Procurador Federal – Questão de direito administrativo

30 de março de 2010

Na prova objetiva do concurso de Procurador Federal, organizado pelo CESPE/UNB (2010), foi cobrado, em uma das questões de Direito Administrativo, um tema que recentemente foi objeto de comentário neste blog.

Trata-se do exercício de greve por servidor público em estágio probatório. No texto, citamos a ementa da  ADI 3235  relatada pelo Ministro Gilmar Mendes, na qual ficou assentado ser legítimo tais servidores entrarem em greve, não havendo que se falar em proibição. O conteúdo desse julgado foi cobrado nestes termos:

“É constitucional o decreto editado por chefe do Poder Executivo de unidade da Federação que determine a exoneração imediata de servidor público em estágio probatório, caso fique comprovada a participação deste na paralisação do serviço, a título de greve.”

Evidentemente, a assertiva está errada. Inegavelmente, um decreto dessa natureza é manifestamente inconstitucional, eis que viola o direito de greve e a isonomia, tal como pode ser verificado na ementa da ADI 3235.


Processo administrativo disciplinar – Decisões recentes do STF e do STJ

16 de março de 2010

Selecionei algumas decisões recentes sobre o tema “processo administrativo disciplinar”. São acórdãos que revelam entendimentos novos sobre o tema e que esclarecem dúvidas comuns. Vejamos:

1. Direito de greve em estágio probatório

1. Ação Direta de Inconstitucionalidade. 2. Parágrafo único do art. 1º do Decreto estadual n.° 1.807, publicado no Diário Oficial do Estado de Alagoas de 26 de março de 2004. 3. Determinação de imediata exoneração de servidor público em estágio probatório, caso seja confirmada sua participação em paralisação do serviço a título de greve. 4. Alegada ofensa do direito de greve dos servidores públicos (art. 37, VII) e das garantias do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV). 5. Inconstitucionalidade. 6. O Supremo Tribunal Federal, nos termos dos Mandados de Injunção n.ºs 670/ES, 708/DF e 712/PA, já manifestou o entendimento no sentido da eficácia imediata do direito constitucional de greve dos servidores públicos, a ser exercício por meio da aplicação da Lei n.º 7.783/89, até que sobrevenha lei específica para regulamentar a questão. 7. Decreto estadual que viola a Constituição Federal, por (a) considerar o exercício não abusivo do direito constitucional de greve como fato desabonador da conduta do servidor público e por (b) criar distinção de tratamento a servidores públicos estáveis e não estáveis em razão do exercício do direito de greve. 8. Ação julgada procedente. (STF, ADI 3235, Relator para o acórdão Ministro Gilmar Mendes, DJE 12/03/2010)

2. Anulação de processo disciplinar pela administração

SERVIDOR. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. Revisão da punição anteriormente imposta. Afastada a aplicação do art. 174 da Lei 8.112/1990, a revisão ex officio tem fundamento nos arts. 114 e 169 daquele diploma. Precedente: RMS 24.308-AgR, rel. min. Ellen Gracie. Anulação de todos os atos do processo e o seu reinício. Violação ao princípio do non bis in idem: inexistência. Precedente: MS 23.146, rel. min. Sepúlveda Pertence. Imparcialidade. O fato de a mesma autoridade ter praticado vários atos no processo não conduz, necessariamente, a julgamento parcial. Impedimento que deve ser alegado no momento próprio, em sede administrativa. Recurso ordinário a que se nega provimento. (STF, RMS 23922, Relator:  Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, julgado em 09/02/2010, DJe-045 DIVULG 11-03-2010)

3. Controle judicial

DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS. ANULAÇÃO DO ATO DE NOMEAÇÃO. FRAUDE AO CONCURSO. NÃO-COMPROVAÇÃO. LAUDO ESTATÍSTICO. INSUFICIÊNCIA. RECURSO PROVIDO. 1. Não há discricionariedade no ato administrativo que impõe sanção disciplinar a servidor público, pelo que o controle jurisdicional de tal ato é amplo. Precedentes do STJ. 2. A aplicação da sanção disciplinar deve estar amparada em elementos probatórios contundentes, mormente em se tratando de anulação do ato de nomeação. Não se presta para tal finalidade mera probabilidade construída a partir de laudo estatístico. 3. Recurso ordinário provido. Segurança concedida. (STJ, RMS 24.503/DF, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 15/12/2009, DJe 01/02/2010)

1. Em face dos princípios da proporcionalidade, dignidade da pessoa humana e culpabilidade, aplicáveis ao regime jurídico disciplinar, não há juízo de discricionariedade no ato administrativo que impõe sanção disciplinar a Servidor Público, razão pela qual o controle jurisdicional é amplo, de modo a conferir garantia aos servidores públicos contra eventual excesso administrativo, não se limitando, portanto, somente aos aspectos formais do procedimento sancionatório. Precedentes. (STJ, MS 13.986/DF, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, julgado em 09/12/2009, DJe 12/02/2010)


O problema da liberdade provisória nos crimes hediondos e equiparados

14 de março de 2010

1. Definição: a liberdade provisória é uma medida de contra-cautela, que substitui a prisão em flagrante, desde que o indivíduo preencha determinados requisitos, podendo ou não ficar sujeito a certas condições.

Se uma pessoa é presa em flagrante, primeiramente verifica-se se as formalidades legais foram observadas, pois se existir alguma ilegalidade formal ou material, deve-se pedir o relaxamento da prisão. Estando a prisão nos moldes legais, o advogado ou defensor deve pedir a liberdade provisória.

2. O problema: a lei dos crimes hediondos (Lei nº 8.072/90), em sua redação original, vedava expressamente a liberdade provisória, o que foi repetido pela nova lei de drogas (Lei nº 11.343/06). O problema é que, posteriormente à nova lei de drogas, surgiu a Lei nº 11.464/06, que aboliu o dispositivo que expressamente vedava a liberdade provisória nos crimes hediondos. Assim, muitos passaram a sustentar a possibilidade de liberdade provisória nos crimes hediondos e nos equiparados, a exemplo do tráfico.

3. A divergência: apesar dessa inovação legislativa, vários julgados da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal adotaram o entendimento de que a proibição da liberdade provisória decorre do próprio texto constitucional, o qual veda a fiança nos crimes hediondos e nos equiparados. Eis alguns precedentes da 1ª Turma:

“1. A proibição de liberdade provisória, nos casos de crimes hediondos e equiparados, decorre da própria inafiançabilidade imposta pela Constituição da República à legislação ordinária (Constituição da República, art. 5º, inc. XLIII): Precedentes.” (STF, HC 98548, Relatora:  Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, julgado em 24/11/2009, DJe-232)

“2. Se o crime é inafiançável e preso o acusado em flagrante, o instituto da liberdade provisória não tem como operar. O inciso II do art. 2º da Lei nº 8.072/90, quando impedia a “fiança e a liberdade provisória”, de certa forma incidia em redundância, dado que, sob o prisma constitucional (inciso XLIII do art. 5º da CF/88), tal ressalva era desnecessária. Redundância que foi reparada pelo art. 1º da Lei nº 11.464/07, ao retirar o excesso verbal e manter, tão somente, a vedação do instituto da fiança.” (STF, HC 98464, Relator:  Min. Carlos Britto, Primeira Turma, julgado em 03/11/2009)

Ocorre que a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, em recente julgado relatado pelo Ministro Eros Grau, não seguiu os precedentes no sentido de que a proibição da liberdade provisória decorre da inafiançabilidade. Na realidade, o relator expressamente consignou que essa interpretação é uma afronta “escancarada aos princípios da presunção de inocência, do devido processo legal e da dignidade da pessoa humana”. Eis a suma desse importante julgado:

3.      Apelação em liberdade negada sob o fundamento de que o artigo 44 da Lei n. 11.343/06 veda a liberdade provisória ao preso em flagrante por tráfico de entorpecentes. Entendimento respaldado na inafiançabilidade desse crime, estabelecida no artigo 5º, inciso XLIII da Constituição do Brasil. Afronta escancarada aos princípios da presunção de inocência, do devido processo legal e da dignidade da pessoa humana. 4.      Inexistência de antinomias na Constituição. Necessidade de adequação, a esses princípios, da norma infraconstitucional e da veiculada no artigo 5º, inciso XLIII, da Constituição do Brasil. A regra estabelecida na Constituição, bem assim na legislação infraconstitucional, é a liberdade. A prisão faz exceção a essa regra, de modo que, a admitir-se que o artigo 5º, inciso XLIII estabelece, além das restrições nele contidas, vedação à liberdade provisória, o conflito entre normas estaria instalado. 5.      A inafiançabilidade não pode e não deve — considerados os princípios da presunção de inocência, da dignidade da pessoa humana, da ampla defesa e do devido processo legal — constituir causa impeditiva da liberdade provisória. 6.      Não se nega a acentuada nocividade da conduta do traficante de entorpecentes. Nocividade aferível pelos malefícios provocados no que concerne à saúde pública, exposta a sociedade a danos concretos e a riscos iminentes. Não obstante, a regra consagrada no ordenamento jurídico brasileiro é a liberdade; a prisão, a exceção. A regra cede a ela em situações marcadas pela demonstração cabal da necessidade da segregação ante tempus. Impõe-se porém ao Juiz, nesse caso o dever de explicitar as razões pelas quais alguém deva ser preso cautelarmente, assim permanecendo.  Ordem concedida. (HC 101505, Relator:  Min. Eros Grau, Segunda Turma, julgado em 15/12/2009, DJe-027 DIVULG 11-02-2010 )

4. Síntese: vê-se que a questão em torno da liberdade provisória na lei de drogas e nos crimes hediondos mostra-se altamente controvertida, não havendo entendimento majoritário. Espera-se que, o quanto antes, o Plenário do Supremo Tribunal Federal fixe uma orientação jurisprudencial segura a respeito do tema.

De nossa parte entendemos que, ao vedar a liberdade provisória em determinado delito, o legislador retida do Poder Judiciário a análise de sua necessidade no caso concreto, criando-se verdadeira prisão automática para aquele que foi preso em flagrante.


Desaposentação ou renúncia à aposentadoria: precedentes do STJ e do TCU

9 de março de 2010

A desaposentação ocorre quando um segurado renuncia à aposentadoria de que goza para utilizar o tempo de serviço/contribuição que a embasa em outra jubilação mais favorável no mesmo ou em outro regime.

Atualmente, a “desaposentação” ou a renúncia à aposentadoria tem se mostrado um fenômeno comum. Muitas pessoas, que se aposentaram pelo regime geral de previdência e que trabalham em regime estatutário, almejam utilizar o tempo que fora usado no regime geral para favorecer eventual aposentadoria no regime próprio.

Em que pese a posição irredutível do INSS, o qual tem negado sistematicamente os pedidos de renúncia a aposentadorias com base no art. 181-B do Decreto nº 3.048/98, diversos acórdãos do Superior Tribunal de Justiça têm reconhecido o direito dos segurados à renúncia ou  à “desaposentação”. Vejamos dois precedentes do STJ:

“A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem reiteradamente se firmado no sentido de que é plenamente possível a renúncia à aposentadoria, por constituir direito patrimonial disponível. 3. Agravo regimental a que se nega provimento”. (AgRg no REsp 1055431/SC, Rel. Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, julgado em 15/10/2009, DJe 09/11/2009)

“PREVIDENCIÁRIO. MUDANÇA DE REGIME PREVIDENCIÁRIO. RENÚNCIA À APOSENTADORIA ANTERIOR COM O APROVEITAMENTO DO RESPECTIVO TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. POSSIBILIDADE. DIREITO DISPONÍVEL. DEVOLUÇÃO DOS VALORES PAGOS. NÃO-OBRIGATORIEDADE. RECURSO IMPROVIDO. 1. Tratando-se de direito disponível, cabível a renúncia à aposentadoria sob regime geral para ingresso em outro estatutário. 2. O ato de renunciar a aposentadoria tem efeito ex nunc e não gera o dever de devolver valores, pois, enquanto perdurou a aposentadoria pelo regime geral, os pagamentos, de natureza alimentar, eram indiscutivelmente devidos” (REsp 692.928/DF, Rel. Min. NILSON NAVES, DJ de 5/9/05). 3. Recurso especial improvido. (REsp 663.336/MG, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 06/11/2007, DJ 07/02/2008, p. 1)

Da mesma forma, o Tribunal de Contas da União reconhece a possibilidade de renúncia a aposentadoria de servidor pelo regime próprio de previdência. A única ressalva deste órgão de controle externo é a necessidade de cancelamento do registro (na hipótese de a aposentadoria renunciada ter sido oriunda do RPPS federal): “Aposentadoria já considerada legal. Renúncia à aposentadoria, visando o aproveitamento do tempo de serviço e o exercício em outro cargo público para o qual prestou concurso público. Determinação para o cancelamento do registro da aposentadoria.” (Acórdão nº 885/2003, DOU 14/05/2003)