélicas e os católicos em geral acusaram a Suprema Corte de degradar os valores fundamentais da família cristã. Por sua vez, inúmeros constitucionalistas de nomeada alegaram que o STF promoveu o ativismo judicial.

 Em si, o ativismo judicial, quase sempre, é algo negativo. Segundo Inocêncio Mártires Coelho, o ativismo ocorre quando o exercício da função jurisdicional extrapola os limites impostos pelo próprio ordenamento jurídico. Seria uma espécie de arbitrariedade ou ditadura dos juízes. Não cremos que aqueles dois julgados concretizaram algo do gênero.

 Atualmente, a jurisdição constitucional envolve concretização e não a interpretação pura e simples. Mais uma vez, citemos o magistério de Mártires Coelho, para quem “a lei não esgota o Direito, antes exige, quando necessário, concretizá-lo para além do sentido literal dos enunciados normativos”. Assim, “a função do juiz não se resumirá a dizer um direito previamente posto e sobreposto, e tampouco a servir de mero porta-voz do legislador, como preconizava Montesquieu, que reduzia o juiz à condição de boca que pronuncia as palavras da lei, e a função de julgar, a uma espécie de prerrogativa de certo modo nula.”

 Em seu voto no julgamento da ADI 4277/DF e ADPF 132/RJ, o Ministro Celso de Mello defendeu um papel institucional pró-ativo do STF, porém não arbitrário, ao reconhecer os efeitos jurídicos das relações estáveis entre pessoas do mesmo sexo. Nesse caso, houve uma típica atuação positiva da Suprema Corte, promovendo a criação judicial do Direito. Contudo, o exercício dessa atividade deu-se nos limites da Lei Maior:

 “Nem se alegue, finalmente, no caso ora em exame, a ocorrência de eventual ativismo judicial exercido pelo Supremo Tribunal Federal, especialmente porque, dentre as inúmeras causas que justificam esse comportamento afirmativo do Poder Judiciário, de  que resulta uma positiva criação jurisprudencial do direito, inclui-se a necessidade de fazer prevalecer a primazia da Constituição da República, muitas vezes transgredida e desrespeitada, como na espécie, por pura e simples omissão dos poderes públicos”.
Na realidade, o Supremo Tribunal Federal, ao suprir as omissões inconstitucionais dos órgãos estatais e ao adotar medidas que objetivem restaurar a Constituição violada pela inércia dos poderes do Estado, nada mais faz senão cumprir a sua missão constitucional e demonstrar, com esse gesto, o respeito incondicional que tem pela autoridade da Lei Fundamental da República. Práticas de ativismo judicial, embora moderadamente desempenhadas pela Corte Suprema em momentos excepcionais, tornam-se uma necessidade institucional, quando os órgãos do Poder Público se omitem ou retardam, excessivamente, o cumprimento de obrigações a que estão sujeitos, ainda mais se se tiver presente que o Poder Judiciário, tratando-se de comportamentos estatais ofensivos à Constituição, não pode se reduzir a uma posição de pura passividade.” (Informativo 631)