Organizações criminosas na Lei n. 12.694/2012

30 de julho de 2012

1. Introdução.

 Há dois anos, este blog trouxe uma postagem sobre a definição jurídica de organizações criminosas e os fatores que as diferenciavam das quadrilhas e das associações criminosas. Até junho de 2012, nada de novo ocorreu relacionado ao tema. Contudo, desde então, muitas novidades jurídico-criminais surgiram, com destaque ao julgamento do HC 96.007/SP e ao advento da Lei n. 12.694, de 24 de julho de 2012 (DOU de 25/07/2012). Por isso, mostra-se oportuno revisitar o tema “organizações criminosas”.

 2. O vazio legislativo e a aplicação da Convenção de Palermo.

 Todos sabem que, em matéria de legislação penal, o Brasil é um exemplo a não ser seguido. Não falo sobre o conteúdo político-criminal das leis, mas da péssima técnica legislativa nelas utilizadas. Por isso, temas simples que, em situações normais, não gerariam dúvidas acabam se transformando em desafios hermenêuticos, dividindo opiniões juristas e trazendo decisões judiciais nos mais diversos sentidos. O resultado que essas leis mal concebidas é a “insegurança jurídica”. Foi exatamente o que ocorreu em relação às organizações criminosas.

 Com efeito, em 04 de maio de 1995, entrou em vigor a Lei n. 9.034/1995. Esse diploma estabeleceu normas sobre procedimentos investigatórios e meios de prova relacionados aos ilícitos praticados por organizações criminosas. Pouco depois, editou-se a Lei n. 9.613, de 03 de março de 1998, que tipificou o crime de lavagem de dinheiro, considerando como tal a reintrodução na economia de valores oriundos de crimes praticados por organizações criminosas (art. 1º, inciso VII, redação original). O que gerou perplexidade é que, em ambas as leis, não havia uma definição sobre organizações criminosas.

 Diante desse cenário nebuloso, o Superior Tribunal de Justiça procurou dar eficácia a essa legislação, legitimando o combate às organizações criminosas. Para tanto, trilhou-se pelo entendimento de que, diante da ausência de definição legal, poderiam os intérpretes e aplicadores da lei utilizar a definição de organização criminosa contida na Convenção de Palermo (Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional, realizada em 15/12/2000 e promulgada no Brasil pelo Decreto nº 5.015/2004). Nesse sentido, confiram-se a Ação Penal nº 460 e o Habeas Corpus nº 77.771-SP.

 Pois bem. De acordo com a Convenção de Palermo, organização criminosa “é o grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material”.

 3. A polêmica decisão do STF e as inovações legislativas.

 No julgamento do HC 96.007/SP (Rel. Min. Marco Aurélio), a Suprema Corte decidiu que a Convenção de Palermo é imprestável para definir organizações criminosas. Entendeu-se que viola o princípio da legalidade (art. 5º, inciso XXXIX, da CF) tratados internacionais estabelecerem o contorno de normas penais incriminadoras (cf. Informativo 670). Seguiu-se, portanto, o crítico entendimento há muito defendido por Luiz Flávio Gomes.

 A consequência imediata dessa decisão é a atipicidade das situações de lavagem de dinheiro decorrentes do produto dos crimes cometidos por organizações criminosas. Na realidade, em matéria de lavagem de capitais, a decisão da Suprema Corte somente não criou uma situação de total impunidade, em razão da Lei n. 12.683/2012 (DOE de 10/07/2012), que passou a considerar como crime de lavagem qualquer ocultação ou dissimulação dos valores obtidos de infração penal.

 Em relação aos aspectos processuais dos crimes cometidos por organizações criminosas, a situação de vácuo decorrente do julgamento do HC 96.007/SP foi superada pela Lei n. 12.694/2012. De acordo com o art. 2º dessa lei, considera-se organização criminosa “a associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional.

 Observe-se que, tal como a definição da Convenção de Palermo, a nova lei exige a presença mínima de 3 pessoas para haver uma organização criminosa. Enquanto o tratado se refere a “infrações graves”, a lei é mais segura e precisa ao se reportar a crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 anos ou que sejam de natureza transnacional.

Em todo caso, mesmo com o advento da nova lei, os efeitos do HC 96.007/SP serão profundos no universo da investigação e do processo criminal. De fato, muitas provas obtidas nos termos da Lei n. 9.034/1995 poderão ser consideradas ilícitas, o que gerará a anulação de processos e a absolvição por prescrição de muitos réus.  Lembremos que, por ter conteúdo penal, a Lei n. 12.694/2012 somente será aplicada aos crimes cometidos após sua vigência, não podendo ter eficácia retroativa para convalidar os atos feitos com base na Convenção de Palermo.


Parabéns, o blog está completando quatro anos de vida!!!

12 de julho de 2012

Quem diria! O blog Opus Iuris está completando quatro anos de vida, o que nos traz um misto de alegria e orgulho.

Nesse período, escrevemos 266 posts, alguns dos quais foram objeto de muitos comentários.

O mais importante, porém, são os 486.590 acessos que tivemos até o exato instantante. É o combustível para continuarmos a escrever por, quem sabe, mais quatro anos.

                                                


Análise do art. 37, IV, da CF: direitos dos aprovados em concurso em vigor em face do surgimento de novo certame público

10 de julho de 2012

1. Em razão do grande volume de trabalho na Defensoria Pública da União, passamos vários dias sem trazer nada de novo ao blog, pelo que pedimos as devidas desculpas aos nossos leitores.

Para tentar suprir essa omissão, hoje escreveremos sobre assunto de grande interesse prático. Analisaremos o conteúdo jurídico do art. 37, IV, da CF, dispositivo esse dotado do seguinte teor:

 Art. 37. […] IV — durante o prazo improrrogável previsto no edital de convocação, aquele aprovado em concurso público de provas ou de provas e títulos será convocado com prioridade sobre novos concursados para assumir cargo ou emprego, na carreira;

2. A toda evidência, o art. 37, inciso IV, da CF traz importante regra referente ao provimento de cargos públicos, a qual prestigia, sobretudo, o princípio da boa-fé e da moralidade administrativa. De acordo com esse dispositivo constitucional, sobrevindo um novo concurso público enquanto vigora um concurso anterior, os candidatos aprovados no certame mais antigo terão prioridade na nomeação em relação aos novos concursados.

Assim, os mais antigos candidatos aprovados, por força do art. 37, inciso IV, da CF, terão prioridade para preencher vagas existentes quando da abertura do edital, bem como as que eventualmente surgirem dentro de seu período de validade.

3. Nessas situações, os candidatos aprovados no certame pretérito têm, no mínimo, direito à tutela jurisdicional inibitória que imponha à Administração obrigação de não fazer consiste em não nomear aprovados no novo concurso em detrimento dos aprovados do concurso anterior.

Em uma perspectiva mais garantista, pode-se, até mesmo, afirmar que os candidatos aprovados no concurso anterior adquirem direito à nomeação quando sobrevém um novo concurso, pois esse fato superveniente denotaria a existência de interesse e necessidade pública no provimento de cargos. Aliás, existem inúmeros precedentes nesse sentido:

 “O art. 37, IV, da Constituição Federal, dispõe que ‘durante o prazo improrrogável previsto no edital de convocação, aquele aprovado em concurso público de provas ou de provas e títulos será convocado com prioridade sobre os novos concursados para assumir cargo ou emprego, na carreira’. 3. A abertura de novo concurso indicando a necessidade de mais vagas, quando ainda não terminado o prazo do certame anterior, transfere a questão da nomeação do campo da discricionariedade para o da vinculação, uma vez que deve ser observado o direito subjetivo do candidato aprovado à nomeação. Precedentes do STJ.” (TRF-4, MS 27713, DEletronico 07/10/2008).

“Com a irregular abertura de novo concurso, surge para o candidato aprovado o direito líquido e certo de ser nomeado”. (TJPR, Apelação cível e reexame necessário n.º 0110373-3, DJ 11/03/2012)

4. Por fim, não pode ser esquecido o art. 12, § 2º, da Lei n.º 8.112/1990, que proíbe o advento de novos certames enquanto concursos anteriores estão em vigor e possuem candidatos aprovados aguardando nomeação. Vejamos: “Não se abrirá novo concurso enquanto houver candidato aprovado em concurso anterior com prazo de validade não expirado.” À luz desse dispositivo legal, é igualmente plausível a nulidade do novo concurso.

Contudo, a anulação judicial ou administrativa de um processo seletivo é sempre um procedimento desgastante e por demais radical, devendo, à luz do princípio da proporcionalidade, ser evitada, pois as medidas anteriores (proibição das nomeações do novo concurso ou direito à nomeação dos aprovados do concurso anterior) mostram-se igualmente eficazes e menos danosas.