O prazo decadencial para o INSS anular benefícios ilegais

8 de maio de 2012

tempo

 1. Atualmente, os atos administrativos, mesmo que elaborados em contrariedade com a lei, não podem ser anulados a qualquer tempo. De fato, em razão do princípio da segurança jurídica, o decurso do tempo convalida as situações fáticas, suprimindo o poder estatal de exercer o autotutela em relação aos que agiram de boa-fé.

 É certo que, durante muito tempo, não existiu lei estipulando prazo para Administração anular atos ilegais. Assim, entendia-se que o exercício da autotutela poderia ocorrer a qualquer tempo, o que acabava criando grandes injustiças na desconstituição de situações materializadas há mais de 10 ou 20 anos. Essa lacuna foi fechada pela Lei n.º 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que regula o processo administrativo no âmbito federal.

2. Além de reconhecer a segurança jurídica como um princípio administrativo (art. 2º, caput), a Lei n.º 9.784/1999 estabeleceu, em seu art. 54, § 1º, o prazo decadencial de 5 (cinco) anos para a Administração anular as situações antijurídicas que beneficiam administrados de boa-fé:“o direito da Administração anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé”.

 Após o advento da Lei n.º 9.784/1999, o Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que o prazo decadencial quinquenal nela previsto somente começou a correr a partir da vigência desse diploma, a qual se deu em 01/02/1999. Por isso, apenas se o ato ilegal for praticado após esse marco temporal é que o início do prazo decadencial começa no momento de sua emissão. Nesse sentido, pode ser citado o seguinte precedente:

  “1. Segundo o entendimento firmado pela Corte Especial, caso o ato acoimado de ilegalidade tenha sido praticado antes da promulgação da Lei n.º 9.784/99, a Administração tem o prazo de cincos anos para anulá-lo, a contar da vigência da aludida norma para anulá-lo; caso tenha sido praticado em momento posterior, o prazo qüinqüenal da Administração tem início a partir da sua prática, sob pena de decadência, nos termos do art. 54 da Lei n.º 9.784/99”.1

 A toda evidência, esse entendimento mostra-se inadequado. Com efeito, ao considerar que o princípio da segurança jurídica necessita de lei para ser concretizado, o STJ eternizou o poder de autotutela administrativa em detrimento dos que agiram de boa-fé. Nesse ponto, convém lembrar que a segurança jurídica é fruto de norma constitucional. Assim, cabe ao intérprete dar-lhe força normativa e máxima efetividade. A base jurídica desse postulado é a própria noção de Estado de Direito. Como bem ressalta Gilmar Mendes, “o tema da segurança jurídica tem assento constitucional (princípio do Estado de Direito)”.2 

3.  No plano das relações entre INSS e seus segurados, igualmente não existia um prazo fixando limite à autotutela administrativa. Por isso, as disposições da Lei n.º 9.784/1999 tornaram-se aplicáveis também aos benefícios concedidos por essa autarquia.

Ocorre que, antes mesmo do decurso do prazo de 05 anos, o Governo se apressou e editou a MP n.º 138, de 19.11.2003, convertida na Lei n.º 10.839/2004, que acrescentou o art. 103-A à Lei n.º 8.213/1991, fixando o prazo decadencial de 10 anos para o INSS rever os seus atos.Por isso, o STJ, em decisão tomada no Recurso Especial repetitivo n.º 1114938/AL, estabeleceu que o prazo decenal para o INSS revisar seus benefícios somente começou a correr em 01/02/1999, o que cria total insegurança para milhares de idosos. De fato, praticamente, eternizou-se a autotutela administrativa no regime geral de previdência. Assim, um benefício com algum vício concedido em 01/01/1970 poderá ser revisto até 01/02/2009, o que mostra um total descaso com o princípio da segurança jurídica.

 4. Observe-se que não estamos a defender as constantes fraudes de que é vítima a previdência. É evidente que o INSS deve ser implacável com servidores ou segurados que fazem maracutaias falsificando documentos ou incluindo dados falsos nos sistemas. Contudo, na maior parte dos casos, os benefícios previdenciários são concedidos ou majorados indevidamente sem que o segurado sequer tenha ciência desses vícios. Por isso, a proteção da boa-fé merece especial atenção, mediante a aplicação dos prazos decadenciais, mesmo que retroativamente em detrimento do Poder Público. Nada mais injusto e inadequado do que cancelar uma pensão por morte ou aposentadoria, muitos anos após sua concessão, sendo certo que, em regra, a medida recairá sobre pessoas idosas. O cancelamento de uma aposentadoria é, quase sempre, episódio traumático na vida do segurado e de sua família.

1 STJ, AgRg no REsp 669.213/SC, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 10/06/2008, DJe 04/08/2008.

2 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 489.


A aposentadoria por invalidez dos servidores públicos após a EC n.º 70/2012

5 de abril de 2012

Aposentado

1. Introdução

 Depois de uma longa pausa, voltaremos a postar em grande estilo, fazendo comentários à Emenda Constitucional n.º 70, de 29/03/2012 (DOU 30/03/2012), que trata da aposentadoria por invalidez no âmbito dos regimes próprios de previdência social.

Em linhas gerais, a novel emenda criou nova regra de transição (art. 6-A) no texto da Emenda Constitucional n.º 41/2003, garantindo aos servidores, que ingressaram até 31 de dezembro de 2003 (data de publicação da EC n.º 41/2003), o direito à aposentadoria por invalidez com proventos calculados com base na última remuneração e corrigidos mediante paridade.

Na prática, a EC n.º 70/2012 representa uma grande vitória dos servidores públicos, pois corrigiu, conforme veremos, distorções e injustiças decorrentes da EC n.º 41/2003.

 2. Os regimes de previdência social do Brasil

 No Brasil, a previdência social é composta por regimes básicos e por regimes complementares.[1]

Os regimes básicos são o RGPS – Regime Geral de Previdência Social e os RPPS – Regimes Próprios de Previdência Social – RPPS. Tanto o RGPS quanto o RPSS possuem natureza estatal e filiação compulsória. Por sua vez, os regimes complementares são o de natureza privada, destinado a complementar os benefícios de qualquer segurado (art. 202 da CF) e o de natureza pública, cuja finalidade é complementar os RPPS (art. 40, § § 14, 15 e 16, da CF).

Em relação à clientela, os RPPS destinam-se exclusivamente aos servidores públicos ocupantes de cargos efetivos e aos militares. Por sua vez, o RGPS agrega todos os demais trabalhadores, a exemplo dos empregados privados ou públicos e os autônomos em geral etc.

Nesse contexto, o primeiro aspecto a ser observado é que a EC n.º 70/2012 atinge somente os segurados civis dos RPPS. Evidentemente, os militares continuam sendo reformados por invalidez à luz da legislação específica que os rege. Da mesma forma, por versar apenas sobre os regimes próprios, a nova emenda não altera as aposentadorias por invalidez do RGPS.

 3. O cálculo das aposentadorias nos RPPS, inclusive por invalidez, após a EC n.º 41/2003

 Tradicionalmente, os servidores públicos aposentavam-se com proventos idênticos à remuneração que antes auferiam em atividade. Assim, o contra-cheque do inativo era um espelho do contra-cheque desse mesmo servidor em atividade. Entendia-se que a aposentadoria, no serviço público, tinha natureza de prêmio administrativo.

A toda evidência, o sistema de aposentadorias dos servidores públicos, tal como moldado pelo constituinte originário, era insustentável, faltando-lhe base contributiva e planejamento atuarial. Para tentar sanar esse problema, foram editadas as EC n.º 20/1998 e n.º 41/2003.

Não cabe aqui descrever as muitas inovações de cada uma dessas importantes emendas. O que deve ser destacado é que a reforma oriunda da EC n.º 41/2003 abriu espaço para a criação de novo sistema de cálculo de proventos. Foram especificamente a nova redação dada aos §§ 1º e 3º do art. 40 da Constituição e a inserção do § 17 nesse mesmo artigo as balizas constitucionais que legitimaram a criação legal de um novo modelo de cálculos. Eis a redação desses dispositivos:

 “Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.

 § 1º Os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata este artigo serão aposentados, calculados os seus proventos a partir dos valores fixados na forma dos §§ 3º e 17:

§ 3º. Para cálculo de proventos de aposentadoria, por ocasião de sua concessão, serão consideradas as remunerações utilizadas como base para as contribuições do servidor aos regimes de previdência de que trata este artigo e o art. 201, na forma da lei.[….].

§ 17. Todos os valores de remuneração considerados para o cálculo do benefício previsto no § 3º serão devidamente atualizados, na forma da lei.”

 Portanto, antes da EC nº 41/2003, os proventos de servidores públicos eram quantificados com base na remuneração no cargo efetivo em que se deu a jubilação. Após a citada reforma previdenciária, houve a expressa autorização para que os proventos fossem fixados, levando-se em conta as contribuições vertidas ao sistema previdenciário, na forma prevista em lei (art. 40, § 3º, da CF). Coube ao art. 1º da Lei nº 10.887/2004 (MP 167/2004) regular essa nova forma de cálculo, instituindo a média aritmética simples das 80% maiores remunerações contributivas, que é idêntico ao sistema de cálculo do RGPS.

 4. A injustiça da EC n.º 41/2003 em relação às aposentadorias por invalidez

 A aplicação do cálculo pela média previsto no art. 1º da Lei n.º 10.887/2004 aos servidores públicos efetivos implicou em perdas financeiras.

 De fato, esse sistema de cálculo leva em consideração os valores recebidos pelo servidor de julho de 1994 até a data da aposentadoria. Logo, se histórico funcional do agente público foi de baixas remunerações, o valor médio dos proventos espelhará esse passado. Por isso, pouco adiantará, ao tempo da concessão, o servidor receber remuneração elevada, decorrente, por exemplo, da admissão em novo cargo.

Para amenizar os efeitos da EC n.º 41/2003, foram criadas, em relação às aposentadorias voluntárias, a regra de transição do art. 6º da EC n.º 41/2003 e, mais tarde, a regra do art. 3º da EC n.º 47/2005. Logo, os servidores que ingressaram até determinadas datas podiam aposentar-se voluntariamente com proventos integrais com base na última remuneração e com paridade, escapando, assim, do cálculo pela média.

A grande injustiça é que a EC n.º 41/2003 não criou regra de transição em relação às aposentadorias por invalidez. Logo, ainda que o servidor inválido tivesse ingressado antes da EC n.º 20/1998, seus proventos seria calculados nos termos do art. 40, § 3º, da CF, com redação dada pela EC nº 41/2003.

Assim, os servidores aposentados por invalidez, no momento existencial que mais precisam do amparo previdenciário dos regimes próprios, acabavam passando à inatividade com proventos muito inferiores às remunerações que recebiam em atividade. Para piorar, eles sequer possuíam perspectiva de reajuste, pois, por força do § 8º do art. 40 da CF, igualmente reformada pela EC nº 41/2003, houve o fim da garantia da paridade (direito de os inativos receberem os mesmo aumentos que eventualmente sejam concedidos aos servidores ativos).

 5. Aspectos gerais das inovações da EC n.º 70/2012

 Como visto, a EC n.º 70/2012 criou uma regra de transição. O dispositivo que a consagra é o art. 6º-A da EC n.º 41/2003. Dele, podem ser extraídos os seguintes aspectos:

a) Anova regra não se aplica a todos os servidores, mas apenas aos que ingressaram no serviço público até 31 de dezembro de 2003. Logo, ainda que se aposentem por invalidez, os servidores admitidos após 31 de dezembro de 2003 terão seus proventos calculados pela média aritmética simples das 80% maiores remunerações contributivas colhidas desde a admissão até a aposentadoria.

b) Os servidores que ingressaram antes de 31/12/2003, mas cuja invalidez não decorreu de doença especificada em lei ou acidente de trabalho continuaram a receber aposentadoria com proventos proporcionais. A diferença é que a proporcionalidade não incidirá mais sobre o valor médio e sim sobre o valor da última remuneração do cargo efetivo que ocupavam em atividade.

c) Mesmo que calculada nos termos da EC n. 70/2012, não se incorporam aos proventos da por invalidez vantagens transitórias não inerentes ao cargo efetivo, a exemplo de gratificações de função ou gratificações de atividades especiais, como a acumulação de delegacias ou varas.

d) As aposentarias por invalidez concedidas com base no art. 40, § 1º, inciso I, da CF, com redação da EC n.º 41/2003, a servidores que ingressaram antes de 31/12/2003 serão revistas no prazo de 180 dias (art. 2º da EC n.º 70/2012); contudo, os efeitos financeiros são retroativos à data de publicação da EC n.º 70/2012. Por isso, não será possível postular-se as diferenças retroativas dos últimos cinco anos. Em todo caso, se a unidade gestora do RPPS fizer, por exemplo, a revisão ex-officio um ano após a publicação da nova emenda, o servidor inativo terá direito às diferenças dos últimos 12 (doze) meses.

e) É possível cogitar a inconstitucionalidade da revisão ex-officio do art. 2º da EC n.º 70/2012 em relação aos Estados, Distrito Federal e aos Municípios, pois há aparente violação à autonomia que a Constituição lhes assegurada. Nesse ponto, é sempre bom lembrar que a forma federativa é uma das cláusulas pétreas trazidas no art. 60, § 4º, da Constituição. É certo que o constituinte derivado pode alterar com grande liberdade as regras de cálculo e concessão de benefícios previdenciários dos servidores públicos; porém, é igualmente correto que ele não pode impor aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a realização ex-officio de uma atividade tipicamente administrativa, que é a revisão de proventos.


[1] IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 14ª ed. Niterói: Impetus, 2009, p. 31.


O reajuste das aposentadorias e pensões nos RPPS após o julgamento da ADI 4582-RS

2 de outubro de 2011

I – Introdução: inovações da EC n. 41/2003 em matéria de proventos

No presente post, abordaremos um tema relacionado aos regimes próprios de previdência social. Trata-se dos desdobramentos do julgamento da ADI n. 4582-RS em relação à atualização dos proventos de servidores inativos  sem paridade.

Historicamente, o regime de aposentadorias e pensões dos servidores públicos teve como pilares os institutos da integralidade e da paridade, os quais, sob o ângulo prático, garantiam que os proventos dos inativos fossem um espelho do contracheque dos servidores em atividades. Grosso modo, o instituto da integralidade garantia que todas as aposentadorias fossem calculadas com base na última remuneração do servidor. Por sua vez, a paridade permitia que  proventos fossem atualizados de forma isonômica em relação aos servidores em atividade.

Com o advento da EC n. 41/2003, a nova redação dada ao art. 40, § § 3º e 8º, da CF não mais previu a integralidade e paridade para os novos servidores. Segundo o § 3º do art. 40, o cálculo das aposentadorias deve ser feito considerando-se “as remunerações utilizadas como base para as contribuições do servidor aos regimes de previdência de que tratam este artigo e o art. 201, na forma da lei”, o que deu origem ao cálculo pela média aritmética, disciplinado pelo art. 1º da Lei n. 10.887/2004. Por sua vez, o § 8º do art. 40 estabelece que o reajuste dos benefícios concedidas com base na EC n. 41/2003 dar-se-á a apenas “para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real, conforme critérios estabelecidos em lei”

Observe-se que, após a EC n. 41/2003, os institutos da paridade e a integralidade sofreram duros golpes. Na prática, apenas não desapareceram pelo fato de que disposições transitórias os garantiram a grupos limitados de sujeitos: a) servidores ocupantes de cargos efetivos com direito adquirido à norma concessória anterior à EC n. 41/2003; b) servidores ocupantes de cargos efetivos que conseguem se enquadrar nas regras de transição do art. 6º da própria EC n.. 41/2003 e do art. 3º pela Emenda Constitucional n. 47/2005.

II – A regulamentação da EC n. 41/2003 em relação aos reajustes de aposentadorias e pensões

Ao versar sobre o reajuste de aposentadorias e pensões, a Constituição Federal estabeleceu, em seu art. 40, § 8º, duas coordenadas normativas: a) preservação do valor real; b) observância de critérios estabelecidos em lei. A regulamentação desse dispositivo coube ao art. 15 da Lei n. 10.887/2004, o qual, em sua redação original, estabeleceu que as aposentadorias e pensões do RPPS “serão reajustados na mesma data em que se der o reajuste dos benefícios do regime geral de previdência social.” Assim, caberia à União, ao Distrito Federal e aos Estados e aos Municípios determinar anualmente os índices de reajustes dos RPPS respectivos, observando-se apenas a data base do RGPS.

 Ocorre que muitos entes da Federação solenemente ignoraram a previsão de reajustes anuais, o que causou uma verdadeira fossilização dos proventos dos servidores inativos sem paridade. Com a finalidade de regulamentar essa situação, o Ministério da Previdência Social editou a Orientação Normativa n. 03/2004, possibilitando a utilização do índice do regime geral em caráter supletivo (art. 65, parágrago único). No julgamento de mandado de segurança movido por servidor inativo do TCU contra ato omissivo desse órgão, o STF entendeu válido o critério da ON n. 03/2004:

 Exercício de 2005. Índice. Falta de definição pelo TCU. Adoção do índice aplicado aos benefícios do RGPS. Direito líquido e certo ao reajuste. MS concedido para assegurá-lo. Aplicação do art. 40, § 8º, da CF, cc. art. 9º da Lei nº 9.717/98, e art. 65, § único, da Orientação Normativa nº 3 de 2004, do Ministério da Previdência Social. Inteligência do art. 15 da Lei nº 10.887/2004. Servidor aposentado do Tribunal de Contas da União tem direito líquido e certo a reajuste dos proventos na ordem de 5,405%, no exercício de 2005. (STF, MS 25871, Relator:  Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, julgado em 11/02/2008).

Embalado por esse precedente, o legislador ordinário resolver modificar o art. 15 da Lei n. 10.887/2004, o que foi feito pela Lei n. 11.784/2008.Após essa alteração legislativa, as aposentadorias e as pensões regidas pela EC n. 41/2003 (sem paridade) passaram reajustadas na mesma data e índice em que se der a atualização dos benefícios do regime geral de previdência social, o que foi positivo para os aposentados e pensionistas, que passaram a ter previsibilidade e segurança em seus reajustes.

III – Do inconformismo dos regimes próprios

 Ao obrigar Estados e Municípios a aplicarem os mesmos percentuais de reajustes dos benefícios do RGPS, a nova redação do art. 15 da Lei n. 10.887/2004 causou profunda inquietação. Sob a alegação de que a norma violou o pacto federativo, a ABIPEM moveu uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4394), que acabou extinta por ilegitimidade ad causam da autora. Posteriormente, o Governador do Estado do Rio Grande do Sul moveu outra ADI contra o mesmo dispositivo (ADI 4582). No dia 19/09/2011, o STF apreciou essa ação e concedeu medida cautelar para suspender os efeitos do art. 15 da Lei n. 10.887/2004. Considerou-se plausível a inconstitucionalidade da norma, eis que evidenciada a violação à autonomia dos Estados e Municípios e à regra de competência segundo a qual cabe a União, em matéria de regimes próprios, fixar apenas as normas gerais.

IV – Conseqüências do julgamento da ADI 4582-RS

 Como a suspensão dos efeitos de uma norma em sede de controle abstrato importa na repristinação da norma anterior (art. 11, § 2º, da Lei n. 9.868/1999), voltou das cinzas ao mundo jurídico a redação original do art. 15 da Lei n. 10.887/2004. Assim, os Estados e Municípios estão somente obrigados a seguir a data de reajustes dos benefícios do RGPS, cabendo a cada ente fixar o índice que melhor lhe aprouver. Caso não seja editada lei instituindo o reajuste anual, as unidades gestoras do RPPS respectivo nada poderão fazer, sob pena de violação ao princípio da legalidade.

 Em todo caso, parece-nos aplicável o entendimento firmado pelo STF no MS 25871, relatado pelo Min. Cezar Peluso. De acordo com esse precedente, diante da inércia do ente federativo em instituir índice de reajuste, é lícito o Poder Judiciário aplicar o do RGPS, sem que se possa alegar violação à Súmula n. 339. (“Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob fundamento de isonomia”).


A aposentadoria especial e professor readaptado em biblioteca: limites e possibilidades

10 de abril de 2011

1. Objeto. O presente post tem como finalidade discutir se o professor readaptado em biblioteca faz jus à aposentadoria especial de que trata o art. 40, § 1º, III, “a”, e § 5º, da CF. Diante da grande demanda de questionamentos acerca da aposentadoria especial do professor readaptado, resolvemos fazer um texto exclusivo sobre o tema.

2. O que é readaptação? A readaptação é um instituto previsto nos diversos estatutos de servidores públicos dos entes da federação. Tecnicamente, trata-se de uma forma de provimento derivado, por força da qual o servidor deixa um cargo antigo e assume um novo cargo, não sofrendo ascensão ou rebaixamento. O que motiva esse provimento são limitações físicas e mentais supervenientes.

3. A velha jurisprudência sobre o tema. Até bem pouco tempo atrás, era inconcebível a concessão de aposentadoria especial a um professor readaptado. É que as atividades exercidas pelo servidor beneficiado pela readaptação ocorrem fora do âmbito da sala de aula, geralmente, em rotinas burocráticas do serviço público. Assim, haveria a incidência da atualmente superada Súmula nº 726 do STF, segundo a qual “para efeito de aposentadoria especial de professores, não se computa o tempo de serviço prestado fora da sala de aula”. Por isso, o STJ rejeitou o aproveitamento do período de readaptação para beneficiar os professores:

“O período em que o recorrente-professor ficou afastado por problemas de saúde, de 1969 até 1973, quando se beneficiou do instituto da “readaptação”, não pode ser computado para fins de aposentadoria especial, pois nele não foram desenvolvidas funções inerentes ao magistério. Inteligência do art. 40, III, “b”, da Constituição Federal. Recurso desprovido.” (STJ, ROMS 199900079116, José Arnaldo Da Fonseca, Quinta Turma, 04/06/2001)

4. A nova jurisprudência. Atualmente, prevalece que, em certas situações, o professor readaptado pode gozar da aposentadoria especial, sobretudo, após o julgamento da Ação Direita de Inconstitucionalidade nº 3772, na qual o STF julgou constitucional o art. 67, § 2º, da Lei nº 9.394/1996, com redação dada pela Lei nº 11.301/2006:

“Art. 67……………

§ 2º Para os efeitos do disposto no § 5º do art. 40 e no § 8º do art. 201 da Constituição Federal, são consideradas funções de magistério as exercidas por professores e especialistas em educação no desempenho de atividades educativas, quando exercidas em estabelecimento de educação básica em seus diversos níveis e modalidades, incluídas, além do exercício da docência, as de direção de unidade escolar e as de coordenação e assessoramento pedagógico.”

É certo que, no julgamento desse dispositivo, o STF fixou interpretação no sentido de que o citado dispositivo somente beneficiaria os professores (mas não os especialistas em educação) no desempenho de atividades de magistério em sala de aula e nas atividades de direção de unidade escolar, de coordenação e assessoramento pedagógico.

Como conseqüência dessa decisão, é evidente que, se após a readaptação, um professor passar a exercer funções de direção de unidade escolar, de coordenação e assessoramento pedagógico, o período respectivo pode ser aproveitado para fins do § 5º do art. 40 da CF. A seguinte decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal corrobora esse entendimento:

“Sendo professora, readaptada em razão de doença adquirida no trabalho, continuando a exercer atividades pedagógicas em funções correlatas às do magistério, faz jus ao cômputo desse período de tempo de serviço para fins de aposentadoria especial, prevista no art. 40, §5º, da Constituição Federal.”(TJDF, 20080110368530APC, Relator Flavio Rostirola, 1ª Turma Cível, julgado em 04/11/2009, DJ 23/11/2009 p. 100)

5. Aposentadoria especial e professor readaptado em biblioteca. Feitas essas considerações, voltemos o olhar para o tema em análise.

Evidentemente, se após a readaptação na ambiência de uma biblioteca o professor limitar-se a execução de tarefas e funções meramente administrativas e burocráticas, não há que se falar no direito à aposentadoria especial. Contudo, se após a readaptação, o professor trabalhar em biblioteca estimulando a leitura dos alunos, é correto afirmar que fará jus ao benefício, pois sua atividade será de magistério. No I Encontro Nacional de Coordenadores das Universidades Públicas Brasileiras, o trabalho de docência foi definido nestes termos:

“O trabalho docente caracteriza-se como processos e práticas de produção, organização, difusão e apropriação de conhecimentos que se desenvolvem em espaços educativos escolares e não-escolares, sob determinadas condições históricas. Nesta perspectiva, o docente define-se como um sujeito, em ação e interação com o outro, produtor de saberes na e para a realidade. A docência define-se, pois, como ação educativa que se constitui no ensino-aprendizagem, na pesquisa e na gestão de contextos educativos, na perspectiva da gestão democrática”.[1]

6. Conclusão. Diante desse quadro conceitual, é plausível a tese no sentido de que o professor readaptado em biblioteca, trabalhando junto aos alunos da instituição em atividade de estimulo à leitura, pode ser beneficiado pelo disposto no § 2º do art. 67 da Lei nº 9.394, de 20.12.1996 e no § 5º do art. 40 da CF. De fato, parece razoável o entendimento de que a docência não se resume ao trabalho com o “quadro negro” e o “giz”, podendo englobar outras atividades de ensino e aprendizagem.



A aposentadoria especial dos policiais federais

26 de outubro de 2010

O Supremo Tribunal Federal confirmou a jurisprudência no sentido de que a aposentadoria especial dos policiais federais, prevista no art. 1º, I, da Lei Complementar nº 51, de 20 de dezembro de 1985, foi recepcionada pela atual Constituição. Politicamente, a decisão prestigia a categoria dos policiais federais e mostra a plena disposição da Suprema Corte em concretizar os direitos previdenciários dos servidores públicos.

Segundo o art. 1º, I, da citada lei complementar, “o funcionário policial será aposentado voluntariamente, com proveitos integrais, após 30 (trinta) anos de serviço, desde que conte, pelo menos 20 (vinte) anos de exercício em cargo de natureza estritamente policial.”

Logo após a promulgação da Constituição Federal de 1988, o Superior Tribunal de Justiça manifestou-se no sentido de que a citada lei não fora recepcionada. Em certo julgado, o referido Tribunal assentou: “Não tendo sido editada pelo Congresso Nacional lei complementar definindo as atividades consideradas prejudiciais à saúde ou à integridade física, inaplicável a Lei Complementar Federal nº 51, de 1985, editada sob a vigência da Constituição Federal anterior, porque não fora recepcionada pela atual Carta Constitucional. – Precedentes. – Recurso ordinário desprovido.” (STJ, RMS 14.979/SC, Rel. Ministro Vicente Leal, Sexta Turma, julgado em 25/03/2003, DJ 22/04/2003, p. 272).

De certa forma, esse posicionamento do STJ era incompreensível, afinal, a recepção é o instituto pelo qual as normas que não contrariem a nova Constituição continuam em vigor. De fato, é evidente que a aposentadoria especial dos policiais federais harmoniza-se com a atual Constituição. Nesse contexto, não há dúvida que as atividades desses agentes implicam em riscos para os que as exercem.

Corrigindo essa interpretação inadequada, o STF confirmou o entendimento no sentido de que o art. 1º, I, da LC nº 51/2003 foi recepcionado pela atual Constituição Federal. Inicialmente, foi reconhecida a repercussão geral do caso. Na sessão plenária de 13 de outubro de 2010, à unanimidade, o Plenário do STF decidiu que o “inciso 1º, artigo 1º da Lei Complementar (LC) nº 51/1985 foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988.” (RE nº 567110)


A incidência de imposto de renda sobre o abono de permanência previdenciário

7 de outubro de 2010

1. O abono de permanência

Nas últimas reformas previdenciárias, uma das preocupações governamentais foi evitar o crescimento da despesa pública com o pagamento de aposentadorias. Como forma de evitar a concessão de novos benefícios, criam-se mecanismos destinados a estimular a permanência dos servidores em atividade.

Com a reforma decorrente da Emenda Constitucional nº 41, de 31 de dezembro de 2003, o constituinte derivado estimulou os servidores públicos a permanecerem em serviço, por meio da criação do instituto do abono de permanência.

O abono previdenciário é uma vantagem pecuniária, paga aos servidores que preencheram os requisitos para se aposentar, mas que optaram em permanecer em serviço. Por meio do abono, o servidor contribui para o sistema, mas a Administração Pública o reembolsa pagando-lhe vantagem no valor da importância recolhida ao regime de previdência. Por expressa disposição constitucional, o abono de permanência não se incorpora às aposentadorias ou às pensões, sendo devido até o momento da concessão desses benefícios.

Em três dispositivos constitucionais, é prevista a concessão do abono. Vejamos:

a) Art. 40, § 19, da CF. É a norma geral de concessão do abono de permanência, que beneficia os servidores públicos que reuniram requisitos para aposentadoria voluntária com proventos integrais e que permaneceram trabalhando.

b) Art. 2º, § 5º, da EC nº 41/2003. Assegura aos servidores que ingressaram no serviço público até 16.12.1998 o pagamento do abono de permanência, a partir do implemento dos requisitos estipulados na regra de transição prevista nesse dispositivo. A vantagem dessa regra é permitir a concessão aos servidores que, apesar da pouca idade (48 anos, mulheres e 53 anos, homem), possuem tempo de contribuição elevado (35 anos, homem e 30 mulher, acrescido de pedágio).

c) Art. 3º, § 1º, da EC nº 41/2003. Assegura o abono de permanência a todos os servidores que tenham cumprido os requisitos para a aposentadoria voluntária até 31.12.2003 e que contem com 30 (trinta) ou 25 (vinte e cinco) anos de contribuição (se homem ou mulher, respectivamente). É a única regra que permite a concessão de abono a quem tinha direito à aposentadoria com proventos proporcionais até 31/12/2003.

2. A incidência de imposto de renda sobre o abono: jurisprudência do STJ

Uma grande dúvida surgiu a respeito da incidência ou não de imposto de renda sobre o abono de permanência. Considerando que o abono constitui um acréscimo pecuniário que se enquadra no conceito de renda, não havendo lei que o isente da tributação, o STJ entendeu que sobre a citada parcela deve sofrer os descontos do IR. Vejamos essa importante decisão:

 TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ABONO DE PERMANÊNCIA. INCIDÊNCIA DE IMPOSTO DE RENDA. 1. Sujeitam-se incidência do Imposto de Renda os rendimentos recebidos a título de abono de permanência a que se referem o § 19 do art. 40 da Constituição Federal, o § 5º do art. 2º e o § 1º do art. 3º da Emenda Constitucional 41/2003, e o art. 7º da Lei 10.887/2004. Não há lei que autorize considerar o abono de permanência como rendimento isento. 2. Recurso especial provido. (REsp 1192556/PE, Rel. Ministro  Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 25/08/2010, DJe 06/09/2010)


Desaposentação ou renúncia à aposentadoria: precedentes do STJ e do TCU

9 de março de 2010

A desaposentação ocorre quando um segurado renuncia à aposentadoria de que goza para utilizar o tempo de serviço/contribuição que a embasa em outra jubilação mais favorável no mesmo ou em outro regime.

Atualmente, a “desaposentação” ou a renúncia à aposentadoria tem se mostrado um fenômeno comum. Muitas pessoas, que se aposentaram pelo regime geral de previdência e que trabalham em regime estatutário, almejam utilizar o tempo que fora usado no regime geral para favorecer eventual aposentadoria no regime próprio.

Em que pese a posição irredutível do INSS, o qual tem negado sistematicamente os pedidos de renúncia a aposentadorias com base no art. 181-B do Decreto nº 3.048/98, diversos acórdãos do Superior Tribunal de Justiça têm reconhecido o direito dos segurados à renúncia ou  à “desaposentação”. Vejamos dois precedentes do STJ:

“A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem reiteradamente se firmado no sentido de que é plenamente possível a renúncia à aposentadoria, por constituir direito patrimonial disponível. 3. Agravo regimental a que se nega provimento”. (AgRg no REsp 1055431/SC, Rel. Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, julgado em 15/10/2009, DJe 09/11/2009)

“PREVIDENCIÁRIO. MUDANÇA DE REGIME PREVIDENCIÁRIO. RENÚNCIA À APOSENTADORIA ANTERIOR COM O APROVEITAMENTO DO RESPECTIVO TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. POSSIBILIDADE. DIREITO DISPONÍVEL. DEVOLUÇÃO DOS VALORES PAGOS. NÃO-OBRIGATORIEDADE. RECURSO IMPROVIDO. 1. Tratando-se de direito disponível, cabível a renúncia à aposentadoria sob regime geral para ingresso em outro estatutário. 2. O ato de renunciar a aposentadoria tem efeito ex nunc e não gera o dever de devolver valores, pois, enquanto perdurou a aposentadoria pelo regime geral, os pagamentos, de natureza alimentar, eram indiscutivelmente devidos” (REsp 692.928/DF, Rel. Min. NILSON NAVES, DJ de 5/9/05). 3. Recurso especial improvido. (REsp 663.336/MG, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 06/11/2007, DJ 07/02/2008, p. 1)

Da mesma forma, o Tribunal de Contas da União reconhece a possibilidade de renúncia a aposentadoria de servidor pelo regime próprio de previdência. A única ressalva deste órgão de controle externo é a necessidade de cancelamento do registro (na hipótese de a aposentadoria renunciada ter sido oriunda do RPPS federal): “Aposentadoria já considerada legal. Renúncia à aposentadoria, visando o aproveitamento do tempo de serviço e o exercício em outro cargo público para o qual prestou concurso público. Determinação para o cancelamento do registro da aposentadoria.” (Acórdão nº 885/2003, DOU 14/05/2003)


Repercussão geral: contribuição previdenciária sobre terço de férias e horas extras

24 de maio de 2009

           O Supremo Tribunal Federal está de encontro marcado com uma questão extremamente controvertida na jurisprudência nacional. Trata-se da legitimidade ou não da incidência de contribuições previdenciárias sobre parcelas remuneratórias, como o terço de férias ou as horas extras. O tema será discutido RE 593.068-SC da relatoria do Ministro Joaquim Barbosa, cuja repercussão geral foi reconhecida por votação majoritária.  

         Para uma significativa corrente jurisprudencial, é inconstitucional tributar parcelas como o terço de férias ou as horas extras, eis que essas vantagens não serão incorporadas aos seus proventos do servidor inativo. Assim, diante do caráter contributivo do regime, o funcionário somente poderia “pagar” por aquilo que vai “levar” na aposentadoria. Nesse sentido, o seguinte acórdão do Superior Tribunal de Justiça:

 TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. TERÇO CONSTITUCIONAL DE FÉRIAS. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. NÃO INCIDÊNCIA. 1. O sistema previdenciário vigente, a partir da Emenda Constitucional n.º 20/98, encontra-se fundado em base rigorosamente contributiva e atuarial, o que implica equivalência entre o ganho na ativa e os proventos recebidos durante a inatividade. 2. É defeso ao servidor inativo perceber proventos superiores à respectiva remuneração no cargo efetivo em que se deu a aposentação. Pela mesma razão, não deve incidir contribuição previdenciária sobre funções comissionadas, já que os valores assim recebidos, a partir da Lei n.º 9.527/97, não se incorporam aos proventos de aposentadoria. Precedentes. 3. Igualmente, não incide contribuição previdenciária sobre valores, ainda que permanentes, que não se incorporam aos proventos de aposentadoria, como o terço constitucional de férias. Precedentes. 4. Recurso especial provido. (STJ, REsp 786988 / DF, Ministro CASTRO MEIRA, DJ 06/04/2006 p. 260)

           Para outros, a exação que recai sobre parcelas não-incorporáveis é plenamente lícita, diante do caráter solidário da previdência social (art. 40, caput, com redação dada pela EC nº 41/2003), o qual permitiria a cobrança de contribuições para a finalidade exclusiva de manter o equilíbrio do sistema. Inclusive, essa orientação parece ter se tornado majoritária no âmbito do próprio Superior Tribunal de Justiça, tal como pode ser verificado em recente acórdão dessa Corte:

 TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE AS VERBAS PERCEBIDAS POR SERVIDORES PÚBLICOS A TÍTULO DE ABONO DE FÉRIAS E HORAS EXTRAS. CARÁTER REMUNERATÓRIO. INCIDÊNCIA. PRECEDENTES DESTA CORTE SUPERIOR. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Ambas as Turmas integrantes da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça consolidaram posicionamento no sentido de que é legítima a incidência de contribuição previdenciária sobre as verbas percebidas por servidores públicos a título de terço constitucional de férias, abono pecuniário resultante da conversão de um terço de férias e horas extras, pois possuem caráter remuneratório. Precedentes desta Corte. 2. Sobre as férias, a questão foi recentemente dirimida na Primeira Seção, por ocasião do julgamento do REsp 731.132/PE, da relatoria do Ministro Teori Albino Zavascki (DJe de 20.10.2008), no qual foi consignado que: “A gratificação natalina (13º salário) e o acréscimo de 1/3 sobre a remuneração de férias, direitos assegurados pela Constituição aos empregados (CF, art. 7º, incisos VIII, XVII e XVI) e aos servidores públicos (CF, art. 39, § 3º), por integrarem o conceito de remuneração, estão sujeitos à  contribuição previdenciária.” 3. Outrossim, no tocante às horas extras, vale ressaltar o julgado proferido monocraticamente pelo Ministro Francisco Falcão, nos EREsp 764.586/DF (DJe de 27.11.2008). Nessa ocasião, firmou-se o posicionamento já adotado em diversos julgados, segundo o qual “É da jurisprudência desta Corte que o adicional de férias e o pagamento de horas extraordinárias integram o salário de contribuição, em razão da natureza remuneratória dessas verbas, sujeitas, portanto, à incidência da contribuição previdenciária”.4. Recurso especial provido. (STJ, REsp 972451 / DF, Relator: Ministra DENISE ARRUDA, DJe 11/05/2009)

             O que torna o tema ainda mais polêmico é que o Supremo Tribunal Federal já se manifestou, em decisão da 2ª Turma no sentido de que é ilegítima a incidência sobre o terço de férias, em acórdão da lavra do Ministro Eros Grau:

 AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL INCIDENTE SOBRE HORAS EXTRAS E TERÇO CONSTITUCIONAL DE FÉRIAS. IMPOSSIBILIDADE. Somente as parcelas incorporáveis ao salário do servidor sofrem a incidência da contribuição previdenciária. Agravo regimental a que se nega”provimento. (STF, AgRgRE 389.903⁄DF, Relator Ministro Eros Grau, DJ 05⁄05⁄2006)

              Portanto, o reconhecimento de repercussão geral no RE 593.098-SC mostra-se extremamente oportuno, pois, no julgamento desse recurso, a questão será analisada com profundidade, o que permitirá a construção da necessária pacificação jurisprudencial a respeito do tema. Na esfera da União, desde a edição da Lei nº 10.887/2004, o servidor pode optar por contribuir sobre parcelas temporárias de sua remuneração, como as horas extras; contudo, em alguns Estados, a exemplo da Paraíba, toda a remuneração do servidor é a base de cálculo das contribuições, situação essa, cuja legitimidade poderá ser confirmada ou negada pelo STF.


Salário maternidade e repercussão geral

19 de novembro de 2008

           Um caso bastante interessante que em breve será julgado pelo STF consiste em saber se é constitucional a incidência de contribuição previdenciária sobre o salário maternidade. Conforme a legislação previdenciária, o aludido benefício é o único sobre o qual ocorre a incidência de tributação; contudo, fica no ar a dúvida sobre a juridicidade da exação já que o art. 195, caput, da Constituição não prevê benefícios previdenciários como fontes de custeio do RGPS e o § 4º desse mesmo artigo prevê a necessidade de lei complementar para a criação de outras fontes de custeio. A matéria teve repercussão geral reconhecida e será levada ao Plenário da Corte:

SALÁRIO-MATERNIDADE – INCLUSÃO NA BASE DE CÁLCULO DA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL PREVIDENCIÁRIA – ART. 28, § 2º, I da LEI 8.212/1991 – NOVA FONTE DE CUSTEIO DA SEGURIDADE SOCIAL – VIOLAÇÃO DOS ARTS. 195, CAPUT E 4º E 154, I DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL (RE 576.967 RG/PR – Paraná, Repercussão Geral no Recurso Extraordiário, Relator: Ministro Joaquim Barbosa, Julgamento: 24/04/2008)


Aposentadoria especial dos professores: o resultado do julgamento da ADI nº 3772-DF

30 de outubro de 2008

           Algumas normas constitucionais previdenciárias são marcadas por grandes divergências na doutrina e na jurisprudência. Uma dessas polêmicas diz respeito ao sentido e ao alcance dos artigos 40, § 5º, e 201, § 8º, da CF, na redação que lhes foi dada pela EC nº 20/1998.

            Ambos os dispositivos tratam da aposentadoria especial dos professores. O primeiro deles, no âmbito do regime previdenciário dos servidores públicos; o segundo, no âmbito do regime geral. Em comum, esses dispositivos procuram privilegiar não todos os professores, mas os que comprovem “exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio.”

 Tradicionalmente, a interpretação desses dispositivos foi restritiva. Prova disso é a Súmula nº 726 do STF, segundo a qual “para efeito de aposentadoria especial de professores, não se computa o tempo de serviço prestado fora da sala de aula”.

Assim, o entendimento majoritário era o de que não poderiam gozar de aposentadoria especial os professores que, durante sua vida funcional, exerceram cargos comissionados de diretor, coordenador ou assessor pedagógico.

Ocorre que, com intuito de reverter essa jurisprudência restritiva, o Congresso Nacional elaborou a Lei nº 11.301, de 10/05/2006 que alterou o § 2º da Lei nº 9.394, de 20.12.1996, o qual passou a dispor o seguinte:

 

“Art. 67……………

§ 2º Para os efeitos do disposto no § 5º do art. 40 e no § 8º do art. 201 da Constituição Federal, são consideradas funções de magistério as exercidas por professores e especialistas em educação no desempenho de atividades educativas, quando exercidas em estabelecimento de educação básica em seus diversos níveis e modalidades, incluídas, além do exercício da docência, as de direção de unidade escolar e as de coordenação e assessoramento pedagógico.”

 

             Observe-se que a redação do dispositivo é ampliativa, pois privilegiou não apenas os professores, mas também “especialistas em educação”, incluindo entre as funções de magistério as de diretor, coordenador e assessor pedagógico.

             O Procurador-Geral da República, porém, entendeu que a referida norma era inconstitucional, pois alargava em demasia o benefício contido no art. 40, § 5º, da CF, algo que só poderia ser feito por emenda constitucional. Assim, ajuizou Ação Direta no STF questionando a Lei nº 11.301/2006. Como já era esperado, o julgamento dividiu o Supremo Tribunal, sendo a decisão final dotada de caráter histórico.

            Revendo a jurisprudência, a maioria dos ministros entendeu que os professores que tenham exercido funções de diretor, assessor ou coordenador pedagógico podem gozar da aposentadoria especial. Contudo, pelo teor das notícias sobre a sessão de julgamento, foram excluídos do benefício os “especialistas em educação”, a exemplo de pessoas que exercem cargos efetivos de supervisor escolar.

          A decisão do STF veio em boa hora, afinal, não era justo que os professores fossem penalizados com a exclusão da aposentadoria especial pelo fato de terem exercido funções de diretor ou coordenador. A justiça foi feita com esses profissionais.


Licença maternidade: Primeiras impressões sobre a Lei nº 11.770/2008

18 de setembro de 2008

            Finalmente foi publicada no Diário Oficial da União (10/09) a Lei nº 11.770, de 09 de setembro de 2008, que trata da prorrogação da licença maternidade.

            Mais uma vez a cobertura da imprensa nacional sobre o conteúdo dessa lei deixou muito a desejar, pois se fez muito sensacionalismo para nada. Na realidade, o alcance dessa lei é restrito, o que já podia ser esperado, afinal, em matéria de direitos sociais, vivemos um período sombrio, no qual pouco ou quase nada tem sido obtido pelos trabalhadores no plano legislativo. Aliás, a tendência é a perda de direitos.

            Primeiro aspecto a ser ressaltado: a aludida lei não ampliou o prazo de 120 dias referente ao benefício previdenciário da licença maternidade, eis que os dispositivos que a positivam (art. 7º, inciso XVIII, da CF e art. 71 da lei nº 8.213/91) permaneceram intactos.

            Na realidade, o que a lei criou foi um programa denominado “empresa cidadã”, por meio do qual as empresas que a ele aderirem ficam obrigadas a prorrogar por 60 dias o prazo da licença maternidade (120+60). Durante o período prorrogado, quem pagará o benefício não será a previdência pública, mas a própria empresa, que, em contra-partida, terá o direito de deduzir o valor respectivo do imposto de renda.

            Segundo aspecto a ser observado: na prática, a Lei nº 11.770/2008 destina-se às empregadas das grandes empresas, pois o programa parece ser restrito às empresas que seguem a tributação pelo lucro real.

            Terceiro aspecto relevante: existe a possibilidade de o programa instituído pela lei em comento ser adotado no âmbito da Administração Pública (art. 2º) em favor das servidoras estatutárias. Veja-se que igualmente não houve a ampliação do benefício, o qual continua, sendo de 120 dias.

            Assim, como bem ressaltou o Ministério da Previdência na Nota Explicativa nº 01/2008, “não há obrigatoriedade por parte dos Entes Federativos em conceder a prorrogação da Licença-Maternidade por 60 dias”. Contudo, se a União, Estados, Distrito Federal e Municípios desejarem instituir algo similar a esse programa deverão “custear com recursos do Tesouro o pagamento da remuneração integral durante a prorrogação da licença à gestante” e não com recursos previdenciários. 

           À vista do exposto, pode-se afirmar que da Lei nº 11.770/2008 não surgem direitos subjetivos à vantagem nela prevista, a qual fica condicionada à adesão ao programa “empresa cidadã”.