Tema bastante interessante, sob o ponto de vista da interpretação constitucional, diz respeito à possibilidade de as servidoras ocupantes de cargo em comissão gozarem da estabilidade provisória de que trata o art. 10, II, alínea “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da CF/1988.
De acordo com essa norma constitucional, a “empregada gestante”, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, não pode ser desligada sem justa causa ou de forma arbitrária. O grande problema é que, sob uma interpretação literal, a norma se reporta exclusivamente às “empregadas”, expressão classicamente utilizada para designar pessoas físicas regidas pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT. Por conseguinte, à luz dessa visão restritiva, às servidoras públicas gestantes ocupantes de cargo de comissão não lhes seria devida estabilidade alguma, exatamente pelo fato de não serem regidas pela CLT e sim pelos respectivos estatutos funcionais, os quais, em quase totalidade, são omissos quanto ao tema.
No âmbito da jurisprudência dos tribunais federais, essa discussão jurídica já está, há muito, superada, sendo pacífica a possibilidade de extensão da norma contida no art. 10, II, do ADCT/1988 para as servidoras comissionadas da União, Estados, Distrito Federal ou dos Municípios. Vejamos a didática decisão do STF:
SERVIDORA PÚBLICA GESTANTE OCUPANTE DE CARGO EM COMISSÃO – ESTABILIDADE PROVISÓRIA (ADCT/88, ART. 10, II, “b”) – CONVENÇÃO OIT Nº 103/1952 – INCORPORAÇÃO FORMAL AO ORDENAMENTO POSITIVO BRASILEIRO (DECRETO Nº 58.821/66) – PROTEÇÃO À MATERNIDADE E AO NASCITURO – DESNECESSIDADE DE PRÉVIA COMUNICAÇÃO DO ESTADO DE GRAVIDEZ AO ÓRGÃO PÚBLICO COMPETENTE – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. – O acesso da servidora pública e da trabalhadora gestantes à estabilidade provisória, que se qualifica como inderrogável garantia social de índole constitucional, supõe a mera confirmação objetiva do estado fisiológico de gravidez, independentemente, quanto a este, de sua prévia comunicação ao órgão estatal competente ou, quando for o caso, ao empregador. Doutrina. Precedentes. – As gestantes – quer se trate de servidoras públicas, quer se cuide de trabalhadoras, qualquer que seja o regime jurídico a elas aplicável, não importando se de caráter administrativo ou de natureza contratual (CLT), mesmo aquelas ocupantes de cargo em comissão ou exercentes de função de confiança ou, ainda, as contratadas por prazo determinado, inclusive na hipótese prevista no inciso IX do art. 37 da Constituição, ou admitidas a título precário – têm direito público subjetivo à estabilidade provisória, desde a confirmação do estado fisiológico de gravidez até cinco (5) meses após o parto (ADCT, art. 10, II, “b”), e, também, à licença-maternidade de 120 dias (CF, art. 7º, XVIII, c/c o art. 39, § 3º), sendo-lhes preservada, em consequência, nesse período, a integridade do vínculo jurídico que as une à Administração Pública ou ao empregador, sem prejuízo da integral percepção do estipêndio funcional ou da remuneração laboral. Doutrina. Precedentes. Convenção OIT nº 103/1952. – Se sobrevier, no entanto, em referido período, dispensa arbitrária ou sem justa causa de que resulte a extinção do vínculo jurídico-administrativo ou da relação contratual da gestante (servidora pública ou trabalhadora), assistir-lhe-á o direito a uma indenização correspondente aos valores que receberia até cinco (5) meses após o parto, caso inocorresse tal dispensa. Precedentes. (STF, AG. REG. no RE N. 634.093-DF, Relator: Min. Celso de Mello, Informativo n. 651)
Nesse julgado, claramente supera-se a interpretação meramente literal da Constituição. Nas entrelinhas da decisão, verifica-se a adoção do princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais. Da mesma forma, fica claro que a Constituição não pode ser lida à luz da CLT, ou seja, a Lei Fundamental não pode ser interpretada conforme a lei. Finalmente, a referência ao Direito Internacional mostra uma visão transconstitucional essencial no mundo globalizado. Todas essas técnicas foram utilizadas em prol da dignidade da pessoa humana, sendo o resultado da atividade interpretativa claramente construtivista e constitucionalmente adequada.
Por fim, deve ser registrado que, em que pese ser reconhecido às servidoras comissionadas o direito à estabilidade do art. 10, II, “b”, do ADCT/1988, os tribunais entendem que não lhes assiste o direito à eventual reintegração no período de garantia do cargo, mas apenas os saldos remuneratórios referentes a esse mesmo período. Tal direito aos saldos salariais aplica-se às servidoras efetivas investidas em cargo ou função comissionada. Sobre o tema vejamos a seguinte decisão do TJDF:
MANDADO DE SEGURANÇA – ADMINISTRATIVO – EXONERAÇÃO DE SERVIDORA PÚBLICA COMISSIONADA EM GOZO DE LICENÇA GESTANTE – PRESERVAÇÃO DE SUA REMUNERAÇÃO ENQUANTO DURAR O BENEFÍCIO. – EMBORA NÃO TENHA O DIREITO DE PERMANECER NA FUNÇÃO COMISSIONADA, A SERVIDORA PÚBLICA EM GOZO DE LICENÇA GESTANTE TEM O DIREITO DE PERCEBER A REMUNERAÇÃO DO CARGO COMISSIONADO ENQUANTO PERDURAR O BENEFÍCIO. – SEGURANÇA CONCEDIDA. UNÂNIME.(TJDF, MS 20050020033543 DF, Relator: Otávio Augusto, Julgamento: 06/12/2005, Órgão Julgador: Conselho Especial, Publicação: DJU 02/02/2006 Pág.: 82)