Inconstitucionalidade superveniente ou revogação?

1.         Após alguns dias sem postar, tentaremos responder a seguinte indagação: o Direito Constitucional brasileiro acolhe a tese da inconstitucionalidade superveniente?

            Como todos sabem, inúmeras leis e atos normativos são promulgados sob a vigência de uma determinada constituição. Nesse contexto, nada impede que o Poder Constituinte originário entre em ação, derrubando a ordem anterior, por meio da promulgação de uma nova Constituição.

             Nessa situação, é pacífico que as leis anteriores válidas e materialmente compatíveis com a nova Constituição são por ela recepcionadas, permanecendo em vigor. Contudo, na hipótese de as leis antigas serem materialmente incompatíveis, verifica-se uma divergência: para uns, ter-se-ia a chamada “inconstitucionalidade superveniente”; para outros, seria o caso de simples revogação.

 2.           Na jurisprudência do STF (cf. ADI nº 04, Rel.: Min. Paulo Brossard), prevalece o entendimento de que eventual incompatibilidade da legislação pré-constitucional em face de uma nova Constituição acarreta tão somente a revogação. Segundo o STF, quando uma lei anterior é materialmente incompatível com uma Constituição, não há um juízo de inconstitucionalidade, mas uma mera aplicação das regras de direito intertemporal, especialmente, o critério segundo o qual a norma posterior revoga a anterior com ela incompatível. Assim, a norma incompatível com a nova ordem constitucional não se torna inconstitucional por superveniência, mas revogada ou simplesmente não-recepcionada.

3.         A polêmica “inconstitucionalidade superveniente” versus “revogação” não é uma controvérsia meramente teórica, eis que possui importantes conseqüências práticas. A primeira delas consiste na impossibilidade de as leis pré-constitucionais serem objeto de Ação Direita de Inconstitucionalidade – ADI, exatamente em razão da circunstância de que a questão circunscreve-se no âmbito da revogação. Ademais, no sistema difuso, a declaração da incompatibilidade da lei velha em face da nova ordem pode ser feita pelos Tribunais sem a observância do quorum especial, previsto no art. 97 da Constituição (“reserva de plenário”). 

            Registre-se que esse entendimento é plenamente aplicável não apenas nos casos de incompatibilidade da Constituição com a lei a ela anterior, mas também entre Emenda Constitucional e leis que tenham sido promulgadas antes de sua vigência. Nesse último caso, igualmente tem sido rechaçada a chamada “inconstitucionalidade superveniente”, prevalecendo a idéia de simples revogação, o que atrai as conseqüências práticas acima mencionadas. 

4.         Por força da Lei nº. 9.882/99, que disciplina a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, estabeleceu-se, de forma expressa, a viabilidade do exame abstrato e concentrado da compatibilidade entre leis pré-constitucionais e a Constituição Federal, o que acabou por fechar uma lacuna no controle de constitucionalidade brasileiro.

            Da mesma forma, nada impede que, em sede de ADPF, discuta-se a compatibilidade de um direito pós-constitucional em face de Emenda Constitucional que lhe seja posterior, com vistas à verificação da ocorrência ou não de revogação. Contudo, mesmo nessas hipóteses, lembra Gilmar Mendes que os dispositivos dos acórdãos permanecem fiéis à velha jurisprudência, assentando que as leis anteriores impugnadas pela via da ADPF foram revogadas ou recebidas pela nova ordem constitucional ou pela Emenda respectiva.

5.         Assim, a título de conclusão, pode-se afirmar que a tese da inconstitucionalidade superveniente não tem sido admitida no Direito Constitucional pátrio. Porém, sob o ângulo estritamente doutrinário e de forma minoritária, já se defende a possibilidade de existência de inconstitucionalidade superveniente nas hipóteses de mutação constitucional. Realmente, em determinadas casos, certos dispositivos constitucionais sofrem uma radical mudança na interpretação que lhes é dada pelo STF, o que implica em verdadeira inconstitucionalidade do direito anterior à mutação (cf. Gilmar Mendes, Curso de Direito Constitucional, 2ª ed., p. 1.024).

 

1 Responses to Inconstitucionalidade superveniente ou revogação?

  1. Ellen disse:

    Parabénss….
    Artigo muito esclarecedor!
    Cumpriu a meta do blog em oferecer um “Direito descomplicado”.

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