O porte de drogas para consumo pessoal é o assunto do momento. Por isso, no presente post, retomaremos o exame do art. 28 da Lei n. 11.343/2006, o qual considera crime essa conduta. Trataremos de um aspecto bem específico desse delito de menor potencial ofensivo: a atipicidade do ato de receber a droga e consumi-la imediatamente.
No crime de porte para uso pessoal (art. 28 da Lei n. 11.343/2006), os núcleos do tipo são os seguintes: “adquirir” (obter através de comprar, troca ou a título gratuito), “guardar” (conservar para outrem), “ter em depósito” (manter armazenado para si próprio), “transportar” (levar de um local para outro) ou “trazer consigo” (ter a droga junto a si).
Observe-se que, por força da descrição normativa do crime em tela, o agente que é surpreendido fumando maconha enquadra-se no núcleo “trazer consigo”. Contudo, se o agente é surpreendido após ter consumido a droga não comete crime algum. De fato, o art. 28 da Lei n. 11.343/2006 não pune o uso passado da droga, mas apenas o seu porte presente. Segundo Fernando Capez, isso se justifica, “[…] pois o que a lei visa é coibir o perigo social representado pela detenção, evitando a circulação da droga pela sociedade, ainda que a finalidade do sujeito seja apenas o consumo pessoal”.[2]
Por isso, o entendimento cristalizado no seguinte precedente do STF da lavra do Ministro Sepúlveda Pertence, embora cunhado ao tempo da Lei n. 6.368/1976, permanece atual e aplicável aos casos regidos pela Lei n. 11.343/2006:
“É mais que razoável o entendimento dos que entendem não realizado o tipo do art. 16 da Lei de entorpecentes (L. 6.368/76) na conduta de quem, recebendo de terceiro a droga, para uso próprio, incontinenti, a consome: a incriminação do porte de tóxico para uso próprio só se pode explicar – segundo a doutrina subjacente à lei – como delito contra a saúde pública, que se insere entre os crimes contra a incolumidade pública, que só se configuram em fatos que “acarretam situação de perigo a indeterminado ou não individuado grupo de pessoas” (Hungria).[1]
De acerta forma, a referida lição jurisprudencial, em muito, assemelha-se com os seguintes versos de samba do saudoso Bezerra da Silva (1927-2005):
“Não tem flagrante porque a fumaça já subiu pra cuca diz aí; Não tem flagrante porque a fumaça já subiu pra cuca; Deixando os tiras na maior sinuca; E a malandragem sem nada entender”. (…) Quem apertou, queimou já está feito; Se não tiver a prova do flagrante nos autos do inquérito fica sem efeito; (…)Quando a malandragem é perfeita ela queima o bagulho e sacode poeira; Se quiser me levar eu vou, nesse flagrante forjado eu vou; Mas na frente do homem da capa preta é que a gente vai saber quem foi que errou.”