Aspectos criminais do confronto entre a polícia e estudantes no campos de história da USP

28 de outubro de 2011

No dia 27 de outubro de 2011, a sociedade brasileira assistiu perplexa à cena protagonizada por estudantes que tentaram impedir a polícia de prender em flagrante três pessoas que portavam drogas na  Universidade de São Paulo – USP. Sobre o fato algumas considerações jurídicas devem ser feitas à luz do Direito Penal.

 No Brasil, a posse da maconha (Cannabis sativa), ainda que para uso próprio, constitui delito. O tipo penal respectivo encontra-se descrito no art. 28 da Lei n. 11.343, de 23 de agosto de 2006. De acordo com esse dispositivo repressivo, é crime sujeito a penas alternativas “adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal” substâncias consideradas ilícitas por determinação legal ou regulamentar. A maconha contém substâncias listadas na Portaria SVS/MS n.º 344/99, razão por que portá-la, mesmo que para uso pessoal, configura o crime do art. 28 da Lei de Drogas.

De acordo com o art. 48, § 2º, Lei n. 11.343/2006, aquele que for flagrado portando ou consumido drogas não deve ser encarcerado; na realidade, o portador-usuário deve ser conduzido para um órgão judicial, iniciando-se contra ele processo-crime regido pela Lei n. 9.099/1995. Ao final, o réu sujeitar-se-á às condições decorrentes da suspensão do processo (“sursis processual”) ou será condenado a penas alternativas.

Na realidade, infração mais grave comete quem impede o trabalho da polícia, tal como fez a turba de discentes da USP, a qual tentou obstar a prisão em flagrante dos três estudantes. Trata-se do crime de resistência descrito no art. 329 do Código Penal: “Opor-se à execução de ato legal, mediante violência ou ameaça a funcionário competente para executá-lo ou a quem lhe esteja prestando auxílio: Pena – detenção, de 2 (dois) meses a 2 (dois) anos.”

Na espécie, é possível que o crime de resistência ocorra em concurso material com os delitos de lesão corporal e desacato, tal como já decidiu o TRF da 1ª Região: “Os delitos de desacato, resistência e lesão corporal de natureza leve possuem natureza autônoma, havendo possibilidade de concurso material entre eles. Precedente do STJ.”

O lamentável episódio da USP mostra como os estudantes universitários encontram-se sem bandeiras de luta. Ao verem policiais no campus, em vão tentaram reviver as lutas contra a repressão do regime militar. Ocorre que, diante do caráter criminoso do consumo de drogas, a ação dos agentes públicos não foi arbitrária; pelo contrário,  decorreu do estrito cumprimento do dever legal.

Na realidade, o que almejam os estudantes é o privilégio de fumar maconha sem serem perturbados pelo Estado. Nada contra a discussão aberta e democrática da descriminalização do consumo pessoal das drogas, seja no meio acadêmico seja por meio de manifestações populares. O que deve ser proscrita é a violência gratuita e ilegítima.


Ementas da ADPF n. 132-RJ e da ADI n. 4277-DF – Uniões homoafetivas

21 de outubro de 2011

Recentemente, foram publicadas no Diário da Justiça da União as ementas da ADPF n. 132-RJ e da ADI n. 4277-DF, relatadas pelo Ministro Ayres Britto. Nesses célebres julgados, a Suprema Corte conferiu interpretação conforme a Constituição ao art. 1.723 do Código Civil para permitir o reconhecimento de uniões estáveis constituídas por pessoas do mesmo sexo.

Trata-se da mais importante e polêmica sentença de perfil aditivo emitida pelo STF. Sentenças de perfil aditivo são aquelas que, com base em interpretação conforme a constituição calcada no princípio da igualdade, ampliam o sentido da norma para contemplar sujeitos e situações não previstos pelo legislador. Tais decisões servem para corrigir as omissões inconstitucionais parciais e revelam um posicionamento ativista do Poder Judiciário.

Em linhas gerais, o histórico julgamento confirmou, mais uma vez, uma curiosa tendência no sentido de que a mais alta cúpula do Poder Judiciário está à esquerda do Poder Legislativo, o qual, nos últimos anos, converteu-se num reduto conservador. Eis a síntese dos julgados:

1. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF). PERDA PARCIAL DE OBJETO. RECEBIMENTO, NA PARTE REMANESCENTE, COMO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. UNIÃO HOMOAFETIVA E SEU RECONHECIMENTO COMO INSTITUTO JURÍDICO. CONVERGÊNCIA DE OBJETOS ENTRE AÇÕES DE NATUREZA ABSTRATA. JULGAMENTO CONJUNTO. Encampação dos fundamentos da ADPF nº 132-RJ pela ADI nº 4.277-DF, com a finalidade de conferir “interpretação conforme à Constituição” ao art. 1.723 do Código Civil. Atendimento das condições da ação.

2. PROIBIÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO DAS PESSOAS EM RAZÃO DO SEXO, SEJA NO PLANO DA DICOTOMIA HOMEM/MULHER (GÊNERO), SEJA NO PLANO DA ORIENTAÇÃO SEXUAL DE CADA QUAL DELES. A PROIBIÇÃO DO PRECONCEITO COMO CAPÍTULO DO CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. HOMENAGEM AO PLURALISMO COMO VALOR SÓCIO-POLÍTICO-CULTURAL. LIBERDADE PARA DISPOR DA PRÓPRIA SEXUALIDADE, INSERIDA NA CATEGORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO INDIVÍDUO, EXPRESSÃO QUE É DA AUTONOMIA DE VONTADE. DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA. CLÁUSULA PÉTREA. O sexo das pessoas, salvo disposição constitucional expressa ou implícita em sentido contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica. Proibição de preconceito, à luz do inciso IV do art. 3º da Constituição Federal, por colidir frontalmente com o objetivo constitucional de “promover o bem de todos”. Silêncio normativo da Carta Magna a respeito do concreto uso do sexo dos indivíduos como saque da kelseniana “norma geral negativa”, segundo a qual “o que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido”. Reconhecimento do direito à preferência sexual como direta emanação do princípio da “dignidade da pessoa humana”: direito a auto-estima no mais elevado ponto da consciência do indivíduo. Direito à busca da felicidade. Salto normativo da proibição do preconceito para a proclamação do direito à liberdade sexual. O concreto uso da sexualidade faz parte da autonomia da vontade das pessoas naturais. Empírico uso da sexualidade nos planos da intimidade e da privacidade constitucionalmente tuteladas. Autonomia da vontade. Cláusula pétrea.

3. TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DA INSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE QUE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO EMPRESTA AO SUBSTANTIVO “FAMÍLIA” NENHUM SIGNIFICADO ORTODOXO OU DA PRÓPRIA TÉCNICA JURÍDICA. A FAMÍLIA COMO CATEGORIA SÓCIO-CULTURAL E PRINCÍPIO ESPIRITUAL. DIREITO SUBJETIVO DE CONSTITUIR FAMÍLIA. INTERPRETAÇÃO NÃO-REDUCIONISTA. O caput do art. 226 confere à família, base da sociedade, especial proteção do Estado. Ênfase constitucional à instituição da família. Família em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco importando se formal ou informalmente constituída, ou se integrada por casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos. A Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão “família”, não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. Família como instituição privada que, voluntariamente constituída entre pessoas adultas, mantém com o Estado e a sociedade civil uma necessária relação tricotômica. Núcleo familiar que é o principal lócus institucional de concreção dos direitos fundamentais que a própria Constituição designa por “intimidade e vida privada” (inciso X do art. 5º). Isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos que somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família. Família como figura central ou continente, de que tudo o mais é conteúdo. Imperiosidade da interpretação não-reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil. Avanço da Constituição Federal de 1988 no plano dos costumes. Caminhada na direção do pluralismo como categoria sócio-político-cultural. Competência do Supremo Tribunal Federal para manter, interpretativamente, o Texto Magno na posse do seu fundamental atributo da coerência, o que passa pela eliminação de preconceito quanto à orientação sexual das pessoas.

4. UNIÃO ESTÁVEL. NORMAÇÃO CONSTITUCIONAL REFERIDA A HOMEM E MULHER, MAS APENAS PARA ESPECIAL PROTEÇÃO DESTA ÚLTIMA. FOCADO PROPÓSITO CONSTITUCIONAL DE ESTABELECER RELAÇÕES JURÍDICAS HORIZONTAIS OU SEM HIERARQUIA ENTRE AS DUAS TIPOLOGIAS DO GÊNERO HUMANO. IDENTIDADE CONSTITUCIONAL DOS CONCEITOS DE “ENTIDADE FAMILIAR” E “FAMÍLIA”. A referência constitucional à dualidade básica homem/mulher, no §3º do seu art. 226, deve-se ao centrado intuito de não se perder a menor oportunidade para favorecer relações jurídicas horizontais ou sem hierarquia no âmbito das sociedades domésticas. Reforço normativo a um mais eficiente combate à renitência patriarcal dos costumes brasileiros. Impossibilidade de uso da letra da Constituição para ressuscitar o art. 175 da Carta de 1967/1969. Não há como fazer rolar a cabeça do art. 226 no patíbulo do seu parágrafo terceiro. Dispositivo que, ao utilizar da terminologia “entidade familiar”, não pretendeu diferenciá-la da “família”. Inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico. Emprego do fraseado “entidade familiar” como sinônimo perfeito de família. A Constituição não interdita a formação de família por pessoas do mesmo sexo. Consagração do juízo de que não se proíbe nada a ninguém senão em face de um direito ou de proteção de um legítimo interesse de outrem, ou de toda a sociedade, o que não se dá na hipótese sub judice. Inexistência do direito dos indivíduos heteroafetivos à sua não-equiparação jurídica com os indivíduos homoafetivos. Aplicabilidade do §2º do art. 5º da Constituição Federal, a evidenciar que outros direitos e garantias, não expressamente listados na Constituição, emergem “do regime e dos princípios por ela adotados”, verbis: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

5. DIVERGÊNCIAS LATERAIS QUANTO À FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO. Anotação de que os Ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cezar Peluso convergiram no particular entendimento da impossibilidade de ortodoxo enquadramento da união homoafetiva nas espécies de família constitucionalmente estabelecidas. Sem embargo, reconheceram a união entre parceiros do mesmo sexo como uma nova forma de entidade familiar. Matéria aberta à conformação legislativa, sem prejuízo do reconhecimento da imediata auto-aplicabilidade da Constituição.

6. INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL EM CONFORMIDADE COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (TÉCNICA DA “INTERPRETAÇÃO CONFORME”). RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO FAMÍLIA. PROCEDÊNCIA DAS AÇÕES. Ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do Código Civil, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de “interpretação conforme à Constituição”. Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva. (ADF 132-RJ e ADI 4277-DF, Min. Ayres Britto, Tribunal Pleno, julgado em 05/05/2011, DJe-198 DIVULG 13-10-2011 PUBLIC 14-10-2011)


Nos submundos do Poder, os supersalários

5 de outubro de 2011

Nos submundos do Poder, existe uma esdrúxula figura remuneratória denominada “jeton”. Trata-se de um incentivo pecuniário pago às autoridades por comparecimento a  sessões de certos órgãos colegiados. Graças aos Jetons, proliferam-se os supersalários.

No âmbito federal, os jetons pagos para Ministros de Estado têm valores elevadíssimos. A presença dos titulares das pastas da Fazenda e do Planejamento no Conselho de Administração da Petrobrás pode lhes render a quantia de R$ 6.700,00 por sessão. No caso do Conselho de Administração da Itaipu, a presença do Ministro da Defesa vale a fabulosa quantia de R$ 13.000,00. Considerando-se que essas figuras apenas se fazem presentes nessas reuniões para balançar a cabeça ou falar obviedades, trata-se de uma farra com dinheiro público.

No Poder Judiciário, a presença de três Ministros do STF e de dois do STJ no Tribunal Superior Eleitoral  – TSE lhes rende R$ 6.400,00 por oito sessões mensais noturnas, o que amplia consideravelmente seus rendimentos. Também recebem Jetom nesse patamar os magistrados que integram o Conselho Nacinal de Justiça. Para completar, no Poder Legislativo, José Sarney aufere R$ 60.000,00 por mês.

Isso tudo é feito graças a uma interpretação da Constituição bastante questionável sob a ótica da moralidade: os Jetons não são computados nos limites do teto remuneratório do serviço público. Assim, alguns Ministros de Estado ou de Tribunais Superiores, a depender do empenho em participar de reuniões regadas a Jetons, podem recebem mais de R$ 30.000,00 por mês.

Diante desse fato, a Presidente Dilma Roussef, na sua cruzada contra os marajás, ordenou à Casa Civil a preparação de projeto de lei ou de proposta de emenda constitucional para erradicar os supersalários e ordenar aos Poderes a observância de um teto constitucional. Em interessante reportagem, a Folha de São Paulo fez o seguinte quadro esquemático sobre os supersalários federais:


O reajuste das aposentadorias e pensões nos RPPS após o julgamento da ADI 4582-RS

2 de outubro de 2011

I – Introdução: inovações da EC n. 41/2003 em matéria de proventos

No presente post, abordaremos um tema relacionado aos regimes próprios de previdência social. Trata-se dos desdobramentos do julgamento da ADI n. 4582-RS em relação à atualização dos proventos de servidores inativos  sem paridade.

Historicamente, o regime de aposentadorias e pensões dos servidores públicos teve como pilares os institutos da integralidade e da paridade, os quais, sob o ângulo prático, garantiam que os proventos dos inativos fossem um espelho do contracheque dos servidores em atividades. Grosso modo, o instituto da integralidade garantia que todas as aposentadorias fossem calculadas com base na última remuneração do servidor. Por sua vez, a paridade permitia que  proventos fossem atualizados de forma isonômica em relação aos servidores em atividade.

Com o advento da EC n. 41/2003, a nova redação dada ao art. 40, § § 3º e 8º, da CF não mais previu a integralidade e paridade para os novos servidores. Segundo o § 3º do art. 40, o cálculo das aposentadorias deve ser feito considerando-se “as remunerações utilizadas como base para as contribuições do servidor aos regimes de previdência de que tratam este artigo e o art. 201, na forma da lei”, o que deu origem ao cálculo pela média aritmética, disciplinado pelo art. 1º da Lei n. 10.887/2004. Por sua vez, o § 8º do art. 40 estabelece que o reajuste dos benefícios concedidas com base na EC n. 41/2003 dar-se-á a apenas “para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real, conforme critérios estabelecidos em lei”

Observe-se que, após a EC n. 41/2003, os institutos da paridade e a integralidade sofreram duros golpes. Na prática, apenas não desapareceram pelo fato de que disposições transitórias os garantiram a grupos limitados de sujeitos: a) servidores ocupantes de cargos efetivos com direito adquirido à norma concessória anterior à EC n. 41/2003; b) servidores ocupantes de cargos efetivos que conseguem se enquadrar nas regras de transição do art. 6º da própria EC n.. 41/2003 e do art. 3º pela Emenda Constitucional n. 47/2005.

II – A regulamentação da EC n. 41/2003 em relação aos reajustes de aposentadorias e pensões

Ao versar sobre o reajuste de aposentadorias e pensões, a Constituição Federal estabeleceu, em seu art. 40, § 8º, duas coordenadas normativas: a) preservação do valor real; b) observância de critérios estabelecidos em lei. A regulamentação desse dispositivo coube ao art. 15 da Lei n. 10.887/2004, o qual, em sua redação original, estabeleceu que as aposentadorias e pensões do RPPS “serão reajustados na mesma data em que se der o reajuste dos benefícios do regime geral de previdência social.” Assim, caberia à União, ao Distrito Federal e aos Estados e aos Municípios determinar anualmente os índices de reajustes dos RPPS respectivos, observando-se apenas a data base do RGPS.

 Ocorre que muitos entes da Federação solenemente ignoraram a previsão de reajustes anuais, o que causou uma verdadeira fossilização dos proventos dos servidores inativos sem paridade. Com a finalidade de regulamentar essa situação, o Ministério da Previdência Social editou a Orientação Normativa n. 03/2004, possibilitando a utilização do índice do regime geral em caráter supletivo (art. 65, parágrago único). No julgamento de mandado de segurança movido por servidor inativo do TCU contra ato omissivo desse órgão, o STF entendeu válido o critério da ON n. 03/2004:

 Exercício de 2005. Índice. Falta de definição pelo TCU. Adoção do índice aplicado aos benefícios do RGPS. Direito líquido e certo ao reajuste. MS concedido para assegurá-lo. Aplicação do art. 40, § 8º, da CF, cc. art. 9º da Lei nº 9.717/98, e art. 65, § único, da Orientação Normativa nº 3 de 2004, do Ministério da Previdência Social. Inteligência do art. 15 da Lei nº 10.887/2004. Servidor aposentado do Tribunal de Contas da União tem direito líquido e certo a reajuste dos proventos na ordem de 5,405%, no exercício de 2005. (STF, MS 25871, Relator:  Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, julgado em 11/02/2008).

Embalado por esse precedente, o legislador ordinário resolver modificar o art. 15 da Lei n. 10.887/2004, o que foi feito pela Lei n. 11.784/2008.Após essa alteração legislativa, as aposentadorias e as pensões regidas pela EC n. 41/2003 (sem paridade) passaram reajustadas na mesma data e índice em que se der a atualização dos benefícios do regime geral de previdência social, o que foi positivo para os aposentados e pensionistas, que passaram a ter previsibilidade e segurança em seus reajustes.

III – Do inconformismo dos regimes próprios

 Ao obrigar Estados e Municípios a aplicarem os mesmos percentuais de reajustes dos benefícios do RGPS, a nova redação do art. 15 da Lei n. 10.887/2004 causou profunda inquietação. Sob a alegação de que a norma violou o pacto federativo, a ABIPEM moveu uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4394), que acabou extinta por ilegitimidade ad causam da autora. Posteriormente, o Governador do Estado do Rio Grande do Sul moveu outra ADI contra o mesmo dispositivo (ADI 4582). No dia 19/09/2011, o STF apreciou essa ação e concedeu medida cautelar para suspender os efeitos do art. 15 da Lei n. 10.887/2004. Considerou-se plausível a inconstitucionalidade da norma, eis que evidenciada a violação à autonomia dos Estados e Municípios e à regra de competência segundo a qual cabe a União, em matéria de regimes próprios, fixar apenas as normas gerais.

IV – Conseqüências do julgamento da ADI 4582-RS

 Como a suspensão dos efeitos de uma norma em sede de controle abstrato importa na repristinação da norma anterior (art. 11, § 2º, da Lei n. 9.868/1999), voltou das cinzas ao mundo jurídico a redação original do art. 15 da Lei n. 10.887/2004. Assim, os Estados e Municípios estão somente obrigados a seguir a data de reajustes dos benefícios do RGPS, cabendo a cada ente fixar o índice que melhor lhe aprouver. Caso não seja editada lei instituindo o reajuste anual, as unidades gestoras do RPPS respectivo nada poderão fazer, sob pena de violação ao princípio da legalidade.

 Em todo caso, parece-nos aplicável o entendimento firmado pelo STF no MS 25871, relatado pelo Min. Cezar Peluso. De acordo com esse precedente, diante da inércia do ente federativo em instituir índice de reajuste, é lícito o Poder Judiciário aplicar o do RGPS, sem que se possa alegar violação à Súmula n. 339. (“Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob fundamento de isonomia”).