Comentários ao crime de injúria qualificada pelo preconceito

Em passagem de inigualável beleza, o Preâmbulo da Constituição Federal de 1988 assenta a liberdade e a igualdade como valores supremos de uma “sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos”. Por sua vez, o corpo normativo da lei fundamental estabelece que constituem objetivos da Republica Federativa do Brasil a construção de uma sociedade “livre, justa e solidária” e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (art. 3º, inciso I e IV, da CF). Portanto, o preconceito e a intolerância são condutas que afrontam todo o corpo constitucional.

Originariamente, o Código Penal não previa norma especial vedando comportamentos preconceituosos. Assim, quem praticasse a injúria ofendendo a honra subjetiva de outrem por meio expressões racistas respondia pela forma simples do crime (art. 140, caput, do CP).

 É certo que, pouco depois da promulgação da Constituição de 1988, foi editada a Lei nº 7.716/89, que descreveu e puniu os crimes de racismo. Os tipos penais desse diploma descrevem comportamentos segregacionistas, a exemplo da recusa ou impedimento de acesso a um estabelecimento comercial (art. 4º). Contudo, essa tutela penal contra o preconceito mostrava-se incompleta. No Brasil, as condutas racistas calcadas na segregação formal e institucionalizada não são disseminadas, a exemplo do ocorreu nos Estados Unidos da América. Entre nós, são muito mais freqüentes formas de “discriminação velada, trazida por ofensas e comentários desairosos a pessoas e instituições”.[1] Muitas vezes, tais comportamentos possuem a mesma eficácia opressiva das posturas formais e rígidas de segregação.

Assim, com a finalidade de completar a tutela penal contra o preconceito e a intolerância, foi editada a Lei nº 9.459, de 13 de maio de 1997 inseriu o § 3º no art. 140 do CP passando a reprimir a injúria cometida mediante a utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem. A partir de então, chamar uma pessoa negra de “macaco”, um judeu de “avarento” ou um nordestino “matuto”, com a finalidade de agredir sua dignidade ou decoro, passou a ser crime de injúria qualificada, sujeitando o agente à pena de reclusão de um a três anos e multa.

 Posteriormente, a Lei nº 10.741, de 1ª de outubro de 2003 (Estatuto do Idoso) enriqueceu o rol do art. 140, § 3º, do Código Penal ao acrescentar a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência como núcleos da injúria qualificada pelo preconceito. Assim, por força dessa inovação, passou a ser qualificada a injúria contra os maiores de 60 anos, consistente no uso de características decorrentes da senilidade. Ex.: chamar uma pessoa de 60 anos de “velho babão” com a intenção de humilhá-la. Da mesma forma, é qualificada pelo preconceito a injúria consistente em ofensa contra deficiente físico, com base nas suas necessidades especiais.

Apesar de terem a finalidade de reprimir o preconceito, a injúria qualificada do art. 140, § 3º, do CP não se confunde com o racismo. Na injúria, o agente atribui qualidade negativa fundada em “elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência”. Trata-se de crime afiançável e prescritível. No racismo, o agente segrega a vítima, privando-a do convívio digno, sendo tal delito insuscetível de fiança e imprescritível.

Por fim, em decorrência da Lei nº 12.033/2009, a injúria qualificada pelo preconceito passou a ser crime punido mediante ação penal pública condicionada à representação do ofendido. Os crimes de racismo previstos na Lei nº 7.716/89 são processados mediante ação penal pública incondicionada. Eis o quadro sinótico das diferenças entre o crime de racismo e de injúria qualificada pelo preconceito:

Injúria qualificada pelo preconceito Racismo (Lei nº 7.716/89)
O agente atribui qualidade negativa. O agente segrega a vítima, privando-a do convívio digno.
Crime prescritível. Crime imprescritível.
Afiançável. Inafiançável.
Ação penal pública condicionada à representação, conforme a Lei nº 12.033/2009. Ação penal pública incondicionada.

[1] NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado. São Paulo, Revista dos Tribunais cit., p. 671.

18 Responses to Comentários ao crime de injúria qualificada pelo preconceito

  1. CRISTIANA disse:

    Esta postagem não podia ter sido na melhor hora. Nessa semana, uma pessoa ou até mais se utilizou de uma rede social para cometer uma INJÚRIA QUALIFICADA PELO PRECONCEITO contra nordestinos. No meio virtual, fica dificil a aplicação de uma devida punição. Gostei muito desse quadro comparativo com as diferenças deste crime para o de RACISMO,visto que, para muitos o que separa é uma linha tênue!

  2. Fabiano Ribeiro disse:

    Muito boa matéria e esclarecedora. Sei que a injúria qualificada pelo preconceito diz respeito ao íntimo da vítima, mas não entendo porque ela deva ser condicionada a representação. Por ainda ser estudante de Direito talvez eu tenha uma visão muito restrita, mas vejo esta qualificadora como um meio de praticar o racismo de forma mais atenuada.

  3. Jorge Fernandes disse:

    Excelente matéria! Muito interessante sua comparação, parabéns!

  4. gi disse:

    Fui ridicularizada e humilhada no meio de varias pessoas, por uma vizinha por ser portadora de deficiência fisisca? Quais os procedimentos que devo tomar, posso processar?

    • franciscofalconi disse:

      Cara Gi, primeiramente, acredito ser oportuno você constituir um advogado para ele lhe orientar nesse caso. Se não tiver dinheiro para tanto, você deverá procurar a Defensoria Pública, pois essa instituição presta assistência jurídica aos necessitados. Caso você consiga reunir provas de que foi humilhada por ser deficiente física , terá direito à indenização por danos morais. Além disso, sua vizinha poderá responder por crime contra a honra, nos termos do Código Penal. Repito: precure seus direitos. Obrigado pela participação.

  5. zozoi disse:

    Querida Gi, não deixe de fazer valer seus direitos ,pois se perante a lei todos somos iguais,mediante o dispositivo legal art.5º da nossa carta magna …então é inaceitável que alguém sofra por humilhações ou situações vexatórias de quem se acha melhor … Portanto, essa pessoa precisa aprender para que não se repita o feito com outrem!… procure um advogado ou defensor público e processe porque dano moral é inestimável!

  6. gi disse:

    Obrigda pelo apoio!
    Hoje irei em uma advogada, e com ceteza, defenderei meus direitos, testemunhas é o que não faltam!
    O que me mais me entristeceu é que meu filho de 5 anos assistiu à tudo, e chorando disse: mamãe qud eu crescer vou ser médico para ninguém mais rir de vc!
    Este dano, caro zozoi, realmente é inestimável!!
    No decorrer das situações, postarei aqui se realmente a justiça será feita!!!

  7. Zozoi disse:

    Com certeza, minha cara Gi a justiça pois mais que tarde será feita e ainda teve esse agravante de ter havido uma situação constrangedora na frente do seu próprio filho…Mas por mais que tudo der certo nenhuma indenização amenizará a frustação que você passou contudo como já disse servirá de lição para que não se repita com outra pessoa! BOA SORTE! ESTAREI TORCENDO! FICA COM DEUS!

  8. Zozoi disse:

    Com certeza, minha cara Gi a justiça por mais que tarde será feita e ainda teve esse agravante de ter havido uma situação constrangedora na frente do seu próprio filho…Mas por mais que tudo der certo nenhuma indenização amenizará a frustação que você passou contudo como já disse servirá de lição para que não se repita com outra pessoa! BOA SORTE! ESTAREI TORCENDO! FICA COM DEUS!

  9. Rodrigo Souto disse:

    Chamar de “velhota” uma mulher que tenha menos de 60 anos configura o crime de injúria qualificada?

    • franciscofalconi disse:

      Caro Rodrigo, se a pessoa chamar uma idosa de velhota com a finalidade de denegri-la, isso afetará sua honra subjetiova, configurando o crime de injúria qualificada pelo preconceito. Contudo, às vezes, alguem chama uma senhora de “velhota” por brincadeira, caso em que não há dolo de injuriar, mas apenas o “animus jocandi”. Obrigado pela participação

  10. LUCIO ANDRADE disse:

    A ilustraçao técnica quanto as distinçoes entre racismo e injuria qualificada , nao nos deixa dúvidas sobre os universos conceituais dispares e inconciliáveis , no que tange a pronta resposta pratica e pragmática que deveria existir ante , ao grave problema histórico e sociologico de nosso povo . cultuador do racismos velado , ressalta-se que esta ausencia de satisfaçao jurisdicional contundente ao problema deve-se a nossa tradiçao e praxis de esvaziar a importancia existencial das classes subalternas . desta feita , a mentalidade dos senhores do poder ; a classe dominante , politicos , artistas , juristas e toda super estrutura economica . ainda , possuem em suas mentes ,vividamente a memória valorativa da figura do negro -escravizado , como coisa sem valor em si ,nao sendo dignos de serem tratados e reconhecidos como cidadaos de primeira grandeza . tal assertiva , embora , pareça panfletária e desproporcional as grandes conquistas politicas e sociais de nosso tempo . mas o judiciariario e o legislativo sao conscios desta demanda da comunidade negra , esta ediçao juridica está mais para um arranjo bem construido com o fito de dar uma resposta atenuada e enfraquecida de controle e eficacia , face aos clamores dos grupos de consciencia negra e parcelas da sociedade organizada multirracial , que militam neste rincao do direito e da ciidadania .se nao vejamos , o quadro comparativo da competencia da iniciativa processual e o grau de reprimenda em apenaçao – açao penal é condicionada a representaçao e a pena nao passa de ( 4 ) quatro ,anos. logo , suscetive de convolaçao da pena restritiva de liberdade por restritiva de direitos ou multa . o peso desta iniciativa deveria ser publica e nao privada , pois , atinge a toda uma naçao ou etnia afrodescendente . que em sua esmagadora maioria sao hipossuficientes , por obra , tambem , da lei aurea que a eles , nada concedeu , exceto uma liberdade desqualificada e vazia .porquê : da forma que ocorrera a alforria geral foi mais prejudicial . diante do fato que ora, eles , os escravos , teriam perdido até mesmo o direito a alimentaçao e moradia , nao foi concedido terras para trabalharem ( mini eforma agraria ) e meios tecnicos de inserçao no mercado recem criado . considerando , o fato que em tese , passaram a ser tratados como ” operarios ” .após, a aboliçao da escravatura , continuou-se o processo de coisificaçao dos negros .ratifico ,foi lhes negado , efetivamente ,terras e oportunidades para começarem uma nova vida ,ao invés disso foi direcionado as benesses aos europeus imigrantes e ate asiaticos . o estado brasileiro é tao pior com sua gente , os negros , como os argentinos foram ao dizimarem quase toda a populaçao negra de seu país . numa suposta açao de saude publica e limpeza etnica ( genocidio ) . evidendemente , que o embranquecimento forçado teve e tem como escopo destruir a herança negra no brasil .existem dispositovos legais oriundos da republica velha que proibiam a entrada no país de judeus ,negros e todas as demais , etnias diferentes da européia .consigna-se que pelas maos do médico ” renato kehll ” foi instituido em sao paulo , a primeira associaçao de eugenia no cone sul , com base nas ideias de francis galton e darwim , onde a tonica repousava sobre a auto-ideia de superioridade ariana . concluo , esta parte da analise reafirmando que os crimes de injuria qualificada ,com a especificidade da etnia e a religiao deveriam ser federalizados e insucetiveis de conversao da pena restritiva de liberdade por penas alternativas . o gravame da violencia simbolica da conduta delitiva da injuria racial ou religiosa , para os negros que sofrem sao tao ou mais ofensivos do que as figuras tipicas do crime de racismo ,que sao quase sempre praticados de forma velada e dissimulada , de dificil configuraçao tipica . tendo em vista , que as formas injuriantes sao mais comuns no dia-dia , o ultraje torna-se quase que perene dada a frequencia dos casos vários ,provenientes da deseducaçao e o modus economico aviltante que ajudou a fazer a riqueza nacional , digo , a escravidao . pois , nestes moldes o estado- juiz nao atende aos fins pré estabelecido na lei ; quais sejam , reprimir , previnir e ressocializar . esta figura qualificadora da injuria racial poderia ser reeditada na lei de crime de racismo .ademais , o pano de fundo nao é buscar prender por prender , ate por que prisao no brasil e no mundo . apenas ,deforma e embrutece o ser , mas nao havendo como conter estas condutas incriminadoras que sejam apicadas as sançoes mais graves . faço um cotejamento identificador e valorativo entre esta lei de crimes raciais e as lei de crimes tributarios , em ambos os casos existem mecanismos de proteçao aos mais favorecidos , os brancos de um modo em geral ,ricos e pobres e na segunda , brancos e ricos . a ideia é protege-los . haja vista ,que estes personagem elencados ,os brancos , nao sao os chamado clientes preferenciais do sistema punitivo pátrio ,que sao vocacionados aos negros e nordestinos . a injuria qualificada , em especie nos crimes raciais sao uma construçao racionalizada para desviar foco do problema , revisionismo historico em ebuliçao e diluir possiveis tensoes raciais localizadas no cenario nacional .mas nao atende aos propositos da justiça social e criminal . peço maxima venia , pelo aparente anacronismo interpretativo dos fatos , no brasil esta realidade pós lei áurea ainda é deveras visivel , chocante e desistabilizadora que parace que nao houve ruptura tempo -espaço . estas linhas refletem o que eu acolho como verdade , judiciario está vinculado a ideologia de classe , portanto , padece das mesmas patologias sociologicas e historicas , ser um juiz no passado era por uma indicaçao do governante eventual e hoje , sao oriundos das classes mais abastadas ,o concurso é o teatro , passa quem eles , avaliam como seus iguais ou filhos de alguem . isto , no geral . há exceçoes . que confirmam a regra . possuem a deformidades óticas de classe e de etnia .

  11. Be disse:

    um amigo sofreu injuria racial no final do ano de 2010. Acontece que na época ele só deu queixa na delegacia. Gostaria de saber se ele ainda pode entrar com ação ou o prazo (06 meses do fato) já caiu na decadência? A simples queixa na delegacia interrompe o prazo da decadência, ou esse prazo só é interrompido quando a queixa é oferecida no MP? Lembrando que é um Ação Penal Pública condicionada a representação do ofendido. Desde já agradeço.

  12. julival disse:

    ola´. td bem? eu fui chamado de macaco no trabalho, eu sou negro o que eu faço ok

  13. miriam disse:

    Boa noite entre numa Loja de fotocopias mandei a fazer umas plastifica coes de um documento o qual saiu tudo amassado eu reclamei e uma mulher que parecia ser a dona começou a xingar por eu ser estrangeira de sua xxxx barraqueira todas as xxxx são barraqueiras você também vai ficar enrugada amassada quando seja velha vai a seu pais a reclamar e muitas coisas mais eu denuncie no MP registre BO e dei entrada na Defensoria Publica , na audiência de conciliação ela falo que não me conhecia e sua advogada falo que mesmo sendo racismo glacial não ia dar em nada que tem que fazer

  14. ingrid disse:

    Foi humilhada por uma Vizinha porque coloquei um trailler de lanche em frente minha casa ela me xingou de pobre e que eu sujava a Rua nobre com minha pobreza e me denunciou várias vezes e por isso não consigo alvará quero saber se tenho direitos pois estou desempregada e meu esposo também o que posso fazer?

  15. ivanilda naundorf disse:

    eu foi fazer uma periicia e foi chamada de podre

  16. dih disse:

    Ola….goatei muito da sua materia….constantemente tinho sido chamada de nega, pela ex mulher do meu esposo. sou morena descendente de indígenas. em outras circunstâncias não me incomodaria em ser chamada de nega, mas ela ja esta abusando da minha boa vontade.gostaria de saber qual ação tomar devido à isso…se se posso processa la.obrigado

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