I – Introdução: inovações da EC n. 41/2003 em matéria de proventos
No presente post, abordaremos um tema relacionado aos regimes próprios de previdência social. Trata-se dos desdobramentos do julgamento da ADI n. 4582-RS em relação à atualização dos proventos de servidores inativos sem paridade.
Historicamente, o regime de aposentadorias e pensões dos servidores públicos teve como pilares os institutos da integralidade e da paridade, os quais, sob o ângulo prático, garantiam que os proventos dos inativos fossem um espelho do contracheque dos servidores em atividades. Grosso modo, o instituto da integralidade garantia que todas as aposentadorias fossem calculadas com base na última remuneração do servidor. Por sua vez, a paridade permitia que proventos fossem atualizados de forma isonômica em relação aos servidores em atividade.
Com o advento da EC n. 41/2003, a nova redação dada ao art. 40, § § 3º e 8º, da CF não mais previu a integralidade e paridade para os novos servidores. Segundo o § 3º do art. 40, o cálculo das aposentadorias deve ser feito considerando-se “as remunerações utilizadas como base para as contribuições do servidor aos regimes de previdência de que tratam este artigo e o art. 201, na forma da lei”, o que deu origem ao cálculo pela média aritmética, disciplinado pelo art. 1º da Lei n. 10.887/2004. Por sua vez, o § 8º do art. 40 estabelece que o reajuste dos benefícios concedidas com base na EC n. 41/2003 dar-se-á a apenas “para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real, conforme critérios estabelecidos em lei”
Observe-se que, após a EC n. 41/2003, os institutos da paridade e a integralidade sofreram duros golpes. Na prática, apenas não desapareceram pelo fato de que disposições transitórias os garantiram a grupos limitados de sujeitos: a) servidores ocupantes de cargos efetivos com direito adquirido à norma concessória anterior à EC n. 41/2003; b) servidores ocupantes de cargos efetivos que conseguem se enquadrar nas regras de transição do art. 6º da própria EC n.. 41/2003 e do art. 3º pela Emenda Constitucional n. 47/2005.
II – A regulamentação da EC n. 41/2003 em relação aos reajustes de aposentadorias e pensões
Ao versar sobre o reajuste de aposentadorias e pensões, a Constituição Federal estabeleceu, em seu art. 40, § 8º, duas coordenadas normativas: a) preservação do valor real; b) observância de critérios estabelecidos em lei. A regulamentação desse dispositivo coube ao art. 15 da Lei n. 10.887/2004, o qual, em sua redação original, estabeleceu que as aposentadorias e pensões do RPPS “serão reajustados na mesma data em que se der o reajuste dos benefícios do regime geral de previdência social.” Assim, caberia à União, ao Distrito Federal e aos Estados e aos Municípios determinar anualmente os índices de reajustes dos RPPS respectivos, observando-se apenas a data base do RGPS.
Ocorre que muitos entes da Federação solenemente ignoraram a previsão de reajustes anuais, o que causou uma verdadeira fossilização dos proventos dos servidores inativos sem paridade. Com a finalidade de regulamentar essa situação, o Ministério da Previdência Social editou a Orientação Normativa n. 03/2004, possibilitando a utilização do índice do regime geral em caráter supletivo (art. 65, parágrago único). No julgamento de mandado de segurança movido por servidor inativo do TCU contra ato omissivo desse órgão, o STF entendeu válido o critério da ON n. 03/2004:
Exercício de 2005. Índice. Falta de definição pelo TCU. Adoção do índice aplicado aos benefícios do RGPS. Direito líquido e certo ao reajuste. MS concedido para assegurá-lo. Aplicação do art. 40, § 8º, da CF, cc. art. 9º da Lei nº 9.717/98, e art. 65, § único, da Orientação Normativa nº 3 de 2004, do Ministério da Previdência Social. Inteligência do art. 15 da Lei nº 10.887/2004. Servidor aposentado do Tribunal de Contas da União tem direito líquido e certo a reajuste dos proventos na ordem de 5,405%, no exercício de 2005. (STF, MS 25871, Relator: Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, julgado em 11/02/2008).
Embalado por esse precedente, o legislador ordinário resolver modificar o art. 15 da Lei n. 10.887/2004, o que foi feito pela Lei n. 11.784/2008.Após essa alteração legislativa, as aposentadorias e as pensões regidas pela EC n. 41/2003 (sem paridade) passaram reajustadas na mesma data e índice em que se der a atualização dos benefícios do regime geral de previdência social, o que foi positivo para os aposentados e pensionistas, que passaram a ter previsibilidade e segurança em seus reajustes.
III – Do inconformismo dos regimes próprios
Ao obrigar Estados e Municípios a aplicarem os mesmos percentuais de reajustes dos benefícios do RGPS, a nova redação do art. 15 da Lei n. 10.887/2004 causou profunda inquietação. Sob a alegação de que a norma violou o pacto federativo, a ABIPEM moveu uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4394), que acabou extinta por ilegitimidade ad causam da autora. Posteriormente, o Governador do Estado do Rio Grande do Sul moveu outra ADI contra o mesmo dispositivo (ADI 4582). No dia 19/09/2011, o STF apreciou essa ação e concedeu medida cautelar para suspender os efeitos do art. 15 da Lei n. 10.887/2004. Considerou-se plausível a inconstitucionalidade da norma, eis que evidenciada a violação à autonomia dos Estados e Municípios e à regra de competência segundo a qual cabe a União, em matéria de regimes próprios, fixar apenas as normas gerais.
IV – Conseqüências do julgamento da ADI 4582-RS
Como a suspensão dos efeitos de uma norma em sede de controle abstrato importa na repristinação da norma anterior (art. 11, § 2º, da Lei n. 9.868/1999), voltou das cinzas ao mundo jurídico a redação original do art. 15 da Lei n. 10.887/2004. Assim, os Estados e Municípios estão somente obrigados a seguir a data de reajustes dos benefícios do RGPS, cabendo a cada ente fixar o índice que melhor lhe aprouver. Caso não seja editada lei instituindo o reajuste anual, as unidades gestoras do RPPS respectivo nada poderão fazer, sob pena de violação ao princípio da legalidade.
Em todo caso, parece-nos aplicável o entendimento firmado pelo STF no MS 25871, relatado pelo Min. Cezar Peluso. De acordo com esse precedente, diante da inércia do ente federativo em instituir índice de reajuste, é lícito o Poder Judiciário aplicar o do RGPS, sem que se possa alegar violação à Súmula n. 339. (“Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob fundamento de isonomia”).