Até bem pouco tempo, era comum na doutrina e na jurisprudência o entendimento no sentido de que os atos administrativos emitidos em desconformidade com a ordem jurídica deveriam simplesmente ser extintos retroativamente por meio de um ato de anulação. À luz desse ponto de vista, no processo de invalidação desenvolvido na esfera administrativa, sequer seria necessária a observância das garantias do contraditório e da ampla defesa.
Atualmente, a concepção de “poder” anulatório quase absoluto está sendo objeto de revisão. São inúmeras as decisões dos Tribunais Superiores e obras doutrinárias que reconhecem limites formais e materiais à competência administrativa de anular seus atos.
Assim, na órbita do procedimento administrativo, os beneficiários do ato inválido devem ser necessariamente convocados para tomarem ciência do vício que o acomete e, querendo, apresentarem manifestação. Como bem ressaltou Celso Antônio Bandeira de Mello, “[…] não se anula ato algum de cotas para o cidadão, à revelia dele […]”. Aliás, acerca dessa matéria o STF possui dezenas de precedentes, destacando-se o RE nº 158.543 da relatoria do Ministro Marco Aurélio.
No plano material, duas limitações notáveis têm sido destacadas: os institutos da decadência administrativa e da convalidação, ambos decorrentes da necessidade de estabilização das relações jurídicas.
Inspirada na segurança jurídica, a decadência cria uma barreira temporal à Administração, impondo-lhe a impossibilidade de anular atos depois do decurso de certo período, o qual, no âmbito do processo administrativo federal, é de 05 anos, ressalvados os casos de má-fé (art. 54 da Lei nº 9.784/99). Por analogia, esse prazo tem sido aplicado nas demais esferas da federação que não dispunham de leis acerca do tema. Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, na hipótese de ato emitido com má-fé, o prazo prescricinal seria de 10 anos, mediante aplicação do art. 205 do Código Civil (Curso de Direito Administrativo, 25ª ed, 2008, p. 474). Assim, pelo menos para o referido autor, não há ato administrativo nulo ou anulável imprescritível.
Por sua vez, a convalidação ocorre toda vez que o ato esteja viciado por defeito sanável e não tenha havido impuganação de algum interessado contra seu conteúdo. São considerados vícios sanáveis os que dizem respeito à competência do sujeito, à forma do ato e à vontade do agente público. Nesses casos, o princípio da segurança jurídica abona a tese de obrigatoriedade da convalidação, em que pese a lei que regula o processo administrativo federal sugerir que se trata de uma faculdade (art. 55 da Lei nº 9.784)
Por fim, deve ser ressaltado que, na visão de Celso Antônio Bandeira de Mello, não podem ser anulados certos tipos de atos administrativos, mesmo não tendo ocorrido a decadência. Trata-se dos atos “ampliativos da esfera jurídica dos interessados” que beneficiaram uma gama de sujeitos de boa-fé, criando situações de fato e de direito irreversíveis. Exemplo: licenciamento irregular de loteamento cujo vício somente fora descoberto após inúmeras famílias pobres terem feito edificações.