1. Definição: a liberdade provisória é uma medida de contra-cautela, que substitui a prisão em flagrante, desde que o indivíduo preencha determinados requisitos, podendo ou não ficar sujeito a certas condições.
Se uma pessoa é presa em flagrante, primeiramente verifica-se se as formalidades legais foram observadas, pois se existir alguma ilegalidade formal ou material, deve-se pedir o relaxamento da prisão. Estando a prisão nos moldes legais, o advogado ou defensor deve pedir a liberdade provisória.
2. O problema: a lei dos crimes hediondos (Lei nº 8.072/90), em sua redação original, vedava expressamente a liberdade provisória, o que foi repetido pela nova lei de drogas (Lei nº 11.343/06). O problema é que, posteriormente à nova lei de drogas, surgiu a Lei nº 11.464/06, que aboliu o dispositivo que expressamente vedava a liberdade provisória nos crimes hediondos. Assim, muitos passaram a sustentar a possibilidade de liberdade provisória nos crimes hediondos e nos equiparados, a exemplo do tráfico.
3. A divergência: apesar dessa inovação legislativa, vários julgados da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal adotaram o entendimento de que a proibição da liberdade provisória decorre do próprio texto constitucional, o qual veda a fiança nos crimes hediondos e nos equiparados. Eis alguns precedentes da 1ª Turma:
“1. A proibição de liberdade provisória, nos casos de crimes hediondos e equiparados, decorre da própria inafiançabilidade imposta pela Constituição da República à legislação ordinária (Constituição da República, art. 5º, inc. XLIII): Precedentes.” (STF, HC 98548, Relatora: Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, julgado em 24/11/2009, DJe-232)
“2. Se o crime é inafiançável e preso o acusado em flagrante, o instituto da liberdade provisória não tem como operar. O inciso II do art. 2º da Lei nº 8.072/90, quando impedia a “fiança e a liberdade provisória”, de certa forma incidia em redundância, dado que, sob o prisma constitucional (inciso XLIII do art. 5º da CF/88), tal ressalva era desnecessária. Redundância que foi reparada pelo art. 1º da Lei nº 11.464/07, ao retirar o excesso verbal e manter, tão somente, a vedação do instituto da fiança.” (STF, HC 98464, Relator: Min. Carlos Britto, Primeira Turma, julgado em 03/11/2009)
Ocorre que a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, em recente julgado relatado pelo Ministro Eros Grau, não seguiu os precedentes no sentido de que a proibição da liberdade provisória decorre da inafiançabilidade. Na realidade, o relator expressamente consignou que essa interpretação é uma afronta “escancarada aos princípios da presunção de inocência, do devido processo legal e da dignidade da pessoa humana”. Eis a suma desse importante julgado:
3. Apelação em liberdade negada sob o fundamento de que o artigo 44 da Lei n. 11.343/06 veda a liberdade provisória ao preso em flagrante por tráfico de entorpecentes. Entendimento respaldado na inafiançabilidade desse crime, estabelecida no artigo 5º, inciso XLIII da Constituição do Brasil. Afronta escancarada aos princípios da presunção de inocência, do devido processo legal e da dignidade da pessoa humana. 4. Inexistência de antinomias na Constituição. Necessidade de adequação, a esses princípios, da norma infraconstitucional e da veiculada no artigo 5º, inciso XLIII, da Constituição do Brasil. A regra estabelecida na Constituição, bem assim na legislação infraconstitucional, é a liberdade. A prisão faz exceção a essa regra, de modo que, a admitir-se que o artigo 5º, inciso XLIII estabelece, além das restrições nele contidas, vedação à liberdade provisória, o conflito entre normas estaria instalado. 5. A inafiançabilidade não pode e não deve — considerados os princípios da presunção de inocência, da dignidade da pessoa humana, da ampla defesa e do devido processo legal — constituir causa impeditiva da liberdade provisória. 6. Não se nega a acentuada nocividade da conduta do traficante de entorpecentes. Nocividade aferível pelos malefícios provocados no que concerne à saúde pública, exposta a sociedade a danos concretos e a riscos iminentes. Não obstante, a regra consagrada no ordenamento jurídico brasileiro é a liberdade; a prisão, a exceção. A regra cede a ela em situações marcadas pela demonstração cabal da necessidade da segregação ante tempus. Impõe-se porém ao Juiz, nesse caso o dever de explicitar as razões pelas quais alguém deva ser preso cautelarmente, assim permanecendo. Ordem concedida. (HC 101505, Relator: Min. Eros Grau, Segunda Turma, julgado em 15/12/2009, DJe-027 DIVULG 11-02-2010 )
4. Síntese: vê-se que a questão em torno da liberdade provisória na lei de drogas e nos crimes hediondos mostra-se altamente controvertida, não havendo entendimento majoritário. Espera-se que, o quanto antes, o Plenário do Supremo Tribunal Federal fixe uma orientação jurisprudencial segura a respeito do tema.
De nossa parte entendemos que, ao vedar a liberdade provisória em determinado delito, o legislador retida do Poder Judiciário a análise de sua necessidade no caso concreto, criando-se verdadeira prisão automática para aquele que foi preso em flagrante.