Há exatos dez anos, as páginas do Diário Oficial da União continham a publicação da Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que instituiu o novo Código Civil. Após o decurso de vacatio legis de um ano, o novo Código Civil entrou em vigor em 11 de janeiro de 2003.
O atual Código Civil veio à lume para substituir primeiro Código Civil brasileiro (Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916), cujo trabalho de elaboração coube ao jurista cearense e professor da faculdade de Direito do Recife Clóvis Beviláqua. Projetado para uma sociedade rural e partriarcalista, o Código de 1916 tinha um espírito fortemente individualista, baseando-se nos princípios liberais clássicos da propriedade privada quase que absoluta e na autonomia privada irrestrita. Na seara do Direito de Família, a legislação colocava o homem em posição de preponderância em relação à mulher, consagrando a família constituído pelo casamento como a única a merecer proteção do Estado.
Evidentemente, o Código de Beviláqua não tardou em envelhecer, diante de fenômenos como a urbanização, a emanciapação da mulher e a sociedade de massas. Considerando seu caráter caduco, o Governo militar, já em 1969, formou comissão para elaborar um projeto de Código Civil, cabendo ao jurista Miguel Reale a presidência dessa empreitada, que contou com outros nomes de peso, a exemplo do Ministro aposentado do STF Moreira Alves. Em 1973, essa comissão publicou o Anteprojeto de Código Civil, fortemente influenciado pelo Direito Privado iltaliano. Somente em 1975, o Projeto de Lei n.º 634/1975 foi para o Congresso Nacional, passando por uma longa e infrutífera tramitação.
Enquanto o projeto dormia nas gavetas do Congresso, o velho Código permaneceu em vigor e o legislador começou a criar microssistemas protetivos para a mulher, a criança e adolescente, para o consumidor. Surge a Constituição Federal de 1988, revitalizado o Direito Privado e o projeto de novo Código Civil continuara andando a passos de formiga no parlamento. Eis que, sob a presidência de Fernando Henrique Cardoso, o Congresso Nacional retoma o seu exame e o aprova em 2002. Nessa nova iniciativa de aprovação do Código, muitas emendas foram feitas ao velho projeto a fim de adequá-lo ao texto constitucional de 1988.
Segundo Miguel Reale, “a nova Lei Civil preservou numerosas contribuições valiosas da codificação anterior, só substituindo as disposições que não mais correspondiam aos valores ético-jurídicos da nossa época, operando a necessária passagem de um ordenamento individualista e formalista para outro de cunho socializante e mais aberto à recepção das conquistas da ciência e da jurisprudência”. (REALE, Miguel. O novo Código Civil e seus críticos).
É certo que muitas críticas podem ser feitas ao Código de 2002. Tão logo promulgado vários juristas taxaram-no de “desatualizado”. Em todo caso, o grande legado da nova legislação foi apresentar cláusulas gerais como a boa-fé e a função social dos contratos, as quais constituem fontes inesgotáveis de normas essenciais para a vitalidade do sistema jurídico. Da mesma forma, o Direito de Família passou a ter um perfil menos patrimonialista, calcando-se na dignidade da pessoa humana. Nesse contexto, o novo Código promoveu uma renovação doutrinária e jurisprudencial, podendo ser destacada a grande quantidade de obras e estudos publicados nos últimos dez anos acerca das inovações da nova lei.